Assim como todos os outros dias da semana, Dani e Isa tomavam café da manhã juntas no botequim que ficava pertinho do escritório onde trabalhavam. Raramente, Pedro matava aula e as encontrava por lá.
- O que você e o Pedro ficaram fazendo até tarde? Nem te vi ir dormir... - Isa perguntou tentando fingir uma completa indiferença e se escondendo nas lentes do óculos escuro
- Nada demais, só conversando besteiras mesmo...até o momento que ele me beijou - Dani falou despretensiosamente, como se fosse algo normal
Isa não respondeu. Respirou e prendeu o ar junto com as lágrimas que pareciam surgir sem motivo, em seus olhos. Guardou a indignação que parecia crescer sem motivos em seu peito e fez um enorme esforço para não gritar e xingar tudo e todos.
- Como assim? Vocês estão juntos? - Isa fez uma cara de quem não estava espantada
- Tá louca? Ele tem namorada! É apaixonado por ela e eu não gosto de homens! Eu hein...me tira dessa... - Dani respondeu sem perceber a mudança e o enrijecimento do corpo de Isa
- Então...qual foi?
- A gente tava cansado, eu fui dar um beijo na testa dele de boa noite e ele me deu um estalinhos, não foi grande coisa não...
A desimportância de Dani com o caso fez Isa ficar um pouco mais tranquila, ou completamente atordoada. Ela não conseguia entender porque tinha se sentido tão irritada com a situação. Ela não era nada de Dani e sabia de todas as traições dela com a namorada também não tinha nada com Pedro e por mais que gostasse da namorada dele, não era tanto assim. Porque ela ficou tão irritada e tão incomodada com um beijo que aprecia ser despretensioso?
A segunda no escritório começava igual a todas as outras. Dani e Isa dividiam um dos lados da enorme mesa que ocupava a sala toda. Pedro, que só chegava a tarde, sentava de frente para uma delas e as duas cabeceiras eram ocupadas por Carlinhos e Tamires, que completavam a equipe responsável pela campanha política no Rio.
Já passavam das 11 e o trabalho estava em um ritmo cada vez mais frenético. Elas tinham ficado até agora respondendo emails e enviando as novas instruções acertadas com Ed no fim de semana para o resto da equipe, que trabalhava de casa. Ali funcionava uma espécie de quartel general de tudo que era feito. Dani e Isa eram apaixonadas por aquela sensação de serem as pessoas responsáveis por iniciar uma ação e depois vê-la crescendo e se tornando maior do que qualquer outra coisa. Era instigante, estressante, mas também era uma injeção de adrenalina diária.
Café ou almoço?
A fome começava a voltar e Dani perguntou para Isa através do chat que usavam para conversar. Ou elas tomariam um café na cozinha do escritório ou já saíram para almoçar.
O que você prefere?
Isa respondeu deixando a escolha nas mãos da amiga.
Café, assim almoçamos mais tarde e não precisamos lanchar. Que tal?
Sem responder, Isa levantou e foi se encaminhando para a cozinha. Dani entendeu o recado, abaixou a tela do computador e seguiu atrás da amiga. No corredor, do lado de fora da sala, Isa esperava Dani chegar encostada na parede em frente a porta. Estava com o olhar baixo e não conseguia parar de pensar naquele beijo que Pedro tinha dado em Dani.
- O que houve? - Dani perguntou assim que bateu a porta atrás de si
- Cabeça longe...
- Pensando em que?
- Nada demais... - Isa começou a andar em direção à cozinha
- Pensando em mim por acaso? - Dani riu e se divertiu com a própria brincadeira.
Isa não respondeu, porque era verdade. Estava com raiva por causa do beijo, mas também com uma pontada de inveja de Pedro, que teve a coragem que ela ainda não teve. Riu de lado para Dani e chegaram na cozinha a tempo de morrer o assunto e não precisarem mais falar disso.
A garrafa com o líquido preto salvador das manhã intermináveis ficava bem abaixo do microondas e com os copos plásticos do lado. Mas Isa e Dani tinham comprado uma xícara especial para elas. Eram bem simples e só as cores as diferenciavam. Isa abriu o armário, pegou a de Dani e entregou para ela pegar seu café sem açúcar enquanto ela colocava algumas gotas de adoçante antes de colocar o café.
A proximidade delas na cozinha pequena era normal, mas naquela manhã Isa não conseguiu deixar de reparar no pescoço fino e na pele branca de Dani. Ela estava esticada em sua frente colocando mais café e o cheiro forte do grão se misturava ao perfume masculino que Dani usava. Era um perfume bom e com vontade, era um cheiro que dominava o lugar e fazia todo mundo saber quem era a dona dele. Era exatamente como Dani era, dona de onde quer que ela estivesse. Por vezes, parecia dona do mundo.
Uma única coisa era certa: ela era dona de todos os pensamentos de Isa.