CAPÍTULO 1🌊

1081 Palavras
Lia O tempo não foi tão justo comigo. Mas quando é que ele é nem? Principalmente quando sou eu quem está tentando fazer alguma coisa dar certo. Quer dizer… seria ótimo viver como aquelas pessoas que sempre acordam arrumadas, sempre dizem a coisa certa na hora certa, sempre recebem notícias boas e nunca tropeçam na própria sombra. Infelizmente, eu sou o oposto disso. Eu tropeço, esbarro, me embaraço inteira e ainda sou obrigada a sorrir porque, bom, é assim que a vida funciona, e aparentemente o universo acha engraçado brincar com a minha cara. Naquela manhã, eu só queria paz. Só isso. Uma manhã tranquila, sem drama, sem confusão, sem caos. Mas é óbvio que isso não aconteceu. Eu estava sentada na minha cama, ainda de pijama, quando ouvi a campainha tocar. Não uma vez. Não duas. Mas três, como se a pessoa do outro lado quisesse derrubar a porta com o dedo, de tanto que batia nela. — Já vai! — gritei, mais para a casa inteira do que para a porta. Levantei correndo, bati o joelho na quina da escrivaninha, quase tropecei no tapete, e quando finalmente cheguei à porta… lá estava ele. Noah Santiago. Meu melhor amigo desde sempre. O problema e a solução de metade dos meus dias. E, no momento, o último rosto que eu queria ver. Ele estava parado ali, ainda ofegante, como se ele tivesse corrido, e é claro que ele correu nem — Noah sempre aparece correndo, com o cabelo bagunçado e aquela expressão de “Lia, a gente precisa conversar”, que me dá ansiedade só de olhar para ele. — Oi — ele disse. E foi isso. Só um “oi”. Como se aquele “oi” não carregasse três dias de silêncio, uma discussão estúpida e um peso em meu peito que eu fingia não sentir. Cruzei os braços, tentando parecer firme, mas minha voz saiu mais fraca do que eu pretendia: — Oi. Respondi Por um momento, ficamos só nos encarando, como se o ar entre nós tivesse ficado pesado. Ele passou a mão no cabelo — um gesto típico dele quando estava nervoso — e deu um sorriso e suspirou longo. — Precisamos conversar — ele disse finalmente. — Sobre o quê exatamente? — respondi, embora soubesse exatamente sobre o quê. Ele ergueu as sobrancelhas, meio indignado, meio cansado. — Você sabe sobre o quê. Eu sabia. Claro que eu sabia. Mas eu não ia facilitar para ele. — Não faço ideia — menti descaradamente. Ele deu aquele sorriso torto, o mesmo que me irrita e me derrete ao mesmo tempo. — Lia… por favor. E foi isso. Um “por favor” e meu peito já estava doendo. Porque desde que a gente discutiu — sem um motivo real, como sempre a casa parecia mais silenciosa, as coisas pareciam mais estranhas, e o mundo mais… desalinhado. Como se uma parte de mim estivesse faltando. Mas eu não podia dizer isso, então fiz o que eu sempre faço: fingi que estava tudo bem. — Entra — murmurei, abrindo a porta. Noah passou por mim e, como se fosse a coisa mais normal do mundo, caminhou pelo corredor da minha casa como se morasse ali. O que, tecnicamente, não é mentira — ele cresceu aqui tanto quanto eu. Ele parou na sala, virou para mim e cruzou os braços, estando na mesma postura de antes. Ótimo. Dois idiotas orgulhosos frente a frente. — Então… — ele começou. — Então… — repeti. Silêncio. Um daqueles silêncios que deixam tudo mais constrangedor do que deveria. Noah respirou fundo e soltou de uma vez: — Eu não gostei do que aconteceu. — Nem eu — respondi. Isso era verdade. — Você saiu no meio da conversa. — Você começou a gritar! — Eu não gritei! — Gritou, sim! — devolvi, ficando mais irritada do que gostaria. E então, pronto. Estávamos discutindo de novo. Pelo nada. Por absolutamente nada. — Você sempre leva tudo para o lado errado — Noah reclamou. — E você sempre acha que sabe o que eu penso! — retruquei. — Porque eu te conheço! — Mas às vezes não conhece! Ele parou. Eu parei. As palavras ficaram penduradas no ar, pesadas demais. Noah engoliu em seco. — Lia… — disse baixinho — eu só queria ajudar. — Mas eu não te pedi ajuda — respondi, com a voz falhando. Os olhos dele suavizaram, e por um segundo eu quase desabei. Porque Noah era assim: ele falava pouco, mas quando falava daquele jeito… parecia que o mundo inteiro parava. — Você nunca pede ajuda— disse ele, e eu senti o golpe direto no meu coração. O silêncio voltou. Mas dessa vez não era constrangedor. Era dolorido. Ele deu um passo na minha direção. — Eu senti sua falta — disse, baixinho, quase num sussurro. — Esses três dias… foram horríveis. Aquilo me pegou de jeito. Meu peito apertou, minha garganta fechou, e tudo que eu queria fazer era me jogar nele e dizer “eu também senti sua falta”. Mas eu não fiz isso. Porque eu sou eu. E eu tenho a capacidade emocional de uma pedra. Então eu disse: — Eu também. Quer dizer… um pouco. Ele riu. Aquele riso leve, suave, que sempre me desmonta. — Um pouco, é? — provocou. — Não se empolga — retruquei, mas meu sorriso já estava escapando. Noah deu mais um passo, ficando perto demais, perto o suficiente para eu sentir o cheiro do perfume dele, aquele cheiro que me perseguia até nos meus sonhos mas loucos. — A gente é i****a, né? — ele murmurou. Eu soltei uma risada curta. — Completamente. E naquele instante, algo mudou. A distância entre nós diminuiu, as emoções ficaram mais claras, e por um segundo eu acreditei que ele iria me abraçar. Ou talvez… Que eu fosse deixar. Mas então, BAM! O vaso em cima da estante caiu no chão, estilhaçando num barulho enorme. Eu pulei para trás. Ele arregalou os olhos. — Eu não toquei em nada! — Noah se defendeu imediatamente. — Aham, claro! — respondi, rindo pela primeira vez em dias. E assim, entre cacos de porcelana, discussões idiotas e sorrisos involuntários, percebi que… Mesmo quando tudo dá errado, mesmo quando a gente briga, mesmo quando o mundo parece um caos… Noah sempre foi, e ainda era, o meu porto seguro. Mesmo que eu fingisse que não, ele é a minha melhor parte do dia.
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