Cap. 12; menina que gosta de incomodar.
Kaleu volkov
— Bom… — ela gaguejou piscando descontroladamente. — Você foi a primeira pessoa que vi depois de anos trancada.
— E você acha que isso é sorte? — perguntei cruzando os braços.
— Claro!
— Você teve a má sorte de encontrar um homem como eu. A qualquer segundo você pode simplesmente estar experimentando a pior dor de sua vida. — eu comentei e seu semblante escureceu. Ela sorriu, não um sorriso de deboche ou ironia, mas de dor.
— Mais dor? Meus pés foram amarrados e, se eu não tentasse todos os dias abrir os cadeados, acho que eles seriam partidos e eu nunca mais andaria. Eu comia a mesma comida todos os dias, não conhecia nenhuma outra refeição de verdade e toda comida tinha remédio para que eu não andasse e nem falasse. E quando eu consegui andar, você foi a primeira pessoa para quem eu corri, Kaleu! — ela disse meu nome com firmeza, estendendo a mão para mim. — Eu vejo em você um grande amigo, apertemos as mãos.
Eu a ignorei por um tempo, ela com a mão estendida. Isso é estranho.
— Tudo bem. — suspirei, entendida, dando um tapa de leve na sua mão. Não ousaria apertar a mão de uma criança querendo fazer um acordo de amizade, mas já percebi que esse fantasma não vai parar de me assombrar.
A ignorei e voltei a recolher as madeiras que deixei cair. De repente, ela corre ao meu redor me ajudando a recolher. Paro por um segundo enquanto a observo alegre, indo de um lado a outro com seu cabelo esvoaçando. Franzo o cenho quando sinto o perfume exalando e tomando o ambiente, parece até que tem um jardim inteiro por aqui de repente.
— Que diabos… — suspiro, me sentindo desnorteado, em seguida tampando o nariz.
— O que foi? — ela perguntou me encarando confusa, após me encarar apoiado com um dos joelhos no chão e com uma mão apertando o nariz que nem um i****a!
— Pare de correr ao redor! — asseverei, me levantando de vez, tentando manter a postura. Ela me encarou com os olhos arregalados, com cara de quem estava vendo um louco.
— Eu só estava te ajudando a recolher, por que você sempre está explodindo? — ela me perguntou, agora se aproximando com curiosidade, como se eu tivesse algum problema.
— Você é o problema, me dá nos nervos, por que não vai embora?
— Fizemos um acordo, não se faça de tonto, somos amigos agora, melhores amigos! — ela disse de forma doentia, me mostrando o punho. Eu realmente deveria matá-la, mas só consegui sorrir de forma amarga, me afastando dela.
Pensei que diria algo, mas ela apenas deu de ombros e começou a recolher a lenha que eu tinha cortado. Esse ato me fez pensar… talvez ela fosse útil para alguma coisa.
Apenas me encostei na árvore e observei com satisfação.
— O que mais? — ela perguntou animada.
— Limpe as folhas ao redor. — digo, e ela imediatamente pega a vassoura no canto da casa.
Eu continuo a observando desconfiado, mas quanto mais analiso cada gesto dela, as marcas nos tornozelos foram escondidas pelas meias. Ela está usando tênis novos, fardamento novo… Eu sempre achei ela pálida, talvez pelos anos que esteve presa, mas ela também ganhou cor. Também posso ver seus olhos vermelhos, parece que chorou bastante hoje. Parece que há sempre algo de errado com ela, parece que está sempre sofrendo, mesmo quando parece que não estão mais a maltratando.
— Terminei! — ela disse animada.
— O que mais você quer? — perguntei confuso, então ela apontou para a fogueira.
Ela literalmente me fez assar carne para ela, como há alguns anos atrás. Ela se sentou no chão sujo e comeu até não conseguir se levantar direito.
— Amanhã eu vou voltar para te ver. Não sei que tipo de carne você assa, mas eu nunca comi carnes de tão boa qualidade! — ela dizia com a voz firme.
— E você sabe o que é carne de qualidade? — perguntei, mas ela ignorou.
— Ei! Eu não sabia ao certo a minha idade e quanto tempo fiquei presa, mas meu pai adotivo fala que estou lá desde os dez anos de idade. No meu comprovante de matrícula tem o ano certo em que nasci. Vou fazer 17 anos daqui a quatro meses. Estou te contando porque quero comer todos os tipos de carnes que existirem nessa floresta. Afinal… você caça, não é? A sua comida, você sempre caça? — ela me perguntou enquanto eu analisava, sem reação, a audácia dessa maluca.
— Não volte nunca mais. — suspirei inquieto.
— Amigo, amanhã eu vou estar aqui. Você nunca mais vai se sentir sozinho. — ela disse de forma doentia, balançando a cabeça positivamente.
— Eu deveria acertar dessa vez? — perguntei, levando as mãos à cintura. Então ela recuou assustada.
— Não, ok! Meus ouvidos ainda estão se recuperando. Você deveria se sentir culpado de me assustar!
— Me sinto culpado sim, de não ter te matado logo de uma vez! Agora você fala sem parar e isso está me deixando louco! — asseverei, perdendo o controle.
— Ok, eu vou ficar em silêncio. — ela disse, se sentando em um tronco um pouco distante de mim, mas me observando. Isso é ainda mais incômodo.
— Por que não vai embora?
— Não vai me perguntar como foi na escola?
— Você vai embora depois disso?
— Prometo.
— Ok, então me diga, como foi na escola, sua primeira aula e, por favor, já fez muitos amigos?
— Na verdade, não consegui descobrir minha sala. — ela contou como se estivesse tirando um peso de si. — Me largaram lá e… eu não sabia o que fazer. Era a primeira vez que estava indo para a escola e, de repente, fui deixada sozinha lá. Só consegui encontrar o banheiro e fiquei lá até o alarme tocar e eu vir para casa.
— Deixa eu adivinhar, ficou lá chorando? — perguntei cético e ela abaixou a cabeça triste. Instintivamente, me levantei indo em sua direção.