Prólogo

838 Words
Paredes nuas, cômodos vazios. Não havia lembranças ali. Mary Anne caminhou pelo pequeno apartamento. Seu apar­tamento, lembrou a si mesma. Tinha mais de setenta anos e estaria morando sozinha pela primeira vez em sua vida. Não sabia se ria ou chorava diante de tal pensamento. O telefone tocou, sobressaltando-a. Fora ligado apenas naquela manhã. Quem poderia estar telefonando? Olhou para o aparelho, deixando-o tocar por várias vezes mais. Obviamente era alguém teimoso. Adiantou-se para tirar o fone do gancho. — Alô? — atendeu, contrariada com o tom hesitante de sua voz. Uma mulher independente devia ser forte, determinada. — Alô — respondeu-lhe a voz seca do marido. — John Paul... como conseguiu este número? — Agora, ela soara acusadora, mas não fora essa a intenção também. — Com Amy — declarou John Paul, um tanto irritado. Mary Anne franziu o cenho. Fizera a filha jurar que não daria o número a ele. Mas Amy tinha um bom coração e era impulsiva. Sem mencionar que estava determinada a conseguir uma reconciliação entre os pais. Que grande ironia! Ela chegou a soltar um riso, mas soou-lhe vazio. — Quer me contar a piada? — perguntou John Paul, irônico. Mary Anne não pôde dizer nada. Obviamente, não podia lhe expor sua angústia e incerteza. Mas todo esse pro­blema começara com a melhor das intenções, não fora? Estivera preocupada em relação aos anos de distancia­mento entre suas três filhas: Amy, Lauren e Maggie. Assim, alguns meses antes, elaborara o que lhe parecera o plano perfeito. Ela e John Paul fingiriam uma crise conjugal e, com certeza, isso daria às irmãs MCCALLISTER uma razão para se unirem... a meta em comum de fazer os pais se reconciliarem. Mas, de algum modo, o plano fora bem-sucedido demais. De repente, os problemas simulados no casamento acabaram se tornando dolorosamente reais. —  Mary Anne? — persistiu John Paul. Ela segurou o fone com mais força. —  Sim... Ainda estou aqui. Por que me ligou? —  Preciso de um motivo para telefonar para minha própria esposa? —  John Paul... — disse Mary Anne, num tom de aviso. Ouviu-o encobrindo um praguejamento do outro lado da li­nha antes de começar outra vez. —  Achei que você deveria saber que Lauren decidiu vir num vôo que sairá mais tarde. Só chegará depois das seis. —  Você irá buscá-la no aeroporto? —  Não. Amy quer ir. Mencionou algo sobre precisar de um bate-papo entre irmãs. Oh, sim, o plano para unir as filhas tinha funcionado. Desde que a coisa toda começara, essa já era a segunda vez que Lauren, a caçula, apanhava um avião em Connecticut para ir vê-los. A filha mais velha, Maggie, também chegaria de Nebraska na semana seguinte e se hospe­daria na casa de Amy. Maggie, Amy, Lauren... as três garotas MCCALLISTER, juntas outra vez em Hurricane Beach. — Pelo menos nossas filhas estão passando mais tempo juntas — murmurou Mary Anne, quase para si mesma. — Realizamos esse feito. — Acontece que as três estão com uma idéia maluca quanto a planejar uma festa de bodas de ouro para nós — resmungou John Paul. —  E o que o faz pensar que... —  Sei ler nas entrelinhas. E nossa filha Amy não é exatamente reservada. Ao que parece, essa festa se destinaria a nos convencer de que não deveríamos ati­rar cinqüenta anos pela janela. Mas não sou eu que estou precisando ser convencido disso, não é mesmo, Mary Anne? Se ao menos ela pudesse fazê-lo entender! Fingir que o casamento estava com problemas havia lhe despertado tanto ressentimento e amargura inesperados... Tantos sonhos enterrados haviam começado a atormentá-la. En­fim, confrontara a verdade: passara anos amando John Paul, mas também se curvando a ele, anulando-se, sendo complacente a tudo o que o marido quisesse ou desejasse. E soubera, com terrível clareza, que não poderia mais continuar assim. Apesar de seus medos quanto ao futuro, reconhecera um fato irrefutável: não podia mais ser a mulher que o marido queria que fosse. — Ouça — prosseguiu ele. — Teremos que conversar cedo ou tarde... sobre quanto a vendermos ou não a pro­priedade, por exemplo. Tornara-se uma questão bastante delicada entre ambos... aquela decisão quanto a venderem ou não a propriedade de frente para o mar para a construtora Silver Sands. —  Sei o que está realmente pensando — declarou Mary Anne calmamente. — Você acha que tudo o que tem a fazer é me convencer a ficar do seu lado. Quer que eu concorde com a venda... como sempre concordei com tudo. E, então, no que lhe diz respeito, todos os nossos pro­blemas estarão resolvidos. —  Achei que você estivesse feliz comigo, que tivesse tudo o que queria... —  E disto que preciso agora; um lugar que seja só meu, decisões próprias. —'Ela teve orgulho de si mesma por, enfim, falar com firmeza. Apesar da dor, da súbita solidão, precisava ficar longe do marido. Durante anos e anos, amara John Paul MCCALLISTER de todo seu coração... mas não podia mais ficar ao lado dele. Todo o fingimento cessara.
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