Prólogo

973 Words
Yorkshire, fevereiro de 1803 – Meu senhor, eu... certamente Mr. Freddie... – Mr. Freddie? – A voz crítica de lorde de Wellborn interrompeu a criada. Ela enrubesceu e ficou nervosa. – Er... Reverendo Lancaster, eu quero dizer, senhor. Ele não o fará esperar muito, senhor, só que... – Não precisa explicar – lorde de Wellborn disse-lhe friamente. – Eu não tenho dúvidas de que o reverendo Lancaster virá assim que puder. Eu esperarei. Cooper, lorde de Wellborn, olhou à sua volta. Uma única janela estreita se abria para o cemitério, trazendo aos ocupantes da casa a sensação de morte. Deus, quão insuportavelmente lúgubre, pensou Cooper, sentando-se em um sofá desconfortável. Será que todos os vigários vivem assim? Achava que não, mas não tinha certeza, pois o seu tipo de vida não o levava à i********e com o clero. Bem ao contrário, na realidade. E se o seu mais antigo amigo, Freddie Lancaster, não tivesse vestido o colarinho clerical, Cooper ainda estaria na mais feliz ignorância. Ele suspirou. Entediado e desassossegado, decidira em um ímpeto fazer a longa viagem até Yorkshire para visitar Freddie, a quem não via há anos. E agora, tendo chegado, se perguntava se fizera a coisa certa, visitando o apertado e miserável vicariato sem se anunciar. – Quem está aí? – Huooo, moço! – Quando olhou, as cortinas se abriram, e um rostinho travesso o espreitava. Cooper piscou. Era uma criança bem pequena – uma menina, decidiu ele após um momento. Ele nunca tinha visto uma criança daquela idade. E apesar de estar totalmente desacostumado com a moda infantil, pareceu-lhe que esta parecia mais feminina que outra coisa. Tinha cabelos escuros e cacheados, e grandes olhos castanhos. E o olhava com o olhar ávido que tantas mulheres têm. Ele fitou a porta, esperando que alguém chegasse e buscasse a criança para levá-la ao seu lugar. – Huooo, moço! – a bonequinha repetia alto. Cooper arqueou uma sobrancelha. Ele pretendia responder. Mas como deveria se dirigir a uma criança? – Como você vai? – disse, após um momento. Então, ela sorriu e se lançou para ele em uma corrida incerta. Horrorizado, Cooper ficou imóvel. Contrariamente a todas as suas expectativas, ela cruzou o cômodo sem cair, aterrissando em seus joelhos. Rindo para ele, acariciou suas calças de couro imaculadas com as mãos úmidas e imundas. Cooper recuou. Seu criado teria um ataque. Com certeza, as mãos da criança estavam imundas e grudentas. Cooper não sabia nada sobre crianças, mas tinha certeza daquilo. – Colo, moço – a bonequinha levantou os braços, na clara expectativa de ser colocada no colo. Cooper aprofundou a sua carranca em um olhar de raiva. A boneca retribuiu-lhe o olhar do mesmo modo. – Colo, moço – repetiu. A pequena mão grudenta pegou em seu braço. – Colo! – exigiu novamente. – Não, obrigado – disse Cooper, em seu tom mais frio e educado. Meu Deus, ninguém viria salvá-lo? Fazendo um bico de choro, mostrou, aos olhos pessimistas de Cooper, todos os sinais evidentes de uma menina a ponto de explodir em lágrimas barulhentas de chantagem. Elas com certeza começavam cedo. Não era de se espantar que fossem tão hábeis nisso quando cresciam. O pequeno rosto se fechou. Ela estendeu um par de braços rechonchudos: – Carinho! Mais uma vez, sua exigência era bem clara. Cuidadosamente, ele a trouxe para mais perto de si, até que subitamente ela envolveu seu pescoço com os braços em um forte abraço que o surpreendeu. Em segundos, aninhou-se confortavelmente em seu colo, recostando-se em um de seus braços, ocupada em arruinar seu cachecol. Só levou meia hora para conseguir o que queria, Cooper disse a si mesmo, contrariado. Ela conversava com ele sem parar em um fluxo confidente, uma mistura de inglês e linguagem de bebês, parando de vez em quando para fazer o que parecia ser uma pergunta. Cooper se viu respondendo. Senhor, se alguém o visse agora, ele nunca se conformaria. Mas não tinha escolha – não queria ver aquele rostinho se a****r novamente. Uma vez, ela se interrompeu no meio do que parecia ser uma história bem complicada e olhou para ele. Cooper se sentiu vagamente apreensivo, perguntando-se o que poderia fazer. Ela estendeu sua mão e traçou o vinco longo e vertical em sua face direita com um dedo pequeno e macio. – “Que icho”? – Ele não sabia o que dizer. Uma ruga? Um vinco? Ninguém ousara referir-se a isso. – Er... isso é minha bochecha. Ela acompanhou o traçado do vinco mais uma vez, pensativa, depois pegou seu queixo em uma das mãos, virou sua cabeça, e fez o mesmo na outra face. A tagarelice constante começou a diminuir e a cabecinha a oscilar. Subitamente, ela bocejou e se aconchegou melhor na curvatura de seus braços. Por um momento Cooper se imobilizou, perguntando-se o que fazer, depois lentamente recomeçou a respirar. Sabia que era um homem poderoso – no sentido físico e social – mas nunca em sua vida fora subjugado pelo peso quente de uma criança adormecida. Era uma responsabilidade notável. Sentou-se ali, imóvel, cerca de vinte minutos, até que uma vaga agitação soou no hall. Uma bela jovem olhou para dentro da sala, uma expressão arrasada em seu rosto. A mulher de Freddie. Joan. Jane. Ou era Jenny? Cooper estava quase certo de tê-la reconhecido. Ela viu a pequena forma adormecida em seus braços. – Oh, graças a Deus! – exclamou – nós a procuramos por toda parte. Voltou-se e chamou alguém na entrada. – Martha, corra e diga a Mr. Freddie que a achamos. Ela se virou para Cooper. – Eu sinto tanto, Wellborn. Nós pensamos que ela havia ido para o jardim e todos estávamos lá fora, procurando. Ela lhe incomodou muito? – Não, absolutamente. Foi um prazer. – E, para sua grande surpresa, descobriu que era verdade.
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