Capítulo 2

1179 Words
Quinta-feira, 04 de outubro de 2018. 01h38 – O prédio ao lado, Sandtown Baltimore – EUA. Estou deitada na cama, encarando o teto. Está tudo em silêncio. Já deve ser de madrugada e eu deveria estar dormindo para me preparar para o que quer que aconteça amanhã. Mas ainda estou acordada. Luto contra o peso dos meus olhos. Estou quase perdendo a batalha quando algo atrai meu olhar. Um pequeno brilho circular no teto. Uma câmera. Não sei por que me surpreende haver uma câmera me observando, mas me surpreende. Quem quer que esteja assistindo, não quero que veja o horror que sinto. Enterro a cabeça debaixo do lençol e, por hábito, aperto o travesseiro no peito. Mantenho a cabeça coberta, caso a câmera possa ver mais do que eu acredite e me esforço para limpar minha mente dos horrores que ainda pode acontecer. Quinta-feira, 04 de outubro de 2018. 6h08 – O prédio ao lado, Sandtown Baltimore – EUA. Acordo com o barulho da porta se abrindo. Nem lembro de ter caído no sono. A mesma garota de antes vem até mim rapidamente. Ela estende a mão para mim e é a primeira vez que presto atenção nas mãos e nos braços dela. Não tem um pelo sequer e as pontas dos dedos são lisas, como se tivessem sido queimadas. Um pavor percorre meu corpo. Que tipo de pessoa queima a ponta dos próprios dedos? — Quer conhecer o lugar? — pergunta. — Quero saber onde está Josh. — Ele está bem — responde. — Só isso que sei. — Você sabe de alguma maneira de sair daqui? Ela para e fica me olhando. Certo. Gwen então me empurra com delicadeza em direção à porta. Saímos para um corredor estreito e comprido à minha direita, e outro mais curto à minha esquerda, que dobra um pouco mais adiante. Quase na frente da porta do quarto há outra entrada, uma escada que desce – para uma espécie de calabouço, úmido e frio. Eu me viro lentamente, tentando assimilar tudo, mas é pedir demais. Meus olhos não conseguem ver metade do que tem ali, e meu cérebro não consegue processar metade do que meus olhos estão enxergando. — Que m***a de lugar é esse? — rosno. Gwen solta uma risada, um som forte que ela logo interrompe, como se temesse que alguém pudesse ouvi-la. Então ela diz, secamente: — Bem-vinda ao seu novo lar. Sou levada de volta ao quarto fechado quando ouvimos vozes no outro corredor. Encharcada de suor e com o peso da culpa: não consegui salvar Olga e agora Josh pode ser morto por minha causa. Levanto os joelhos até meu peito e enterro o rosto neles. Queria ter vontade de chorar, porque as lágrimas talvez me proporcionem uma sensação de libertação, mas o choro não vem. À medida que o tempo passa, vou ficando mais tensa. Sou obrigada a enxugar minhas mãos a toda hora, sempre que o suor se acumula. Ou será que estou fazendo isso apenas para me acalmar? Consigo ouvir os pássaros cantando lá fora. Nunca pensei ter inveja dos pássaros, mas tenho. Sei que aqui também há outras garotas. Consigo ouvi-las através das paredes, sussurrando. Queria falar com elas, só para me sentir reconfortada em saber que estamos nisto juntas, mas não há como. Um pouco antes tinha ouvido uma porta ser aberta e uma voz masculina gritar com uma delas para que se calasse. Ouvi estalos e murros e os gritos estridentes da garota atravessavam o meu cérebro. Agora só a ouço soluçar baixinho. Quando saio do banheiro, percebo que a porta está entreaberta, e na mesa diante de mim está uma bandeja com um copo com suco de laranja, duas fatias de pão tostado e um prato de papel contendo um ovo cozido. Meu café da manhã. — Oi — dou um pulo quando ouço a voz. Leva um minuto para avistar a fonte da voz delicada. Quando a vejo, fico surpresa em ver que o som pertence à bela menina alta com ombros largos e longos cabelos loiros. Ela me dá um sorriso tímido. — Sou eu, Gwen. Trouxe sua comida. Vou comer aqui com você — diz ela. Chego mais perto. Seus lábios se abrem em um sorriso deliciado. — Todo mundo no jantar estava falando sobre você ontem. — Sobre mim? — Sim... você não é como nós. Eu fico sem entender, abro a boca para falar algo, mas não sai uma palavra sequer. Gwen esclarece: — Aqui é como se fosse um abrigo, sabe? Somos resgatadas das ruas ou de famílias ruins. Mas você parece ser uma garota bem de vida — ela sussurra. O quê? Gwen é a única garota que tenho contato, as outras garotas, que aparentemente estão aqui em maior número do que pensei, mantinham-se afastadas. Quando comentei sobre o assunto, Gwen diz que isso é normal. — O choro deixa todo mundo estressado — diz ela, com a boca cheia. Independentemente do que possa ser dito a respeito do psicopata, ele oferece refeições excelentes. — A maioria prefere ficar de fora do assunto até entendermos como a nova garota vai se adaptar. — Menos você — comento. — Alguém tem que assumir isso. Consigo aguentar o choro, se for preciso. — Então deve se sentir grata por eu não ter caído aos prantos. — Mais ou menos isso. — Gwen espeta um pedaço do ovo cozido e me olha ao perguntar: — Você não chorou em nenhum momento? — E chorar adiantaria de alguma coisa? — Ainda não sei se eu vou amar ou odiar você. — Ela me lança um sorriso largo, mostrando todos os dentes. — Mantenha essa atitude, mas não com eles. No almoço, Gwen volta para comer comigo: arroz integral, salada e frango grelhado. E em um copinho, dois comprimidos, iguais aos que fingi tomar no café da manhã. — Por que temos que tomar esses comprimidos? — São vitaminas, para nos manter saudáveis. Essas palavras me fazem perceber que essas garotas sofreram algum tipo de lavagem cerebral. Será que elas não sabem que foram sequestradas? E eu sei muito bem que os remédios são drogas para dormir, mas como vou explicar isso para ela? Sou a novata aqui, ninguém vai acreditar em mim. Depois do jantar, ouço gritos, muitos. Alguém está espancando uma garota, pois são gritos de dor. Encosto meu ouvido na porta, tentando entender a situação. “Ooh, está doendo! Por favor me ajude! Oh meu Deus! Pare! Leve-me até um hospital. Ah! Ajude-me! Pare! Oh, meu Deus, pare! Ohh! Ohh! Ohh! Oh Deus...” Fecho os olhos, agoniada com o que ouço. Ela fica em silêncio por uns segundos, que começo a acreditar que está morta. Mas então ouço outra coisa, completamente inesperada: choro de bebê. Ela estava em trabalho de parto? Tem outras grávidas aqui? — Espera! — A garota volta a gritar e o bebê volta a chorar. — Não! Não! Deixe-me apenas... Não! Devolvam minha bebê! É uma menina. O choro da bebê diminui, deduzo que a levaram para longe.
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