Capítulo 6 - Feridas

2000 Palavras
O capitão agora se encontrava na sala do coronel apresentando o relatório da missão de pé em frente a mesa do seu superior. - Ótimo. Eu sabia que Kappel seria uma ótima adição à Omni. O velhote deu uma risada rouca após ouvir a maneira como a maioria dos traficantes havia sido eliminada. - O senhor já a conhecia antes, coronel? Mesmo com seu ego querendo mantê-lo calado, a curiosidade de saber mais sobre a origem daquela mulher o fez questionar. Havia visto ela matar mais de quinze homens com duas facas e depois pagar duzentas flexões na neve sem nem mesmo pestanejar. Aquela mulher não tinha nada de comum. Mas isso não significava que ele a admirava ou coisa do tipo, apenas queria saber do que era feita. De como poderia dobrá-la se necessário. - O pai dela serviu comigo, ele gostava de usar facas no combate. O velho coronel resumiu em poucas palavras passando a mão por seu bigode grisalho levemente amarelado, já dispensando o capitão que ainda buscava por respostas sobre a mais nova adição ao seu time. Marie POV Suspirei ao sentir a água quente escorrer pelo meu corpo e grunhi ao que ela atingiu os nós doloridos de meus dedos. Todo o sangue alheio que ainda estava grudado na pele de meu rosto ou de minhas mãos escorrendo junto com a espuma do sabonete e a água aquecida. De olhos fechados e tentando manter uma respiração compassada eu me deixei ser esquentada enquanto também tentava manter meus pensamentos sob controle. Fazia um certo tempo desde minha última missão então a adrenalina ainda estava muito latente enquanto eu pagava as flexões, mas agora meu corpo havia esfriado e a dor em meus braços parecia demais para eu aguentar. Minhas mãos estavam queimadas pelo frio e tinham uma coloração vermelha preocupante, enquanto a ponta dos dedos estava esbranquiçada. Ao longo do dia eu tentei aquecer minhas mãos de diversas formas também tentando me manter o mais longe daquele homem odioso que tinha como capitão possível, mas não consegui fazer nenhuma das duas coisas. Então, prestando continência para o capitão que agora estava em minha frente bebericando um café tão escuro quanto os seus olhos, eu respirei fundo ao perceber que ele não havia me dado a ordem de descansar. Desgraçado... Ainda com a mão grudada na minha têmpora direita, permaneci em posição de sentido. - Permissão para me retirar temporariamente, senhor. Pedi sobriamente. Estava tentando o meu máximo para respeitá-lo, ou tentar. - Permissão negada. Mesmo sem saber do que se tratava ele negou, retirando os olhos do que lia nos papéis em sua frente e eu continuava em minha missão de me manter calma. - Preciso de assistência médica, senhor. Respondi ainda firme e ele estreitou os olhos como se me perguntasse o motivo. - Minhas mãos estão queimadas pelo frio, senhor. Ouvindo minha resposta ele deu uma gargalhada sarcástica fazendo a cicatriz em seus lábios parecer apenas um risquinho efêmero perto da grandiosidade daquele sorriso perfeito. - Patético, Kappel. Aprenda a lidar com as consequências de seus atos. Permissão negada. Repetiu voltando a ler e beber seu café, então eu engoli meu orgulho vendo que existiam outros soldados naquela área comum que observavam meu comportamento. - Sim, senhor. Permissão para me retirar. Pedi baixinho e ele apenas acenou com uma de suas mãos sem interesse. Estaria mentindo se dissesse que não estava frustrada ou não esperava um pouco de humanidade que fosse vinda daquele cara, mas também não me deixei desabar. Apenas coloquei luvas mais grossas em minhas mãos e voltei ao meu serviço. Narradora POV Pelo restante do dia, os treinamentos continuaram normalmente, e por terem tido uma missão mais cedo, a equipe Omni foi liberada antes da maioria, o que foi um alívio. Tanto para Marie quanto para os outros. Eles