Nathan e Café

1521 Palavras
Eu e o Nathan atravessamos o estacionamento da clínica lado a lado, como se tivéssemos voltado no tempo pra nossa época de faculdade, quando a gente simplesmente largava tudo e ia tomar um café sem nem pensar duas vezes. Hoje em dia a vida é mais corrida, mais cheia de responsabilidades… mas algumas coisas nunca mudam: o Nathan continua o mesmo canalh@ debochado, e eu continuo a pessoa que tenta, ao menos por esporte, colocar um pouco de sanidade naquele cérebro. Ele girou a chave do carro dele, mas logo travou de novo e olhou pra mim. — Vamos no seu — disse ele, jogando a mão no meu ombro. — O meu tá fedendo a academia. Esqueci minha roupa aqui dentro desde ontem. — Você é nojento — resmunguei, mas ri. — Tá bom, vamos no meu. A gente entrou no carro e seguimos pra cafeteria que sempre íamos na época da faculdade — aquela de fachada amarela, mesas de madeira e cheiro de grão moído na hora que fazia qualquer pessoa suspirar. Assim que estacionei, Nathan já tinha colocado óculos escuros, ajeitado o cabelo e preparado o modo “sedutor profissional” dele. — Você não se cansa? — perguntei, trancando o carro. — Cansar? Eu? — Ele ergueu as sobrancelhas. — Leonardo, meu consagrado, existe coisa mais bela nessa vida do que apreciar a estética feminina em sua liberdade transcendente? Revirei os olhos. — Você é impossível. — Não. Eu sou eficiente — sorriu, já passando a mão pela calça pra parecer que estava mais ajustada. — Agora vamos. Tem uma loira ali dentro que provavelmente vai me agradecer por ter acordado hoje. Entramos. A cafeteria estava tranquila, de tarde, aquela hora morta em que o mundo fica mais lento — só algumas pessoas estudando em notebooks, duas senhoras conversando perto da janela e o barulho suave da máquina de café. Eu sempre gostei daquele lugar, tinha uma coisa acolhedora, como se o tempo desse uma trégua pra quem entrasse ali. Nathan logo mirou o público, o que não era surpresa nenhuma. Ajeitou o relógio no pulso e deu aquele sorriso maroto. — Ali, ó — ele cochichou, cutucando meu braço com o cotovelo. — Mesa da direita. Cabelão castanho, óculos, lendo um livro. Pô, eu já amo essa mulher. — Você nem sabe o nome dela. — Nome é um detalhe que a vida resolve depois, meu irmão. — Você é ridículo — comentei rindo enquanto a atendente vinha até a gente. Pedimos dois cappuccinos, sentamos numa mesa mais no fundo, e Nathan não levou nem trinta segundos pra começar a falar da Manuela de novo. — Vamos ao que interessa — ele disse, cruzando os braços sobre a mesa, postura de reunião séria, embora metade da atenção dele estivesse flertando com a menina do livro. — Você gosta dela. Não era uma pergunta, era uma constatação descarada. Suspirei, mexendo no guardanapo. — Acho que sim… — dei de ombros. — É cedo, mas… estou gostando, tô mesmo. Ela é diferente, sabe? Tem uma energia… sei lá. É leve, mas intensa. Ela te olha como se estivesse vendo tudo ao mesmo tempo. Nathan fez uma cara exagerada de quem ouviu poesia barata. — Nossa, Shakespeare. Vou até pedir um chocolate quente pra acompanhar essa declaração. — Vai se ferrar — ri. — Eu tô falando sério, Leo — ele inclinou o corpo pra frente. — É bom te ver assim. Você fica bobo, mas um bobo bonito. Revirei os olhos, mas o sorriso escapou. — i****a. — i****a, mas certo. Agora… — ele estalou os dedos — deixa eu revisitar o assunto mais importante do seu dia: o jantar na casa dela. Só disso, meu estômago deu aquele friozinho. — Cara, eu não sei o que ela espera — confessei. — Ela me chamou pra jantar lá… isso significa alguma coisa? Ou é só… educação? Nathan bateu na mesa. — Educação é o caramba, Leonardo! Jantar na casa dela? Mulher que chama o cara pra jantar na casa dela é porque quer que ele veja onde ela dorme! Quer que ele entre no território, que ele toque nos objetos, nos livros, nas almofadas… mano, isso é um convite poético pra transarrr. — Nossa, Nathan — gargalhei. — Você inventa umas teorias… — Não invento! Eu estudo! — Ele levantou o dedo como se fosse uma aula. — Isso aí tá no livro universal das mulheres independentes, capítulo oito: “como chamar o homem discretamente pra ver se ele sabe usar um fogão e beijar bem”. — Realmente, você não presta — falei, ainda