A festa.

1850 Palavras
Malva Denaro Meus olhos se elevam em direção aos imensos muros de tijolos avermelhados, adornados por uma trepadeira chamada Era. Essa planta se espalha, formando uma majestosa linha horizontal que se ergue verticalmente. Contemplo o caminho, também feito dos mesmos ladrilhos, e percebo que nada mudou desde a última vez que meus pés pisaram neste chão; minha mãe me levava em solavancos rumo ao carro. O portão de ferro, ornamentado com arabescos, exibe no topo, entre outros entalhes, as iniciais dos proprietários: Sapadaros Falzones. _Buona notte! Benvenuto!_ - somos recebidos por um organizador do evento que busca nossos nomes na lista de entrada. _ Buona notte! Família Denaro! - meu pai responde com um ar de felicidade que lhe escapa por todos os poros. Ele gosta de estar aqui. O organizador percorre os olhos pelo aparelho em suas mãos, logo em seguida com um sorriso sem exibir nenhum dente, libera a nossa entrada. Mal consigo prestar atenção nele ou nos seguranças; o nervoso me consome, faz muitos anos desde a última vez. Embora eu me prenda aos detalhes do lugar, comparando o antes e o depois em minhas memórias, tentando descobrir se algo se alterou. Temo por cometer algum erro que possa causar vergonha aos meus pais. E o pior é que quando estou nervosa é só ladeira à baixo." Descemos um degrau, passando por pequenos arbustos verdes podados, que delimitam o corredor que nos leva à mansão dos Falzones. A entrada é o primeiro jardim da residência, um lindo pedaço verde enfeitado por muitas plantas, em sua maioria folhagens. Damos mais cinco passos, sim, cinco passos; eu costumava contar quantos passos precisava dar para descer o próximo degrau, e agora nos encontramos diante de um dos cercados vivos, cujo interior é adornado por begônias. Próximo a ele, se encontra uma árvore Acacia Mimosa. As suas folhas cinza-verde são muito delicadas e quando essa árvore floresce, cria um espetáculo divino exibindo suas flores amarelas brilhantes. A mimosa floresce entre o fim do inverno e o início da primavera na Europa, e colore a paisagem de verde-cinza e amarelo. A flor desta árvore é considerada símbolo da resistência das mulheres italianas. Isso surgiu por causa de uma genovesa, que com sua determinação e bravura lutou contra o fascismo no país e contribuiu para o surgimento da República aqui na Itália. Lutando por causas sociais, essa mulher, propôs que a mimosa se tornasse símbolo do dia da mulher, baseando-se no plausível argumento que a tradição deveria incluir uma planta popular de fácil acesso para se presentear, uma vez que o hábito da época de ofertar violetas e orquídeas( flores nobres e menos acessíveis) não permitia a todas as mulheres fossem " lembradas ". O jardim reflete a mesma imagem dos dois lados, ou seja, tudo foi minuciosamente feito para que não tivesse discrepância entre o lado esquerdo e o direito. Árvores e plantas, todas elas se repetem na mesma posição. Continuamos o percurso, descendo os degraus a cada cinco passos. Desviamos de uma jardineira redonda que se encontra no meio da passagem, em seu inteiror um maciço de Clorofitos despontam com a sua folhagem muito ornamental de cor verde com bordas brancas. No centro dessa jardineira tem um pequeno pilar que sustenta a imagem de Santa Rosália, a padroeira de Palermo, aqui da Sicília. A caixa blindada resguarda a bela imagens de sofrer com as intempéries do tempo. Ela também é a mesma. _ Nada mudou....- falo mais para mim do que para meus pais. _ Mudou, sim, você mudou. Cresceu e se transformou em uma jovem deslumbrante, mais elegante e perspicaz. O tempo avança, Malva, mesmo quando não queremos - escuto minha mãe dizer enquanto ajeita a estola nos ombros. _ Espero que hoje eu não precise baixar a cabeça. Oito anos atrás fiz isso e foi uma verdadeira tragédia. - Ele ainda se lembra, e já faz tanto tempo! _ Não vai acontecer, pai. - respondo, pois já não sou mais aquela menininha assustada de dez anos. Alguns minutos se passam até chegarmos à residência . Aparentemente, eu havia esquecido o quão colossal essa casa é. É realmente imensa, uma mansão gigantesca! Olho para meu pai; não é à toa que ele vive se curvando ao chão por onde o senhor Falzone passa. É a festa de bodas do casal que, sem dúvida, ocupa o topo da hierarquia do poder aqui na Sicília. O som da orquestra afinada chega aos meus ouvidos; a melodia é encantadora, não posso negar. Meus olhos percorrem a opulenta decoração que adorna o gramado, um imenso tapete vivo. _ Não se esqueça das boas maneiras, Malva! É fundamental para seu pai e para nós que o Don tenha uma boa impressão da nossa família. - os olhos da minha mãe brilham - Quem sabe, impressionado com seus modos, ele não arruma um bom noivo para você! - e quem foi que disse à senhora Giovanna que eu quero me casar?! Pior ainda, quem está enganando ela achando que eu desejo me envolver com alguém da máfia?! Calo-me para evitar que iniciemos uma discussão na frente dos outros. Desde sempre, tomei a firme decisão de que ninguém, muito menos um homem que acredita ter o poder de controlar a vida dos seus caporegime e das famílias aliadas, irá decidir por mim. Ele é como um rei que empunha a espada contra o coração daqueles que não obedecem às suas ordens, ou que nos condena ao carrasco caso nos desviemos do