Malva Denaro
Pensa numa pepeca feliz? É a minha!
Após me livrar de toda a urina, sinto-me leve e relaxada. A natureza é deslumbrante, mas também pode ser implacável! Ainda bem que foi apenas xixi; imagina se fosse uma dor de barriga? Me arrepio só de pensar nisso.
Aliviada, leve como uma pluma e com um sorriso de satisfação no rosto, limpo-me, seco-me e, devidamente recomposta, abro a porta.
Agora, sem preocupações, consigo apreciar melhor a decoração. Quando era criança, nunca tive coragem de subir ao segundo andar da casa. Não era por falta de curiosidade, mas sim pelo medo de levar uma bronca. Antes de sairmos, minha mãe sempre se sentava comigo para revisar as regras do que não se podia fazer. Para ser sincera, eram tantas proibições que, na quinta vez, eu já nem prestava atenção na dona Giovanna.
Certa vez, decidi arriscar. Fui astuta, driblei o olhar atento da minha mãe e me escondi atrás de uma cortina pesada na sala da dona Gemma. Naquele tempo, queria explorar cada canto daquela casa imensa; na minha mente infantil, seria uma grande aventura.
Consegui ficar ali, imóvel, controlando a respiração para não ser descoberta, até que tudo ficou em silêncio. Pensei que era a hora de partir para a exploração, mas, assim que coloquei a cabeça para fora, vi os filhos do senhor Falzone entrando na sala. Soltei um pum, morta de medo. Voltei a me esconder atrás do tecido grosso e saí de lá mijada, depois de ouvir a conversa dos três, com apenas nove anos.
_ Era para você ter aprofundado o punhal no estômago do maldito, Fellipo! - reconheci a voz de Etorre.
Eu sabia que ela era porque uma vez eu estava brincando na borda da piscina aqui da mansão e a minha pulseira caiu do meu pulso dentro da água. Quando dei por falta comecei a procurar e vi a joia lá no fundo; a peça tinha rubis vermelhos e combinava com o vestido que a minha mãe me vestiu.
Inclinei meu corpo para ver melhor e uma mão segurou-me.
_ Gosto muito dessa piscina para ver o corpo de uma garotinha boiando dentro dela. Vai me fazer perder o gosto por mergulhar. - a voz dele me provocou arrepios de pavor.
_ Fiz como Tiziano pediu, cazzo!- alguém falou irritado eu só não sabia destinguir se era o Nero ou Fellipo.
_ Você tremeu e não pode! Teve o quê? Piedade? - a voz de Ettore não se levantou, estava fria e impassível.
_ Eu pedi para fazer; gosto de brincar antes de dar cabo total dos fodidos. Ninguém deixou.
_ Você é a p***a de pisco, Nero! - escutei um barulho de coisas quebrando e passadas pesadas.
_ O que está acontecendo aqui? - ouvi a voz da dona Gemma gritando - Parem já com isso! - pediu erguendo o tom de voz.
_ Vou corta as mãos desse filho da p**a! Ele me tocou! Tocou! Eu odeio que encoste em mim! - os gritos eram de pura raiva, ferozes e cheios de cólera.
Eu mordia a parte mais fofa da minha mão. Meu coração estava acelerado que parecia que iria sair pela boca e pular no chão bem no meio deles.
_ Para, Nero! - ouvi um berro bem no momento que algo cortou o ar e cravou na cortina. Meus olhos ficaram enormes; era uma faca. Aquilo passou a poucos milímetros da lateral da minha garganta.
O objeto perfurou o tecido e caiu no chão fazendo um barulho e junto o xixi desceu pelas minhas pernas.
Mesmo toda cagada de medo esperei todos saírem da sala e quando ocorreu me arrastei para fora. Ainda levei uma bronca danada da minha mãe por ter mijado na roupa.
A p***a dos Falzones são uns loucos! Uns loucos com bom gosto. Deixo as lembranças quietas no fundo do baú.
Eu deveria descer e ir para onde os demais convidados se encontram, no entanto uma vozinha me perturba dizendo " vai dá uma olhadinha por ai, não vai custar nada!"
Olho para o largo que corredor que deve ter uns quatro metros de largura. Suas paredes pintadas de branco causa um contraste com as portas e móveis de madeira no tom envelhecido.
Dou alguns passos, reparando nas maçanetas cheias de entalhes e arabescos. Meus olhos param num quadro pendurado são um emaranhado de linhas coloridas que se encontram ao mesmo tempo que saem de uma espécie de novelo. Não gosto muito, parece um monte de lombrigas. Para que alguém compra um quadro de lombrigas coloridas? Deve ser pela mesma razão de comprar um vazo sanitário que tem luzes? Qual é o sentido de colorir o cocô? Melhorar a sua aparência?