conversavam animados durante o horário da janta e falavam sobre o desempenho fantástico da tenente com facas e armas ou como ela foi incrível e durona fazendo aquelas flexões na neve. Contudo, Marie ainda tentava lidar com suas mãos queimadas pelo frio, tendo dificuldade de segurar nos talheres por causa da dormência. - Hey, Marie... tá tudo bem? Damon foi o primeiro a perceber quando viu a colher de sopa caindo pela terceira vez da mão dela e todos - exceto Dimitri - pararam de conversar e comer para observar a única mulher na mesa. - Estou sim... eu só... Ela tentou novamente pegar na colher, mas seus dedos estavam dormentes demais para isso, então Carlo interveio pegando o pulso dela e tirando uma das luvas que ela usava. - Mas che cazzo aconteceu com sua mão?! O italiano perguntou assustado ao ver a palma da mão de Marie tomando uma cor arroxeada enquanto os dedos estavam em um amarelo acinzentado. A garota levou um susto ao perceber a proporção que aquilo havia tomado mesmo depois de tanto tempo tentando aquecer aquela região. - p***a, isso precisa de um médico urgente! Damon disse se levantando e puxando Marie para fora do refeitório junto com Ravi enquanto Carlo permanecia chocado olhando para onde eles haviam saído, agora junto de Dimitri. - Viu aquilo? Eu nunca havia visto queimaduras de frio tão feias! O loiro comentou com o capitão enquanto voltava a comer e Dimitri permaneceu com os olhos fixos na porta do refeitório. Marie POV Em todos esses anos no militarismo, eu havia sofrido dezenas de ferimentos diferentes. Desde os cortes mais efêmeros à ferimentos de bala. Sentir dor física e emocional era a minha praia, eu estava plenamente acostumada com isso. Claro que eu não me acostumei com a dor do dia para a noite, foram necessários anos de noites chorando e muitos band-aids, mas eu finalmente alcancei o que parecia ser a perfeição nessa área. Contudo, ao sentir minhas mãos dormentes a ponto de não conseguir reconhecer a textura do que estava sob meus dedos me deixou mais do que preocupada, eu estava em pânico. E correndo com Damon e Ravi até a ala médica, eu percebi que não era a única preocupada comigo alí. Algo que também era novo em minha perspectiva, e que com certeza ficaria gravado na minha memória. Meus pais não costumavam se preocupar muito com meus ferimentos ou nem mesmo se davam ao trabalho de erguer os olhos do que faziam para vê-los. Me lembro claramente de um dia em que eu havia ralado meu joelho em uma das atividades da escola militar e tive que eu mesma fazer meu curativo sem ter o direito de chorar como uma criança normal. Eu tinha apenas seis anos. Por isso um sentimento diferente brotou em meu coração ao que meus colegas de equipe me ajudaram a achar um médico que pudesse cuidar de minhas mãos. E depois de invadirmos a ala médica causando um estardalhaço, finalmente encontramos o médico que estava de plantão naquele dia. Um senhorzinho muito simpático, por sinal. - Você está com sorte, tenente. Se tivesse ficado mais dez minutos com suas mãos em contato com o gelo, teria perdido seus dedos. Escutei o médico dizer enquanto apalpava com cuidado a palma de minhas mãos e eu grunhi com a sensação angustiante. Ao mesmo tempo que havia uma dormência estranha, também sentia uma dor aguda e constante em meus dedos e mãos. - Fique com as mãos mergulhadas em água morna por vinte minutos e depois faça compressas quentes até que a dormência melhore. Me explicando com calma e pegando algo em sua gaveta que se parecia com um bloquinho, enquanto escrevia ele ainda analisava minhas mãos com cuidado. - Vou pedir uma dispensa para você pelo dia de amanhã. Nem pense em usar as mãos para nada! O senhorzinho disse sério e eu alternei meu olhar para Ravi que estava ao meu lado, parecendo tão preocupado quanto eu. - Não