caminho. Que Deus me proteja de me submeter aos caprichos ou à desgraça do senhor Cosimo Sapadaro Falzone! Um arrepio percorre meu corpo. O que ouço sobre os homens dessa família não é nada agradável. Quanto mais longe eu estiver deles, melhor. Observo as pessoas que circulam pelo ambiente bem iluminado. Todas estão elegantemente vestidas, com roupas sofisticadas e de aparência caríssima; homens em seus ternos impecáveis e mulheres adornadas com longos vestidos e joias brilhantes. — Eu te disse para usar algo mais bonito. Você escolheu um vestido bege que te deixa sem vida. Poderia ter optado pelo vermelho de alças finas ou aquele com renda. É tão teimosa! — dona Giovanna reclama mais uma vez. — Agora é tarde para isso! — meu pai ajusta as abotoaduras. — Querida, não deixe a Malva ser chamada para dançar. Não quero que o Don pense que nossa filha é do tipo que se entrega ao prazer. - Como isso se esses dois parecem cães de guarda em " cima" de mim? Não sei nem o que é um beijo e olha que não foi por falta de tentativas! - Você sabe que isso mancha nossa imagem. Aqui sempre tem alguém querendo puxar o tapete do outro para se destacar aos olhos do Cosimo. Não quero o nome da Malva sendo comentado por aí. — Nossa! Como se o senhor Falzone fosse se importar com isso! Sinto olhares de alerta vindos dos meus pais. Dentro desse labirinto infernal que chamam de família, as filhas e filhos dos caporegime são como fichas de um jogo nas mãos do poderoso chefão. Por isso, cabe aos pais protegerem a honra das moças. Isso significa crescer enfrentando as dificuldades da vida, com a dureza de quem come o pão amassado pelo d***o com direito ao pés, b***a, r**o e tudo mais! Sempre fui uma alma curiosa, especialmente ao observar minhas colegas, da mesma idade que eu, começando a se envolver com meninos. Minha mãe sempre me dizia para manter distância deles, mas eu sentia uma atração enorme! Tinha uma vontade insaciável de descobrir o que as minhas amigas tanto falavam. Até hoje, essas lembranças estão vivas em mim. _ Ele me beijou e foi incrível sentir aquelas borbulhas na boca! - Alice sussurrou para nós enquanto caminhávamos pelo pátio da escola. Eu estudava em uma escola particular, mas que não era ligada àquelas instituições controladas pela máfia. Meu pai fez essa escolha para que eu aprendesse a conviver com pessoas do mundo real, como um cisne entre patos, sem ser notada. _ Minha mãe diz que só o champanhe faz bolhas na língua. - Norina respondeu, tão curiosa quanto eu. Naquela época, tínhamos apenas doze anos. _ Não sei sobre o champanhe, mas conheço o beijo do Luca e foi maravilhoso. - ela sorriu de forma travessa, e eu senti uma inveja danada. Também queria experimentar aquelas borbulhas na boca! _ Você está louca! O Luca tem quinze anos! - Isabel comentou, mordendo um corneto. _ Não vejo nada de errado nisso! - eu disse na minha ingenuidade. Mas também, conhecimento me faltava. Isabel me lançou um olhar cheio de irritação. — Você não percebe porque é cega! Meninos nessa idade só pensam no que temos por baixo da saia! — Fiquei em choque! Então, os meninos querem ver nossas calcinhas! Confesso que meus olhos se arregalaram! — Não o Luca, ele não subiu nem desceu a mão para lugar nenhum, foi muito respeitoso. — Alice saiu em defesa do garoto. E eu só conseguia pensar nas calcinhas! — Claro que não são todos, mas que eles só querem levantar nossas saias, ah, isso querem sim! — Isabel declarou, enquanto Norina olhava para Alice com uma expressão confusa. — Então, você deveria usar calças da próxima vez que for beijá-lo. Sem saias, não tem como ele ver sua calcinha. — A pobre entendeu o mesmo que eu, e Alice, junto com Isabel, riu horrores da fala de Norina. Eu fiquei ali, quieta como uma tonta, sem entender nada. Até que, três anos depois, decidi que ia me permitir viver as experiências que as outras meninas estavam tendo, eu queria experimentar os beijos de todos os tipos! Foi assim que conheci Paolo, um garoto de dezessete anos do segundo ano do ensino médio. Ele queria me dar uns beijinhos, e eu fiquei animada. Marcamos de nos encontrar no vestiário da quadra da escola. A ideia era simples: iríamos para nossas salas, depois eu pediria para ir ao banheiro e enviaria uma mensagem para Paolo, que daria um jeito de me encontrar lá. No começo, tudo parecia estar indo bem, embora eu estivesse nervosa por nunca ter beijado antes, mas fui com coragem. Foi horrível, porque ele estava chupando uma bala e não teve a decência de jogar fora. Me beijou com ela, e eu acabei engolindo o doce! Fiquei entalada sem ar, achei que fosse morrer, pior foi que passou pela minha cabeça que meus pais descobririam o que eu fui fazer no vestuário dos meninos. Recordo que levei a mão na garganta sem ar. Os olhos esbugalhados e o desepero crescendo! Paolo ficou visivelmente assustado e desceu porradas nas minha costas para tentar me desengasgar. Na quarta pancada a bala saiu da minha garganta feito um tiro disparado por um canhão. Tosse muito, puxando o ar com força. Depois disso o miserável nunca mais olhou na minha cara. Experiência péssima. _ Está ouvindo, Malva? Decline de todos os convites. - olhei para minha mãe deixando de lado a lembrança do fiasco que foi a tentativa de ganhar o meu primeiro beijo.
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