Capítulo 1
Meu nome é Julieta Lascano e eu tenho 20 aninhos. Minha mãe era muito fã de literatura e me deu o nome de sua personagem favorita. Já imaginam como eu cresci: rodeada por livros e histórias. Nada mais justo que essa ser a minha paixão também. Por isso me dedico à literatura e escolhi esse caminho como faculdade. Estou no primeiro ano do curso de Letras Literatura.
Por ironia do destino, a única obra que não me agrada é a que leva meu nome associado a um Romeu. Acho cafona esse tipo de amor adolescente que prefere a morte ao fim do relacionamento. Sempre me coloco no lugar da Julieta e penso em como seria levar aquele tipo de cantada. É claro que sei que a distância temporal entre o agora e o século XV influencia nesse meu pensamento e no ranço que tenho da obra.
Prefiro as obras com protagonismo feminino, com mulheres que lutam por seus objetivos (principalmente quando esse objetivo não é um homem) e que possuem como perspectiva de vida mais que um casamento.
É sexta-feira à noite e eu estou presa em casa terminando um artigo para a faculdade sobre Shakespeare e seu Romeu e Julieta. Toda vez que releio a obra fico assim reflexiva. Acho que a questão do nome sempre faz com que eu me sinta um pouco Julieta e me critique muito por me matar por um homem. É claro que eu levo em consideração que ela é uma garota de 13 anos vivendo seu primeiro amor. Mesmo assim, a crítica vem e eu não consigo evitar.
Meu telefone toca. É a Beatriz, minha amiga de infância, solicitando uma chamada de vídeo. Ela está em uma viagem à Roma. Atendo.
Chamada on:
- Sextou, amiga! – Bia cumprimenta com um sorriso de orelha à orelha.
- Sextei com um artigo enorme sobre Shakespeare. – respondo e mostro o notebook onde digitava o trabalho – Essa Julieta vai passar a sexta-feira com Romeu e Julieta!
- Julieta, pelo amor de Deus, você tem 20 anos! É fim de semana! Vai fazer alguma coisa de jovem! – ela exclama – Vai encontrar uns boys, vai pra uma balada, um barzinho, sei lá! Qualquer coisa, mas sai desse apartamento!
- Nada de boys! A faculdade vem em primeiro lugar!
Ela revira os olhos.
- Me mostra onde você está! – peço.
- Eu pensei em você assim que desci do táxi. – ela diz animada – Eu sei que você adora lugares históricos e amaria esse lugar. – ela vira a câmera do celular e faz um giro pelo lugar – Fontana Di Trevi.
- A famosa fonte dos desejos! – me empolgo – Dizem que essa é a única que realmente funciona. Se você jogar uma moeda, você volta a Roma; se jogar duas, encontra seu amor e se jogar três, se casa com ele.
- Adoraria ter três moedas. – Bia volta a usar a câmera frontal enquanto revira os bolsos do casaco.
- Procurando um amor, é? – rio.
- Eu já tenho... vários. – ela abre um largo sorriso – Será que os pedidos funcionam para terceiros?
- Eu não sei, acho que não funcionam nem para primeiros. – comento ainda rindo – É só folclore!
- Se eu tivesse três moedas, desejaria um amor para você. Será que funciona com notas? – ela tira uma nota de 5 euros do bolso.
- Eu acho que não funciona nem com moedas, muito menos com notas. – exclamo.
Uma senhora com um lenço azul envolto no pescoço e cobrindo a cabeça se aproxima dela. Ela diz algo que eu não consigo ouvir nem entender.
A Bia lhe entrega a nota e a mulher coloca algo em sua mão.
- Seu dia de sorte! – Bia exclama e exibe três moedas que parecem bastante antigas.
- Você deu 5 euros por três moedas? – pergunto incrédula.
- E elas nem parecem valer. – a Bia comenta rindo – Espero que funcionem na fonte.
Um relâmpago corta o céu e uma chuva fina começa a cair. Vejo que as pessoas começam a procurar abrigo. Menos a Bia. Ela tinha uma missão: me zoar jogando aquelas três moedas sem valor na fonte.
- Você precisa estar de costas e fechar os olhos. – entro na brincadeira já que não havia outra solução.
- Okay! – Bia concorda.
