Capítulo 6

1360 Palavras
— Ei, temos alguém cabulando banhos por aqui? — Eu “quelo” ficar sozinho! — Ele tenta secar as lágrimas. — Hum... também queria muita coisa e não tenho. Ele me encara e franze a testa. — Veio me “peltubar” ou “pala” me fazer “melholar”? — Deixa de bestage, homi — ele ri ao ouvir o meu sotaque — não vou cheirar tua b***a por azucrinar sua irmã. — Você é uma babá “estlanha”. Entro no quarto, sentando-me de frente para ele na cama. — Nunca disse que era normal. — sorrio também. — E você precisa de um fonoaudiólogo, sua mãe não te pôs em um? — Um o quê? — Sua cabecinha tomba para o lado. — Um médico que trabalha a nossa fala. Eu fiz aulas para melhorar a minha e perder o sotaque de onde morava. Você deveria fazer também, fala igual ao Cebolinha. — Quem é Cebolinha? — Noto que esqueceu o choro. — Credo, que mundo cê vive, garoto? Nunca ouviu falar nos gibis da Turma da Mônica, não? — Ele faz que não com a cabeça, e emendo: — Por isso só faz bestage, precisamos trabalhar mais nas atividades diárias de vocês. Você é um menino muito bonito, mas fica feio quando faz coisas feias. — Ele desvia o olhar, parecendo, envergonhado. — Eu te vejo como uma rosa. — Eu sou homem! — Cruza os braços emburrado, e eu sorrio. — Você já tocou em uma rosa, Lipe? — Ele faz que não com a cabeça, e continuo: — De longe é linda, mas quando a tocamos descobrimos que é cheia de espinhos. — O menino arregala os olhos. — E quando percebemos que algo que gostamos muito contém espinhos, ficamos chateados por não poder mais tocá-lo, mas ao mesmo tempo não queremos nos machucar, concorda? — Ele dá de ombros, como se não tivesse entendido nada, e mudo de tática: — Se um amigo seu te machucasse com um brinquedo — ele franze a testa —, você continuaria a brincar com ele? — O menino dá de ombros, e refaço a pergunta. Ele fica um tempo em silêncio, mas no fim responde: — Se fosse sem “queler”, sim. — Mas, e se fosse de propósito? Brincaria? Ele pensa mais um pouco e depois responde que não. — Imagine, então, se suas irmãs ou alguém que você gostasse muito fizesse isso com você, não se sentiria chateado? — Seus olhos marejam e ele seca-os com as mãos, mais uma vez. — Acho que ninguém gosta de brincadeiras que façam m*l ao outro, certo? — Mas não foi por maldade, eu só “quelia” que a “Dola” achasse “englaçado” também. — Ela riu com você? — Ele n**a com a cabeça. — Então, não foi tão engraçado assim... Noto-o abaixar a cabeça e, em um gesto sutil, diz que concorda comigo. — Que tal se da próxima vez, ao invés de empurrá-la, vocês caíssem juntos na lama? Te garanto que seria muito mais divertido. — Um sorrisinho discreto se abre em seus lábios, e sinto o meu coração se apertar por esse menino. — Quer tomar um banho e depois pedir desculpas para a sua irmã? — “Selá” que ela vai me desculpar? — Seus olhos vermelhos e inchados me fitam. — Acho que ela deve estar maquinando o seu enterro, mas creio que você ainda tenha uma chance. — ele ri, mas há um certo medo em seus olhos. O menino entra na banheira enquanto procuro uma roupa limpa para que possa vestir. Ao vê-lo vestido e limpo, peço que desça na frente, a fim de almoçar, enquanto me encaminho para o quarto de Alice. A menina saiu da sala igual uma bomba prestes a explodir, então, acho que preciso saber como está. Por ser mais velha, acho que nunca deve sobrar espaço para ela, coitada. Seus irmãos devem tomar todo o tempo dos pais e dos funcionários. Noto que o quarto está trancado e bato algumas vezes na porta. — Alice, pode abrir, por favor? — Não estou com fome! Pode ir. — Sério? Eu nem fui ao Aras e estou prestes a comer um camelo inteiro, imagina