Capítulo 4

826 Palavras
Rafael Calderon odiava ser surpreendido. Especialmente por uma aluna. Ele lia as provas com o rigor de um juiz diante de réus medíocres. A maioria copiava conceitos de apostilas ou tentava impressionar com frases vazias. Esperava o mesmo da “srta. Alicia” — a ruiva de olhos cor de mel, com uma aura irritantemente firme para alguém de dezoito anos. Mas quando leu a folha dela, a caneta parou no ar. A letra era firme. Clara. As citações corretas. Os argumentos afiados. E pior: ela pensava. Ela entendia. Não era só uma garota bonita que atraía atenção com a beleza provocante e o perfume barato de shampoo de frutas. Ela era um desafio. Um incômodo. Um problema. E Rafael Calderon sempre foi atraído por problemas. Jogou a caneta contra a mesa, irritado com a própria reação. Levantou. Encheu um copo de água. Bebeu devagar. Sempre água. Nunca álcool. Nunca mais. Porque a última vez que bebeu foi no dia em que matou — mesmo que ninguém ousasse dizer isso em voz alta — a única mulher que já amou. E o filho que nunca conheceu. — Laura. O nome ainda doía. Eles discutiam o tempo todo. Dois furacões viciados em prazer, caos e tequila. Ela grávida. Ele, bêbado demais pra entender que aquele volante podia virar uma arma. Ela gritando. Ele também. Um descontrole sem freio. E então o barulho de metal e vidro… e o silêncio. Acordou no hospital com o gosto da morte na boca. Ela não acordou nunca mais. A dor virou rotina. O luto virou sexo sem rosto. Dormia com qualquer mulher. Uma diferente por noite. As mais novas. As mais submissas. As mais fáceis de humilhar. Era assim que ele punia o mundo. E a si mesmo. Até aquela manhã. Até aquela garota com cabelo vermelho, sardas discretas e um olhar que desafiava sua autoridade como se ele fosse só um homem qualquer. Alicia. O nome dela era afiado na língua. E estava começando a grudá-lo por dentro. — Rafael se encostou no batente da janela do seu escritório. O campus vazio, iluminado pelos postes baixos do jardim, parecia mais calmo do que ele se sentia por dentro. O celular vibrava em cima da mesa. Mensagem de alguma das mulheres que ele conhecia só pelo nome salvo como “morena bar”, “loira da terça” ou “musa do café”. Ele ignorou. Desde que viu Alicia, não sentia mais t***o por nenhuma outra. E isso o deixava puto. “Ela tem 18 anos”, pensou, irritado. “É só uma aluna. Só uma aluna.” Mas nenhuma aluna fazia com que ele sentisse vontade de jogar a mesa no chão e prendê-la contra a parede. Nenhuma aluna o fazia se lembrar de como era querer algo… não por vingança, mas por desejo verdadeiro. Cru. Intenso. Ela era boca suja. Afiada. Insolente. Não baixava a cabeça. Não fazia a sonsa. Ele a queria ainda mais por isso. — Mais tarde naquela noite, Rafael chegou à casa onde seu pai vivia — uma casa de bairro antigo, com móveis antigos, onde o tempo parecia congelado. O velho estava no sofá, olhando fixo para o nada. — Oi, pai — disse, baixo, se ajoelhando à frente dele. — Quem é você? — perguntou o pai, piscando devagar. — Rafael — respondeu com a voz embargada, segurando o choro como fazia desde os dez anos de idade. — Rafael… Rafael… — repetiu o pai, até o olhar apagar de novo. A enfermeira o observava de longe, sem dizer nada. Ela já sabia: era assim quase toda noite. Rafael beijou a testa do velho. Mesmo quando era ignorado, mesmo quando o pai o confundia com um enfermeiro ou com um vizinho, ele estava ali. Porque a mãe dele morreu no parto. E o pai criou ele sozinho. Com amor. Com sacrifício. E agora ele retribuía. Do jeito que podia. Mas isso não o tornava bom. Ele não era bom. Ele era o monstro que matou a mulher e o filho. E agora, uma aluna estava balançando tudo o que ele tinha construído para se manter de pé. — Mais tarde, deitado em sua cama, os lençóis frios e a casa silenciosa, ele se tocou pensando nela. Na Alicia. No modo como ela o enfrentava com os olhos. No som da voz dela quando dizia “com licença”. No jeito que ela mordeu o lábio quando respondeu certo aquela pergunta na aula. Foi um toque rápido. Sem prazer. Só raiva. Raiva de estar virando refém de uma menina. Jogou os lençóis para o lado, levantou, foi até o banheiro, jogou água fria no rosto. Olhou no espelho e disse a si mesmo: — Você não vai tocá-la. Mas o reflexo sorria, cínico. Ele sabia. O desejo não era mais físico. Era psicológico. Alicia mexia com partes dele que estavam mortas. E isso era o mais perigoso de tudo.
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