Como as pessoas estavam se afastando por conta da chuva, ela chega à fonte com facilidade, vira as costas, fecha os olhos e joga a primeira moeda.
- Eu desejo um Romeu para a Julieta. – ela exclama, depois joga a segunda moeda – Eu desejo um Romeu para Julieta! – e, por fim, a terceira – Eu desejo um Romeu para Julieta!
Mais um relâmpago corta o céu e o trovão o acompanha. A chuva engrossa e a Bia corre para se abrigar.
- Te ligo mais tarde. – ela diz ofegante pela corrida e desliga.
Ligação off.
As luzes de meu apartamento desligam.
Caminho até a sacada para ver se era apenas no meu apartamento a falta de energia. Assim que me debruço sobre o parapeito, a energia retorna.
Percebo que há um homem perto da portaria que eu poderia jurar que não estava ali segundos antes. Ele trajava um manto azul Royal com detalhes dourados e roupas de época.
Ele fixa seu olhar em mim. Retribuo o olhar, até que ele exclama em alto e bom tom.
- “Já amei antes? Não tenho certeza; Pois nunca havia eu visto tal beleza.”
Eu reconheceria aquele texto em qualquer lugar, principalmente porque eu havia acabado de ler essas palavras há poucos minutos: Romeu e Julieta, Ato I, Cena V.
O que um Romeu fazia embaixo da minha sacada? Nem nos meus sonhos, ou pesadelos, eu imaginaria que aquela cena cafoníssima da sacada aconteceria em minha vida.
Isso tinha tanto a cara da Beatriz, me desejar um Romeu na fonte dos desejos e mandar um homem vestido de Romeu para o meu apartamento.
- Oi, Romeu! – cumprimento com um riso irônico – Boa noite! Já fez seu show, já pode ir embora.
- Para onde irei, se meu destino eres tu, nobre donzela? – o homem exclama lá de baixo.
- Isso não é hora de ficar gritando da sacada! – um de meus vizinhos reclama.
- Boa noite! – respondo e caminho para dentro.
Fecho a porta e ligo para a Bia. Ela não atende. Continuo tentando ligar, mesmo que caia direto na caixa postal.
Ouço batidas vindas da sacada e tomo um susto. Era o homem que antes estava lá em baixo.
Eu morava no segundo andar. Como ele estava ali?
- Como subiu até aqui? – pergunto ainda do lado de dentro agradecendo imensamente por ter trancado a porta quando entrei.
- “Com as asas do amor saltei o muro, pois não há pedra que impeça o amor” – ele exclama.
Também era uma parte de Romeu e Julieta. Aquilo estava indo longe demais.
Finalmente a Bia me atende.
- Eu sabia que você era uma burguesa safada, mas não imaginei que fosse tanto! – exclamo assim que ela diz alô – Saiu muito caro para contratar ele?
Ela dá uma gargalhada.
- Eu não faço a menor ideia do que você tá falando. – a Bia responde – Não lembro de ter contratado ninguém.
- Estou falando do Romeu que você contratou para recitar partes de Romeu e Julieta na minha sacada! – respondo.
- Julieta, você está maluca? Eu não contratei ninguém!
- Então quem é o homem com roupas de época na minha sacada? Ele é um bom ator, não saiu do personagem nenhuma vez. O figurino é excelente também!
- Julieta, a menos que nos últimos 5 minutos você tenha ido até um bar e bebido todas, nada do que você está falando faz algum sentido para mim. – A Beatriz responde.
- Não se faz de desentendida agora. – argumento – Você desejou um Romeu para mim na fonte dos desejos; minutos depois, um homem vestido de Romeu e dizendo frases de Romeu escala a minha sacada e você quer que eu acredite que você não tem nada a ver com isso?
- Julieta, tem alguém na sua sacada? – a Bia pergunta assustada – Me diz que você não deixou ele entrar! Você está sozinha aí?
- Lógico que não deixei ele entrar! – exclamo – Ele escalou o prédio e está do lado de fora da minha sacada.
Olho na direção dele e o vejo colocando a mão na lâmpada da parede com um deslumbramento inocente. Era como se ele nunca tivesse visto uma lâmpada antes.
- Julieta, eu juro que não mandei ninguém pra sua casa. – a Beatriz parece preocupada – Não abre essa porta! Corre para um lugar seguro e chama a polícia!