você? — Credo! — A menina grita, e eu reviro os olhos. — Só queria saber onde deixei o meu bode amarrado, senhor! — retruco, para ninguém em especial, arrancando-lhe uma risadinha baixa. — Se está tão irritada com o trabalho e com a gente, vai embora! — Ir embora e deixar de comer a lasanha que Nana fez hoje? Não, obrigada, não nasci ontem. — berro e emendo: — Quem perde é você. — Afasto-me da porta e espero. Passam-se alguns segundos, eternos para ser mais exata, e quando estou prestes a esmurrar a porta, vejo-a se abrir. — Tá bom, né! Já que faz tanta questão — fala sem jeito enquanto passa por mim. — Eu não faço nada, bebê, meu estômago que faz. — sigo-a. — Não sou bebê — resmunga. Assim que descemos, nos juntamos aos demais enquanto Nana nos serve. A lasanha à bolonhesa parece apetitosa, e os olhinhos das crianças brilham. Comemos calados, até o momento de Felipe pedir desculpas à irmã. Foi a coisa mais fofa de se presenciar: os dois sorrindo um para o outro enquanto Felipe apontava que Alice apenas fazia “caleta” feia. Palavras dele, é claro! Tento puxar assunto mais uma vez, contudo as crianças começam uma conversa entre elas e não me incluem. Voltamos à estaca zero. À tarde, enquanto Alice tem aulas de pintura, os gêmeos e eu brincamos no parquinho. Felipe faz menção de jogar areia na irmã, mas quando olha para mim parece se lembrar do que conversamos mais cedo e vejo a areia escorrer pelas suas mãos lentamente. Os dois unem seus dedos e rolam pela areia juntos. Após um banho de quase uma hora cada, por causa dos cabelos emaranhados e grudentos, resolvemos esperar Alice sair do ateliê para assistirmos a um filme qualquer. Após esperarmos quase quarenta minutos a beldade aparecer no quarto de vídeos, ela se dignou a dizer que não queria assistir nada e ainda fez com que os pestinhas fizessem o mesmo. Oh, garota difícil! Como não temos nada para fazer, pergunto se eles querem comer pipoca. Os pestinhas afirmam que sim e me pedem para fazer dois baldes grandes de pipoca doce. Após eu me queimar com caramelo, eles fazem questão de esfregar na minha cara que não gostam de pipoca doce e pedem para que eu faça uma salgada. Pedir não seria bem a palavra, uma vez que eles praticamente mandam. Respiro fundo, colocando o milho para estourar numa panela e, após ficarem prontas, tempero com queijo ralado e bacon frito que havia deixado separado numa frigideira. O aroma impregna a cozinha e, sabendo que não sou uma babá nada convencional, me limito a sentar-me num dos puffs do cômodo e faço questão de devorar todo o conteúdo do balde enquanto eles me olham. Principalmente Alice, que não para de bufar enquanto sorrio, mastigo e tento falar ao mesmo tempo. — Falei uma vez e vou repetir: podem dar o faniquito que quiserem, mas nunca se esqueçam que sei retrucar. — As palavras saem emboladas, já que minha boca está cheia, mas consigo ver que entenderam muito bem o recado, por causa das caretas que fazem. Porém, por outro lado, foi bom ver que os pestinhas não se encheram de pipoca, porque dessa forma tomaram a sopa de legumes toda que Nana havia deixado preparado para o jantar, enquanto eu me limitei a tomar somente um pouquinho depois de não aguentar ingerir mais nada. Ajudo Duda a retirar as sobras da mesa enquanto os pestinhas atacam a torta de morango servida depois. Só de pensar no cheiro dela, já sinto o meu estômago embrulhar. Na cozinha, enquanto conversamos sobre coisas aleatórias, ouço um burburinho que vem da sala e ao, escutar Dora comentar a palavra mamãe, encaro Duda. Está na hora de conhecer os meus novos chefes.
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