— Você voltou! — Ele falou, se aproximando.
Eu expressei um sorriso, daqueles sem mostrar os dentes.
— Aconteceu alguma coisa?
— Deixa para lá! — Disse.
— Me fala, e a sua avó? — Continuou ele.
— Ela não resistiu. — Afirmei.
— Como você está se sentindo?
— Estranha, no mínimo.
Estranha, esquisita, enjoada. Todos os sentimentos ruins habitavam em mim naquele momento.
Certo dia, quando eu tinha por volta dos oito anos, um professor explicou para a turma que Alergia era uma reação exagerada, e totalmente sem fundamento do corpo. Ele simplesmente "cisma" com um corpo estranho como uma ameaça para o resto do organismo e começa a tentar expulsar aquilo de todas as formas, mesmo que as vezes, isso acabe matando você. Eu lembro de levantar o braço na sala de aula e questionar:
— Então, meu corpo está tentando me proteger de algo que na verdade, não iria me causar m*l? E se ele apenas digerisse aquilo como algo natural, as coisas fluiriam sem me causar problemas futuros?
Eu aprendi a aplicar essa teoria na vida depois de alguns anos. Quando a gente cresce, a gente aprende de forma quase inconsciente, que sofrer não é uma opção. Então, se alguma coisa acontece, a gente se priva de chorar, de colocar pra fora, e os sentimentos se acumulam... se misturam... Até não ter mais espaço. Então você explode, se você estiver com azar, será em cima de alguém, e quase nunca, esse alguém tem culpa.
Nesse momento, era como se meu corpo estivesse sofrendo uma reação alérgica e cada célula pertencente a ele lutasse contra isso. Mas o que eu queria que meu organismo entendesse, era que, se eu simplesmente me permitisse sentir tudo aquilo, se eu simplesmente aceitasse, minha vida seguiria mais fácil.
Claramente, Lucas entendeu o que eu estava sentindo. Ou pelo menos, ele foi empático o suficiente para perceber que eu não estava bem, e que o melhor que ele poderia fazer, era não perguntar nada.
— Sabe que não precisa ser forte, não sabe? — Quando sua boca pronunciou essas palavras, foi como um histamínico que meu corpo precisava para entender que não tinha nada de errado. E que nada de m*l iria me acontecer, se ele apenas, se acalmasse.
Foi aí que eu chorei. Aquele choro de criança, que duram alguns minutos, com oscilações, mas ainda assim, contínuo. Coloquei as duas mãos no meu rosto para evitar que Lucas enxergasse meu rosto coberto por lágrimas. Quando faço isso, sinto o corpo dele envolver o meu.
Foi mais como um colo do que como um abraço. E à medida que a sua mão corria pelo meu cabelo, o choro diminuía, a respiração antes ofegante, se estabilizava. Quando eu parei de verdade de chorar, ele fez questão de enxugar minhas lágrimas, mas não opinou sobre isso, o que eu admirei. Ele tirou os fios do meu cabelo desgrenhados e grudados no meu rosto, e os pôs para trás da orelha. Eu estava envergonhada demais para negar a gentileza, então, ao invés disso, toquei as suas mãos, e sorri, para tentar transmiti-lo minha gratidão. Eventualmente a gente aprende a valorizar pessoas que agem da forma que ele agiu. Enxergar alguém num momento vulnerável, e não tirar vantagem dela, pelo contrário, servir de apoio, oferecer um ombro, ser amigo.
Depois que Lucas percebeu que eu já estava bem o suficiente para conversar, ele resolveu dizer:
— Por que não sobe, toma um banho, e vamos nós dois na casa da Susana? A gente pode passar o tempo conversando besteira... É melhor do que ficar sozinha.
Eu não estava sozinha. — Pensei. Mamãe não estava trabalhando, e o Antônio provavelmente não estava dormindo. Mas eu considerei aquilo como uma boa ideia.
— Claro, por que não?! — Falei em resposta.
