Capítulo 4

1132 Palavras
 LIA Existem dias em que eu acordo e sinto que o universo está de mãos dadas com o destino, gargalhando da minha cara. Hoje foi exatamente assim. Eu acordei atrasada. Claro. Perdi o ônibus. Óbvio. E pra completar o pacote de humilhação: o pneu da bicicleta do meu irmão estava furado. Perfeito. Então lá estava eu, andando pela rua com minha mochila pesada, parecendo uma tartaruga deprimida indo para o sacrifício. E quando finalmente chego na escola, suada, cansada e me sentindo um pão amassado… Noah está lá. Encostado no portão. De braços cruzados. Me esperando. — Você tá atrasada — ele diz, como se fosse a coisa mais óbvia do mundo. — JURA? — respondo, descabelada. — Eu pensei que estivesse chegando mais cedo pra aula de amanhã. Ele me olha de cima a baixo, devagar, com aquele sorriso torto que não ajuda em absolutamente NADA pro meu estado emocional. — Quer que eu finja que você está apresentável, ou que eu diga a verdade? — Eu quero que você EXPLODA. — Hum. Brava. Isso vai ser divertido. Eu empurro o ombro dele quando passo. Ele ri. E eu quero socar e abraçar ele ao mesmo tempo. Que inferno. ********* Eu realmente não posso andar em chão liso A primeira aula era Educação Física. Pensa em algo que me irrita? É Isso. Enquanto todo mundo se alongava, eu tentava sobreviver. Mas o problema real começou quando o professor decidiu fazer uma atividade de corrida com obstáculos. Sim. Obstáculos. A pior palavra do dicionário pra mim. — Lia, só pula — o professor disse. — Só pula — imitei mentalmente. — Como se meu corpo entendesse ordens simples. Noah estava ao meu lado, já preparado pra rir da minha futura tragédia. — Vai, Lia, você consegue — ele incentivou. — Para de torcer pela minha morte acidental. — Eu tô torcendo pra sua… superação. — Isso não tem NADA a ver com—AAAAH! Eu pulei o primeiro obstáculo. Legal. Aí pisei torto no segundo. Aí escorreguei no terceiro. E, no quarto… Eu literalmente voei. Mas não foi um voo elegante. Foi um “vou morrer” com braços abanando e cara de desespero. Eu fechei os olhos esperando o impacto. Mas o que me amorteceu foi… Noah. Ele me segurou pelos braços, firme, como se já soubesse que isso ia acontecer. — Eu devia começar a te cobrar por isso — ele disse, segurando a risada. — Me solta. — Eu vou, mas você vai cair. — Eu NÃO— — Lia, seu pé está pendurado na barra. — …Ok, talvez eu vá. Ele me colocou de pé com calma. E quando nossos rostos ficaram perto demais, perto o suficiente para eu sentir a respiração dele… Eu estremeci. E por UM segundo, Noah não riu. Ele só me olhou. Um olhar que eu não entendi. Um olhar que eu não quero entender. Eu me afastei antes que fosse tarde. ******* Depois do fiasco atlético, fui para a cantina comprar um café. Eu estava absolutamente precisando de cafeína pra sobreviver ao resto da manhã. Mas o universo não iria me deixar em paz. Na fila da cantina, estava ele. O garoto novo. Alto, cabelo bagunçado, sorriso de “sou simpático e aparentemente normal”. Ele se virou e sorriu pra mim. — Oi! Você é a Lia, né? — Sou… eu acho. — Sou o Theo. A gente tá na mesma aula de literatura. Meu cérebro desligou por dois segundos. Ele era educado. E bonito. E educado. Eu já disse que ele era educado? — Ah, oi! — respondi, tentando parecer menos i****a. — Você tá gostando da escola? — Estou bastante. Principalmente… das pessoas daqui. Ok. Isso soou flerte. Flerte direto. Comigo. Isso não acontece. Não comigo. — Aham — murmurou alguém atrás de mim. — Interessante. Eu congelei. E virei devagar. Noah. Com cara de nada. Mas olhar de muita coisa. — Bom dia, Noah — o Theo cumprimentou. — Bom dia — ele respondeu sem desviar os olhos de mim. Ótimo. Maravilhoso. Tensão nível novela mexicana. Saí com meu café — que eu derramei um pouco na minha roupa, óbvio — e fui andando até a escada que leva para o pátio. Theo veio do meu lado. — Você sempre é assim… espontânea? — Isso é um elogio ou um aviso? Ele riu. — Um pouco dos dois. — Ótimo. Muito motivador. E então: — Se quiser, posso te ajudar no trabalho de literatura depois. — Ah, claro! Pode ser. E foi aí que o clima mudou totalmente. Porque atrás de nós, ouvindo cada palavra… Noah veio caminhando, silencioso, mas com os olhos lançando lasers. ********* Na hora do intervalo maior, Noah puxou minha mochila. — O que foi? — perguntei. — Você vai fazer trabalho com o Theo agora? — O de literatura? Claro. — Por quê? — Porque… ele ofereceu ajuda. — Lia, você NUNCA aceita ajuda de ninguém na escola. — Pois é, mas dessa vez aceitei. — Por quê? — ele repetiu, com a voz mais baixa. Meu coração deu uma batida mais forte. Eu não gosto quando o Noah usa esse tom. É íntimo demais. Pessoal demais. Direto demais. — Porque ele é legal — respondi. A expressão dele mudou. Um segundo. Só um segundo. Mas mudou. Os olhos ficaram mais escuros. O maxilar apertou. — Legal — ele repetiu, como se fosse a pior palavra do mundo. — Noah, não começa. — Eu só tô dizendo. — Não tá dizendo. Você está implicando. — Tô mesmo. Pausa. — Por quê? — perguntei. — Porque eu posso — ele respondeu sem hesitar. Eu senti o estômago cair. Arder. Tremer. Eu fiquei muda. E o pior é que ele percebeu. — E porque — ele completou, dando um passo mais perto — você não vê as coisas certas, Lia. — Como assim? — minha voz saiu mais fraca do que eu gostaria. — Nada — ele disse, desviando o olhar, irritado consigo mesmo. — Esquece. E se afastou. Deixando minha cabeça girar. Eu fiquei ali parada, segurando o corrimão da escada, tentando entender o que tinha acabado de acontecer. E percebi algo muito perigoso: *Ele não gostou do Theo falando comigo. *Ele não gostou de eu aceitar ajuda. *Ele não gostou da ideia de eu passar tempo com outro garoto. E aquilo não era só amizade. Aquilo tinha outro nome. Mas eu não estava pronta pra dizer em voz alta. ******** Quando cheguei em casa, fechei a porta e encostei as costas nela. Respirei fundo. Meus pensamentos? Um caos total. Theo foi simpático. Legal. Educado. Mas Noah… Noah me confundia de um jeito que ninguém mais no mundo conseguia. E o pior?  Eu não sabia se queria fugir dele… ou correr na direção dele.
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