rindo. — Mas eu sou realista — ele abriu um sorriso. — E tem mais. Ela te beijou ontem. Minha mente até voltou pra cena — aquele beijo inesperado, doce, firme, que desmontou qualquer defesa minha. Senti até o rosto esquentar só de lembrar. — Foi… foi um ótimo beijo — admiti, passando a mão pela nuca. — Me pegou desprevenido, mas… cara… foi bom. Nathan comemorou como se tivesse marcado um gol. — Tá vendo? Eu falei! Essa mulher é surreal. E você… você tá finalmente soltando o coração daquele freezer emocional que você instalou depois de tudo. — Ah, agora vai começar? — Claro que vou, pô! Eu sou seu melhor amigo. É meu papel te zoar até você morrer. Eu ri, recostando na cadeira. De repente, Nathan fez uma cara suspeita. — Ah! Antes que eu esqueça… — Lá vem. — Pelo que eu vi quando investiguei ela, não tem mesmo o que se preocupar, ela é uma mulher incrível. Forte, independente, inteligente. Não tem nada de estranho na vida dela. Só uma vida… real, sabe? Aquilo me deu um certo conforto, ainda que eu soubesse que as atitudes do Nathan eram completamente fora de qualquer limite normal. — Você é louco — repeti. — Mas sou leal — ele rebateu, batendo no peito com orgulho. — E eu quero que você seja feliz. E se essa mulher te faz sorrir assim… vai fundo, na história e nela também, se é que me entende. Hoje no jantar, tenta ser você mesmo. Ela já gosta de você, isso tá estampado. — Como você sabe? Ele arqueou a sobrancelha. — Leo… mulher não convida homem pra jantar na casa dela à toa. E não beija se não quiser repetir. Só… presta atenção nos sinais. — Você acha mesmo que eu deveria… sei lá… tentar alguma coisa? — Eu acho que você deveria deixar a noite fluir — ele respondeu, num raro momento de sensatez. — Se rolar de vocês dormirem juntos… ótimo. Se não rolar… ótimo também. Mas cara, vai preparado. Vai com intenção. Querendo. Porque ela quer você, isso tá claro até pra aquele cara ali atrás que tá usando um crocs laranja. Eu gargalhei alto. Nathan continuou: — Só não faz aquela sua pose de médico sério, que parece que você saiu de um anúncio de seguro de vida. Mulheres gostam de você quando você relaxa. — Ah, pronto. — É sério! Na vibe de ontem, se ela te beijou, você tava perfeito. Talvez meio nervoso, mas charmoso, divertido… ela notou isso. Confia em mim. Peguei a xícara, bebendo o resto do cappuccino, respirando fundo. — Tá. Vou tentar… ser eu. Do jeito que foi ontem. — Isso. — Ele bateu na mesa. — E outra… leva vinho. Mulheres amam vinho. — Nathan, eu não vou levar vinho na casa dela no segundo encontro. — Leonardo. — Ele me encarou, sério. — Você tá saindo com uma mulher madura, independente e sofisticada. Se tu chegar lá com a mão abanando, ela vai te olhar como se você fosse um adolescente que apareceu na casa da crush sem avisar a mãe. — Você tá inventando essas regras. — Todas as boas regras são inventadas. Suspirei. — Eu vou pensar. — Pense rápido — ele piscou. — A noite chega, príncipe encantado. De repente, a garota do livro levantou o olhar e sorriu pra Nathan. Ele inflou o peito. — Viu? Eu tenho magnetismo natural. — Isso se chama ilusão. — Não. Isso se chama talento. Ficamos ali por mais de uma hora, rindo, conversando sobre tudo, sobre nada, sobre coisas idiotas, sobre coisas profundas. Nathan fazia comentários descarados para qualquer mulher que passasse — e todas riam, porque ele tinha um poder irritante de ser engraçado mesmo quando tava sendo absurdo. Mas, no fundo, eu sabia: ele tava feliz por mim. E era bom ter alguém na torcida. Quando finalmente levantamos pra ir embora, ele bateu na minha costa. — Prepare-se, Leonardo. Hoje é o dia. — Para com isso, velho. — Não paro. Já vou te mandar mensagem depois da meia-noite perguntando se preciso comprar cigarro pra você fingir que fuma, depois de fazer sex0. — Cala a boca, Nathan! — Hahaha! Eu te amo, seu i****a. Vai ser lindo. Vai fundo. Saímos juntos da cafeteria, ainda rindo, e aquela sensação boa voltou — aquela mistura de ansiedade e esperança que fazia meu peito ficar quente. Era isso. A noite ia ser importante. E eu m*l podia esperar.
Leitura gratuita para novos usuários
Digitalize para baixar o aplicativo
Facebookexpand_more
  • author-avatar
    Escritor
  • chap_listÍndice
  • likeADICIONAR