Não levei a sério quando ele disse que iríamos juntos, mas mesmo quando acenei um "tchau", Lucas continuou me seguindo, entrou na minha casa e ficou parado na porta do meu quarto. Eu chamaria aquilo, em qualquer outra situação, de inconveniência, mas naquele momento, me pareceu muito engraçado.
— Não vou demorar. — Avisei, entrando no banheiro.
Demorei pouco mais de 30 minutos no banho, e confesso: Esses poucos minutos me fizeram esquecer completamente que havia alguém me esperando no quarto. Então, ao invés de me vestir por inteiro, subo minha calcinha, visto meu sutiã, e saio da suíte afim de me trocar de frente para o espelho, como de costume.
Mas quando eu abro a porta, seminua, encontro Lucas encostado na parede. Persegui seus olhos que rapidamente leram meu corpo, e logo em menos de cinco segundos, já estavam encarando fixamente o chão.
— Meu Deus! — Gritei.
— Me desculpa! — A situação pareceu divertida para ele, que ficava se esforçando para não gargalhar.
— Pare de rir e saia do meu quarto! — O garoto ergue suas mãos para cima, e ainda de cabeça baixa, sai do quarto e fecha a porta.
Eu escolho um vestido qualquer no meu guarda-roupa e coloco ele.
— Terminei! — Dito isso, abro a porta do meu quarto, e mais uma vez sou surpreendida pelo melhor amigo de Susana, que por sua vez, segura minha cintura, pressionando meu corpo contra parede. Senti sua respiração tocar meu rosto, e ele engolir em seco a saliva, enquanto fitava meus olhos.
Antes que nos beijássemos, juntei as forças para negar o ato, mesmo que naquele momento, parecesse impossível fazê-lo.
— Não. — Sussurrei no pé de sua orelha.
Lucas continuou com a boca próxima ao meu pescoço, de modo que ainda conseguia sentir sua respiração, como se um simples ato demandasse muito esforço. De algum jeito, eu também me sentia assim, de maneira que parecia errado me afastar.
— Por favor. — Reforcei. — Não posso fazer isso com você. — Eu desejei que a minha voz tivesse saído mais firme, mas isso não aconteceu.
— É de mim que você tem medo? — Lucas disse com uma voz quase inaudível.
Eu fiz que não com a cabeça. Não era ele que eu temia. Era eu. Tinha medo de estragar tudo e provavelmente bagunçar ainda mais a minha vida. Eu sabia que, se eu permitisse que ele me beijasse, estaria dando-o passo livre pra me machucar. E tudo bem você pensar que estou sendo precipitada, mas eu me conheço, sei quando alguém tem o poder de fazer eu me apaixonar. Ele tinha esse poder sobre mim. Então, antes que as coisas ficassem complicadas demais, era melhor evitar.
Quando eu o conheci, achei que ele fosse um garoto i****a, com a autoestima elevada e problemas de se relacionar, então o diagnostiquei logo de cara como alguém que tira brincadeiras de mau gosto com as pessoas, porque não consegue iniciar uma amizade de uma forma normal. Mas o Lucas que me foi apresentado hoje, havia algo diferente nele. Especial. Algo que me passava uma sensação boa de segurança, p******o. Como se ele estivesse ali de verdade por você, que se importava com o que eu tinha a dizer.
Há uns dias poderia afirmar que apesar de decifrável e previsível, ele era alguém difícil de ler, mas hoje eu percebi que não estava atenta aos detalhes, e agora que entendi isso, gostava bem mais do que estava na minha frente.
Finalmente seu corpo se afastou do meu e seguimos em direção a casa da Susana. Quando ela abriu a porta, olhou para a gente de cima para baixo, já sabia o que ela se perguntava, mordi os lábios, nervosa. A última coisa que eu queria agora era afastar a Susana de mim.
— O que vocês estavam fazendo juntos? — E a tão temida pergunta surge.