Prólogo

1219 Words
— John Paul, acho que devería­mos nos divorciar. Mary Anne havia abaixado o tom de voz, sem dúvida para que a copeira, nas suas idas e vindas da cozinha, não os ouvissem. John Paul pensou ter entendido m*l a esposa. Talvez estivesse mesmo precisando daquele aparelho de surdez... Mas não, o sorriso da mulher era forçado e os adoráveis olhos azuis lhe pareciam angustiados. Apesar de seus quase cinqüenta anos de casados, aquilo o preocupou. — Não tenho certeza se a ouvi bem — ele insistiu, limpando os cantos da boca devagar com o guardanapo de linho. — Você poderia repetir, minha querida? Hesitante, ela colocou o jornal local sobre a mesa, reunindo os vários cadernos num movimento tenso. Os olhos azuis brilhavam febris, acentuando a bran­cura dos cabelos sedosos. Aquele contraste de cores o fazia pensar nas águas tépidas do Golfo do México, sempre profundas e com ondas cristalinas. Após cinco décadas, John Paul continuava se admirando que uma mulher tão fascinante e talentosa pudesse tê-lo esco­lhido para marido. — Bem, não um divórcio de verdade — Mary Anne ex­plicou. — Um divórcio fictício. Um divórcio fictício. Como se isso fizesse mais sentido. Mary Anne se tornara o centro da vida de John Paul desde que haviam se conhecido durante um show de entre­tenimento para as tropas, durante os anos caóticos da Segunda Guerra Mundial. Ele a vira cantando e soubera, naquele exato momento, que a loura curvilínea era a resposta aos seus sonhos. Nada tinha maior importância, ou significado, do que Mary Anne. Nem a fortuna que conseguira ajuntar ao longo de seus setenta e cinco anos, embora fosse uma conquista admirável, considerando suas origens hu­mildes. Afinal, o pai fora um simples comerciante in­glês, sem nenhum faro para os negócios. Nem Paraíso do Mar, a estupenda mansão na costa da Flórida, onde ele e a esposa haviam criado três lindas filhas. Nem mesmo o corpo magro e forte que conseguira manter na velhice, resultado de caminhadas diárias num tre­cho de praia particular. Certamente sentia-se grato por tudo o que possuía. Entretanto, a única coisa que valorizava acima de tudo, era Mary Anne. A simples possibilidade de um divórcio fictício já fazia sua pressão subir. John Paul dobrou o Wall Street Journal e o depositou cuidadosamente entre o copo de cristal, com suco de laranja fresco, e a xícara de porcelana, em que fume­gava café importado. Então fitou a esposa. — Qual seria o objetivo, minha querida? — indagou muito calmo. Ela cerrou os lábios, um sinal definitivo de que o marido cometera algum erro de julgamento. —  Você não estava prestando atenção às minhas palavras, John Paul. —  Confesso-me culpado da acusação. Mary Anne inspirou fundo e fechou os olhos por um bre­ve instante antes de continuar. — O que estou tentando dizer, querido, é que desejo apenas um único presente de bodas de ouro. A recon­ciliação de nossas meninas. Se ele tivesse a menor idéia de como promover a reaproximação de Lauren, Rachel e Maggie, já o teria ten­tado doze anos atrás. — Vamos, meu amor, não é como se elas estivessem em guerra. A dor estampada nos olhos da esposa, o fez vacilar. Pelo visto, racionalizações de nada adiantariam na­quela manhã. — As três m*l se falam — Helen estava dizendo. — Rachel parece não saber nem sequer o estado em que Maggie mora e Maggie sempre muda de assunto quando menciono Rachel. Também não posso me lembrar de qual foi a última vez que Lauren veio nos visitar. O comportamento de Maggie era compreensível. Per­der um filho deixaria qualquer pessoa traumatizada. E quem não procuraria se manter distante do lugar onde estavam enraizadas tão tristes lembranças? Ele mesmo, quando a Segunda Guerra Mundial terminara, achara impossível voltar para Londres, onde a família, a vizinhança e todo o estilo de vida que conhecera, fora destruído. Sim, John Paul podia entender a relu­tância da filha mais velha, que preferia não retornar ao local onde estavam guardadas tantas recordações dolorosas. Durante um longo tempo, haviam esperado que Maggie voltasse para casa, em busca de apoio e conforto. Porém não fora o que acontecera. E Mary Anne se culpava por isso. Assim como se culpava pelo afastamento de Lauren e pela maneira inconseqüente de Rachel encarar a vida. John Paul considerava suas filhas adultas agora, e responsáveis por si mesmas. Mas Mary Anne julgava as falhas em suas vidas apenas um reflexo de sua imperfeição coma mãe. —  Meu amor, não é culpa sua — ele repetiu pela milésima vez. — E você deve saber que não há nada que possamos fazer a respeito. —  Creio que há sim. Mas você terá que concordar com meu plano. Então John Paul ouviu o que a esposa tinha a dizer. E lhe respondeu "não" de maneira categórica, conven­cido de que não voltariam a tocar no assunto. Afinal, era o homem da casa e, como tal, cabia-lhe tomar as decisões importantes. Porém, para sua surpresa, Mary Anne não ficara amua­da, ou passara a tratá-lo friamente. Continuara a se mostrar cordial e doce o resto do dia. Cordial, doce... e persistente. Depois do café da manhã, ela o seguira até o escri­tório, quando fora checar o correio eletrônico com men­sagens de seus consultores financeiros. Outra vez, uma exposição detalhada do plano. Mary Anne tampouco falara de outra coisa ao se sentarem no deque para almoçar. Ao saírem para a caminhada diária na praia, no final da tarde, fizera questão de bombardeá-lo com os prós e os contras da proposta. E fora esse mesmo cardápio que lhe servira no coquetel, antes do jantar. John Paul orgulhava-se de nunca ter sido forçado a tomar uma atitude. De repente se deu conta de que, em todos aqueles anos juntos, Mary Anne jamais tentara pressioná-lo com palavras, ou atos. — Isso é realmente importante para você, não é? — ele perguntou ao se sentarem à mesa de jantar. Mary Anne o fitou por um longo instante, uma súplica muda no olhar. —  Sim, é. —  Acredita mesmo que se levarmos as meninas a pensarem que nosso casamento está em perigo, aca­baremos as reaproximando? —  Podemos encarar a questão como uma pequena encenação, querido. Uma nova chance de interpre­tar um papel. A idéia não o entusiasmava muito. Não representava há uns quarenta anos, ou mais... desde que dera as costas ao seu programa na televisão. Tivera muito su­cesso, entretanto nunca levara a carreira tão a sério como Mary Anne. Na verdade, tudo começara quando acompanhara a noiva a um teste, apenas por diversão, e terminara ganhando um pequeno papel na Broadway. Uma coisa levara à outra e, de súbito, descobrira-se estrelando uma série de sucesso na televisão. Entretanto não tivera dificuldade alguma para aban­donar o meio artístico quando a esposa, finalmente, ficara grávida. Ambos optaram em dar aos filhos uma vida normal. Mary Anne se mantivera relativamente ativa, participando da comunidade teatral local. Conseguira até convencer o marido a subir no palco uma ou duas vezes. Mas isso... A idéia não fazia o menor sentido. Porém John Paul amava a mulher agora mais do que quando haviam se conhecido e estava disposto a tudo para vê-la feliz. — Minha querida, estou ao seu dispor — ele mur­murou, erguendo o cálice de vinho e notando os olhos da esposa se encherem de lágrimas. — Deixe as cor­tinas subirem.    
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