existe outra maneira? Sabe eu acabei de chegar e meu superior vai ficar uma fera, sabe como é... Tentei convencer o médico a não me dar aquela licença e me ajudar a me recuperar mais rápido, assim não teria problemas com o capitão Zervas, mas claramente o médico não gostou nada daquela ideia. - Mocinha, eu já vi dezenas de casos como o seu onde as pessoas tiveram que amputar o m****o queimado. Você não quer isso, quer? Ele disse olhando bem dentro dos meus olhos. [...] - E aí, como foi lá? O que ele disse? Carlo perguntou assim que chegamos em nosso dormitório e eu olhei em volta percebendo que o capitão ainda não havia chegado. E suspirando aliviada eu me sentei em minha cama enquanto Ravi e Damon carregavam, um uma compressa de água quente e o outro um recipiente com água morna. Depois de Damon explicar o ocorrido a Carlo e ele ficar com a mesma expressão de desesperança que nós, ele e Carlo entraram em uma discussão do porque eles esquentaram a compressa e a água ao mesmo tempo se eu não iria usar as duas ao mesmo tempo. E enquanto eles dois ainda discutiam, Ravi se aproximou de mim enquanto eu ainda estava com minhas mãos submersas na água morna. Ele pediu permissão para se sentar ao meu lado e eu apenas afirmei esperando para escutar o que ele tinha a me dizer, mesmo tendo uma vaga ideia do que ele me diria com aquela carinha de cachorro que caiu da mudança. - Me desculpe, tenente... se eu tivesse insistido com o capitão, eu...- Antes mesmo de ele terminar a frase que eu sabia bem onde iria parar, eu o interrompi fazendo o meu melhor para sorrir mesmo não sendo muito acostumada com aquele tipo de conversa. - Você fez o certo, Ayaan. Suas mãozinhas de princesa não aguentariam o tranco. Tentei amenizar o clima pesado fazendo ele rir e me senti um pouco melhor ao ver que deu certo, já que ele soltou uma risadinha olhando para as próprias mãos. - Acho que tem razão... Vi o rosto dele tomar um tom avermelhado interessante em sua pele de cor bem mais escura que a minha. Ravi era definitivamente um homem bonito por assim dizer. Ele tinha dentes branquinhos e retos, uma pele imaculada em um tom quase dourado e seus cabelos eram grossos e lisos. Seus traços eram suaves e ele tinha um rosto confiável, o rosto de alguém que você facilmente se torna amigo em uma balada às quatro da manhã com a cabeça tonta de gin e tequila. Sem contar com sua personalidade amável e tranquila, ele era quase como um cachorrinho fofo. - Acho que tá rolando, hein. A voz de Damon calou meus pensamentos, me fazendo perceber que ele e Carlo haviam parado de brigar fazia um bom tempo e eles nos observavam conversar com um sorriso pretensioso. Revirei meus olhos e soltei um risinho sem graça. - Era só o que me faltava. Falei tirando as mãos da água já um pouco fria e arrancando a compressa não tão quente das mãos de Carlo que nos encarava com os olhos cerrados. - O amor é lindo, não é? Só fico triste porque estou de vela. Dramatizou o italiano jogando seus cabelos loiros para trás e olhando para o moreno ao seu lado, então eu bufei. - Dá pra parar com isso? Vocês estão deixando o pobre coitado com vergonha. Apontei para Ravi ao meu lado que parecia bem envergonhado, ao ponto de nem nos encarar nos olhos. Então Damon se levantou colocando as mãos na cintura. - Isso só quer dizer que ele gosta de você! Não é uma boa coisa?! Zombou batendo nos ombros de Ravi que se encolheu e levantou da cama rindo sem graça. - Quem gosta de uma pessoa em apenas dois dias? Eu só estava conversando. Ravi se defendeu voltando para o que fazia antes sentado na escrivaninha, então tanto Carlo quanto Damon me encararam. - O que foi? Nem vem com esse papo. Fiz cara feia e eles trocaram olhares como os verdadeiros cúmplices que eram.
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