Os Falzone tem uma p***a de vazo assim; a coisa levanta a tampa sozinha, tem luzinha e só faltou tocar uma música!
Meus olhos parar num aparador gigantesco e cheio de fotografias. O móvel é estilo Rococó, bonito e amplo.
Me aproximo para poder ver melhor; olho cada foto com muita atenção.
Eis aqui a família mais poderosa da Sicília!
Penso nas funcionárias que devem se lascar toda para manter tudo impecável. Não é que seja fácil, porque sei que não é. Nós contamos com uma faxineira para nos auxiliar com a limpeza mais pesada; dia de semana é minha mãe e eu que temos que dar conta do serviço doméstico.
Odeio lavar banheiro, e não é bem lavar porque não contamos com ralo para escoar a água. Fazemos a famosa limpeza: por onde as baratas passa! Que consiste em pano e produto, taca nas paredes, no chão, na pia e no vaso e " tá" tudo certo!
Porém, eu sou a nojinho em pessoa e faço uma mistura da p***a com os produtos! Preciso matar os germes ou eles me matam! Numa dessas vezes, quase sai desmaiada do banheiro. Nunca mais minha mãe quis que eu limpasse um!
Pego um porta-retrato grande que está no centro; porque eu sou daquelas pessoas que não consigo ver só com os olhos, preciso "vê" com as mãos! A moldura é pesada.
_ Nossa! O que tem aqui? Pedra? - reclamo, reparando na imagem que traz um registro recente da família maledeta. O Don está numa poltrona de cor escura, cuja os detalhes de madeira no apoio, espaldar e pés ganham destaques. Os olhos do senhor Cosimo é severo, duro e implacável; evidência o tipo de homem que é. Dona Gemma está ao seu lado direto, em pé , olhar arguto e queixo erguido, mostrando a sua tenacidade, além de, obviamente, sua linguagem corporal demonstrar a posição que ocupa no topo dessa cadeia alimentar.
Ao lado esquerdo do senhor Falzone, emcontra-se o filho mais velho, Ettore; próximo Don da Cosa Nostra. O famoso Maledite! Os outros dois estão um passo atrás dos demais. O fundo escuro, juntamente com a vestimenta sóbrias concedem um ar tétrico a fotografia.
Devolvo o porta-retrato e faço o sinal da cruz! Eles são medonhos! Os olhares falam por si, tudo produto do mesmo meio!
Famíliazinha r**m; igual ao cão!
Continuo explorando as fotos, sempre pegando um ou outro porta-retrato; as molduras ganham minha atenção.
Até que vejo uma toda em madeira, parece ter sido esculpida a mão livre. Não é delicada, muito pelo contrário, apresenta detalhes rústicos.
Não consigo ver que tipo de gravuras foram esculpidas. Dou mais uma olhadinha para ver se não vem ninguém e estico minhas mãozinhas na direção do objeto.
Pego o abençoado, que é pesado para burro! O que eles colocam aqui? Chumbo? No entanto, antes que eu possa ver a foto ou reparar nos detalhes, ouço vozes.
Meus olhos voam de encontro ao topo da escada, seja quem for, está subindo e vai me pegar mexendo nas coisas dos Falzones!
Penso na mocréia ruiva; ela não iria perder tempo em sair correndo até a dona Gemma para fazer fofocas. Todos sabem que Eleonora é a puxa-saco da matriarca dos Falzones.
Entro em desepero, tento devolver o objeto ao seu lugar, entretanto o que consigo é derrubar alguns porta-retratos sobre o tampo.
Ai, desgraça! Se eu quebrei algum?!
A preocupação me assola, não só por correr o risco de ser pega, mas também por ter quebrado alguma coisa.
O som das vozes ficam mais próximas.
_ Ai, caramba! Para onde eu vou? Para onde? - fico inquieta buscando uma alternativa.
Eu bem que poderia deixar o obejto aqui e descer, mas e se repararem na bagunça? Iriam ligar os pontos!
Seguro a saia do vestido e entre pela primeira porta que vejo. Acho que esqueci a minha alma lá no corredor, porque estou em pandarecos aqui dentro. Segurando nas mãos o fruto do meu problema, escoro o meu corpo na porta tremendo mais do que vara de bambu.
Era só usar o banheiro e descer! Mas não! A bonita aqui tem que mexer onde não deve! - murmuro baixinho olhando para o teto.
Deus se o senhor me livrar dessa eu te prometo que não vou aprontar mais nada!
Será que ele me escutou? Acredito que não porque meu coração pula na garganta conforme as vozes ficam mais claras e audíveis. Sejam quem for estão bem próximas e continuam a se aproximar mais e mais.
Continua....