A vida é feita de despedidas.

1773 Words
“Quando conheci Heitor Ferri, sabia que minha vida mudaria, mas nunca imaginei que fosse para melhor. Não, nem em meus sonhos mais loucos. Eu estava no último ano de faculdade, terminando o curso de moda. Certo dia fui em um pub com as minhas melhores amigas, Nádia e Larissa, estávamos numa mesa nos fundos do bar, bebendo e fofocando, que é o que fazemos de melhor.” Reviro os olhos, isso é o que minha mãe e minhas tias fazem de melhor até hoje. Não consigo imaginá-las juntas sem uma taça de vinho e um sorriso no rosto. Faça sol, faça chuva. Volto ao diário de mamãe, isso aconteceu há vinte anos atrás. “Até que bati os olhos naquele homem, ele estava atirando dardos com outros caras, e sorria como se fosse o rei deles. Droga, pelo jeito que sorri, ele poderia ser o rei do mundo todo se quisesse. Lembro como se fosse hoje que até o jeito que andava me impressionou, era quase felino, predatório. Ele estava usando uma jaqueta de couro, calça jeans com correntes e coturnos. Quando levou o copo a boca em seus dedos havia vários anéis prata. Que o deixava mais sexy do que eu sequer imaginava. Óbvio que era escandalosamente bonito, e nem de perto o meu tipo. Eu gosto de nerds magrelos. Sério." Esse comentário é a cara da minha mãe, “eu gosto de nerds magrelos”. Ainda não acredito que ela deixou eu colocar as mãos nessa belezura, ela carrega esse diário pra lá e pra cá, diz que escrever sobre a vida ajuda a clarear a mente. "Ou gostava, até acabar atracada com ele na garagem da faculdade. Espera, estou pulando partes. Nos encontramos na faculdade dois dias depois, ele estava no último ano de direito, veio de transferência. Eu e as meninas estávamos almoçando quando ele e os caras que estavam jogando dardos com ele aquele dia, se sentaram na nossa mesa. Nádia estava ficando com um amigo dele. Depois que comemos, fomos para as mesas do deque para os meninos fumarem. Eu estava contando para Lari os mínimos detalhes sobre qualquer coisa, quando ele pigarreou alto. Atraindo minha atenção para ele, coisa que eu tentava desesperadamente não fazer. Ele abriu aquela boca maravilhosamente bem desenhada e falou: ‘Você não consegue parar de tagarelar?’” Solto uma risada alta, eu não acredito nisso! Meu pai jamais diria uma coisa como essa para minha mãe, quem diria que ele era marrento? “Eu não sabia como reagir” Ah mãe, nem eu. “O cara m*l me conhecia! Franzi as sobrancelhas diante de seu tom, mas ele sequer estava olhando para mim. E aquilo me enfureceu. ‘Você não consegue ser educado?’, perguntei com desdém. E ele teve a audácia de revirar os olhos e dizer: ‘Você realmente não para de falar’ Meu Deus como ele me irritava! ‘Você realmente deveria calar essa boca’ respondi, ríspida.” MINHA MÃE FALANDO CALA A BOCA? Esse diário é melhor do que eu imaginava. “Depois disso, algo mudou. Instantaneamente, seus olhos verdes muito marcantes se voltaram para mim, e me encararam com surpresa. Durou dois segundos, pois em seguida colocou os dois pés na mesa e pegou um cigarro. Mas eu sentia que algo havia mudado entre nós. Ninguém mandava ele calar a boca – não sem acabar com um socão na cara. Sim, Heitor era encrenqueiro, bebia muito e ia para todas as festas que seu corpo aguentava, vivia de m*l humor e se falava 10 palavras no dia, era muito. Aposto que duas dessas dez devem se resumir em “presente” na sala de aula.” Meu pai encrenqueiro, bebendo, fumando e festeiro. Uau. Heitor Ferri, você é mais do que um promotor certinho. Mas como mamãe sempre dizia, todos tem um passado. E esse é o dos meus pais. “Seus amigos eram muito diferentes uns dos outros. André jogava vôlei profissional e estava cursando educação física. Rodrigo e Diego faziam engenharia e eram super parecidos fisicamente – o primeiro sempre estava com a língua enfiada na boca de Nádia. E tinha o melhor amigo de Heitor, o nerd magrelo e bonitinho - que era seu melhor amigo de infância, Arthur. E todos eles se mudaram para cá para ficar com Heitor. A amizade e lealdade que havia entre eles os tornavam especiais. E eu sabia que Heitor devia ser muito especial por baixo daquele casco. Porque quatro pessoas deixaram suas vidas para traz para não deixar o amigo sozinho. Eu só não sabia o quão especial ele poderia ser.” Aaaaai, que amor! Pouso o diário em meu colo. Estou deitada na rede aproveitando essa manhã maravilhosa, inclino meu rosto em direção ao sol – que aquece minha pele. E sorrio. Que vida boa. Estico o braço e me balanço um pouquinho, os meninos estão dormindo ainda, então a paz está reinando. Meu celular vibra, é uma mensagem do Matteo. Bom dia Gata, o que você vai fazer hoje? Quando desbloqueio meu celular para responder, meu irmão mais novo grita em meu ouvido: - AAAAAAín – o famoso gemidão. Levo um susto, mas respiro fundo e tento ignorar. Oi paz, adeus paz. Nosso irmão do meio vem e o empurra para cima de mim na rede. - Ai Noah c*****o, eu não te bati! - Olha a boca Hen... Henry se levanta e mete um socão em Noah, reviro os olhos, e lá vamos nós. - Tata! Ele me bateu! – diz Noah. - Não quero saber – resmungo. - Cala boca Noah. - Cala a boca você. Respiro fundo novamente, a parte boa é que eu passo o dia inteiro dando risada. Mas de manhã eu sou m*l humorada. Levanto da rede e vou para a cozinha fazer o almoço, os dois rabinhos logo vem atrás de mim. - Quer ajuda para lavar louça? – Pergunta Noah. - Quer que eu lave o fundo? – Pergunta Henry. Dou de ombros. Eles sempre tentam me agradar depois que me irritam, e como eu amo ser mimada por eles, finjo que estou brava e os ignoro. Praticamente vejo as engrenagens se mexendo dentro de suas cabeças ao pensarem o que vão fazer para me fazer perdoá-los. m*l sabem que não aguento ficar um minuto brava com eles. Como não respondo os dois saem emburrados e vão para sala. Quando éramos menores, não nos gostávamos tanto assim, tudo que eles faziam, no sentido literal, me irritava. Mas agora, somos praticamente um só. Inseparáveis. Isso começou depois que nossos pais começaram a nos deixar sozinhos quando vão para o trabalho, então começamos a apreciar a companhia uns dos outros. Óbvio que uns são mais insuportáveis que outros – não sei quem é mais, talvez seja eu, mas o amor entre nós prevalece. Sempre. E a lealdade, acima de tudo. Seu irmão em primeiro lugar. Coloco uma música e começo a preparar uma macarronada – como os bons Italianos que somos, não rejeitamos uma macarronada nunca! Coloco água para ferver e alguns filezinhos de frango numa frigideira, enquanto a água não ferve eu preparo uma salada, Henry é doido por salada bem azedinha, cheia de limão – puxou para mim nesse sentido. E só gosta do meu tempero. Haha. Estou cantarolando e preparando tudo até que escuto Noah gritando: - QUE PAI? Em um tom que faz meu coração disparar. Solto a faca e vou trêmula até a sala ver o que aconteceu. Noah está branco feito papel. - O que foi? – pergunto. Ele não responde e fica olhando para o celular. - FALA p***a! – grito. Henry chacoalha Noah pelos ombros e grita: - Meu qual o seu problema? - É a mamãe – diz Noah com a voz falhando. Sinto meu sangue gelar. - O que tem a mamãe? – Pergunto calmamente. - Ela está no hospital – diz Noah. - Noah se isso for mais uma trolagem... – Digo já indo pegar o meu celular na cozinha. Por que o papai não me ligou? Ele tem esse péssimo hábito de avisar meu irmão das coisas que são importantes. Não sou eu a irmã mais velha, p***a? Pego o celular e desligo a música, ele realmente não me ligou. Disco o número dele e ele atende no segundo toque. - Oi filhinha. - Pai? O que aconteceu? - Ai Ceci – escuto sua voz falhando e sei que está chorando, meus olhos se enchem de lágrimas – é a sua mãe, pega os seus irmãos e vem pra cá, estamos no Santa Mônica. - Estamos indo – digo e desligo. Henry já está ali, e quando desligo vem me abraçar. Ele é mais novo que eu mas já me passou em altura, só é magro, então sempre que me agarro a ele, parece que é pequeno e frágil. Diferente de Noah que nasceu com o corpo torneado e atlético, exatamente como nosso pai. Noah chega em seguida e nos abraça também. Nos soltamos e eu pergunto: - Querem ir pro hospital? - Claro, só deixa eu por um boné – diz Noah. - Eu posso ir assim? – Pergunta Henry, ele está de samba e chinelo, sempre desleixado. - Põe uma camiseta pelo menos – digo. - Ah, eu já ia fazer isso - e vai pro quarto dele. Pego a chave e tiro o carro, fico esperando eles na frente do portão. Estou ansiosa, e pela voz do meu pai, sei que a coisa não pode ser boa, Noah é naturalmente dramático. Mas meu pai, não. Ele é um homem quieto, um poço de paciência, raramente nos dá bronca, e é a pessoa mais amorosa que eu conheço. Ele e minha mãe são uma dupla, e não sei se um funciona direito sem o outro. Noah entra e senta no banco do passageiro. Começa a tamborilar os dedos na porta e eu digo entredentes: - Para – ele para, mas não sem me olhar com uma cara f**a – cadê o Henry? - Foi mijar. - Saco. - Pois é, ele não muda nunca. Abro a janela de Noah e grito: - Vou te largar aqui! Henry sai apressado de casa e tranca a porta. - Anda logo! – Grito de novo. - Pera Cecília! – Grita de volta. Ele sai e bate o portão, entra e bate a porta. Ele quer mesmo me irritar. Dirijo em direção ao hospital, sei que estamos muito a flor da pele e é melhor não conversarmos. Faço uma oração silenciosa, torcendo para que tudo fique bem. As coisas sempre dão certo no final pra gente. Né?
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