O Pacto

3110 Palavras
Tudo que eu, uma garota altamente perturbada, depressiva e medrosa precisava, era se envolver com um garoto que fez um pacto com o d***o. Quer dizer, eu nem sei se acredito nessas coisas mas a forma como Blake contou tudo, fez parecer bastante real. Não era como se ele tivesse vendido a alma, mas foi coisa do tipo. E isso me envolvia de alguma forma porque, agora, ele se aproximou de mim. Eu deveria fugir? Deveria, mas algo simplesmente me impedia de sair correndo, como se minhas pernas tivessem virado gelatina só pelo fato dele estar ali, deitado com a cabeça no meu colo. Blake levantou e permaneceu com a cabeça baixa, sentado ao meu lado. Ele suspirou fundo, e começou a falar enquanto eu o olhava atentamente, tentando organizar meus pensamentos. — Dois anos atrás eu tive um problema no braço. A médica disse que eu nunca mais poderia jogar... E bom, como você viu, eu ainda jogo. — Essas coisas não existem, Blake. Para com isso. — Eu falei em forma de protesto, mas não sei como isso saiu da minha boca. Nem eu sabia se acreditava ou não no que eu mesma disse. — Você pode não acreditar, mas eu vou carregar esse pacto por mais 3 anos. Fiz um acordo com o d***o e quebrei um dia. E, quer saber o que aconteceu? Uma pessoa morreu. — Ele disse, com o semblante demonstrando uma culpa sincera. — Pessoas morrem, Blake. E você só é culpado se você foi o assassino. E bom, você não foi, certo? — Ele passou um braço ao meu redor. Aquela espécie de abraço demorou um pouco pra acabar, mas o que me incomodava era o silêncio. Ele esperava que eu falasse algo? — Eu queria que as coisas fossem mais fáceis. Eu me sinto como se estivesse com sangue inocente nas mãos. — Ele mesmo disse, enquanto recolhia o braço, parecendo incomodado. Permaneceu sentado, cruzou os próprios dedos das mãos e ficou olhando pra frente de forma quase que vazia. Meu instinto foi apoiar minha mão nas costas dele, como se isso pudesse oferecer algum conforto. — Todos nós temos os nossos demônios, Blake. Eu também tenho os meus. — Falei e suspirei fundo. — Já que você contou uma coisa tão intensa pra mim, quer saber algo sobre mim também? — Ele assentiu com a cabeça, e eu tirei a mão das costas dele. Fechei meus olhos e era como se eu pudesse viajar no tempo. Era natal, eu não estava muito bem e já havia sido diagnosticada com depressão e síndrome do Pânico. Nós estávamos na nossa casa no lago, e eu estava dando uma volta pela propriedade. Eu ouvi uma voz me chamando pra entrar pra dentro do lago. Era como um canto de sereia que me deixou completamente em êxtase. A medida que eu entrava, era como se toda a dor fosse indo embora. A água gelada me abraçava de uma forma bizarra, como se soubesse exatamente que botões apertar para que a dor parasse. Quando a água cobriu minha cabeça, eu não sentia mais nada... Meu pai e minha mãe me acharam com os lábios já roxos na margem. Quando eu acordei, tudo que eu sentia era dor no peito. O médico disse que eu entrei em um breve estado catatônico, porque não consegui reagir. Os pastores da igreja de mamãe disseram que se eu tivesse morrido, iria para o inferno. Ficaram falando sobre eu ter demônios dentro de mim e ela os expulsou de casa. Após essa lembrança amarga compartilhada com meu novo amigo, o momento estava longe de ser triste, era como se estivéssemos entrando no mundo um do outro com o devido cuidado. Ele segurou minha mão. Nós nos olhamos, e eu senti como se houvesse cumplicidade entre nós. — Que bom que encontrei alguém que me entende. — Ele concluiu. O silêncio permaneceu bastante confortável, e as nossas mãos unidas não tinham um ar de romance. Era uma forma de indicar que conseguiríamos, de mãos dadas, um ajudar ao outro a atravessar por algo difícil. Tinha um aperto suave, mas o toque era firme o suficiente dos dois lados. Quando voltei pra casa, meu coração estava um mar de confusão. Não sabia o que pensar ou fazer. Um momento intenso compartilhado com um novo conhecido, isso literalmente não fazia sentido para uma pessoa tão fechada quanto eu. — Filha, tudo bem? — Minha mãe disse, sentada a mesa enquanto terminava o próprio jantar. Balancei a cabeça e fui direto pro quarto, fechando a porta e deitando na cama. Eu sabia que era informação demais pra processar, e meu cérebro simplesmente desligou. Eu acordei na manhã seguinte, com meu despertador me avisando que era hora de levantar. A manhã foi se arrastando. Fiz tudo no automático como se não tivesse dormido nenhum minuto a noite, mas a verdade é que eu nem ao menos acordei para fazer xixi, o que era comum. Peguei os cadernos para as aulas de quarta, tomei um café e finalmente me senti um pouco menos indisposta. Ao chegar na aula, que por sinal era de estatística, o professor me olhava com desdém mesmo com vários alunos na sala. O sinal ainda nem tinha batido, mas assim que bateu eu entendi. Aquela p***a de homem estava aprontando alguma. — Hoje nós teremos uma atividade surpresa valendo nota. Guardem os materiais e boa sorte. Ele disse, olhando fixamente pra mim. Que ótimo, era tudo que eu precisava. Eu sabia que ele era um filho da p**a, mas hoje ele atingiu um novo patamar. Parabéns, b****a. Para o azar do professor, eu nunca prestava atenção na aula insuportável que ele dava, mas estudava por conta. Devolvi a atividade resolvida com o mesmo olhar de deboche que ele me entregou. Acho que essa foi a melhor parte da manhã, porque foi impagável vê-lo recebendo minha prova na esperança de me reprovar e tendo que fazer exatamente o oposto. Ele corrigiu na hora, na minha frente. O sorrisinho que estampava o rosto dele no início da aula simplesmente desapareceu ao ver que gabaritei a atividade. Eu sorri para ele, enquanto me olhava incrédulo. — Eu gosto muito de estudar sozinha. Gabaritei, graças a mim mesma. — Falei, em tom de deboche. — Parabéns. — Disse, de forma falsa. Me enjoei de torturá-lo e saí, para encontrar Lana lá fora. A garota de cabelos castanhos e curtos me esperava ansiosa, abraçada em seus livros. — Como estão as coisas com o bonitão? — Ela sorriu. — Não existe nada entre a gente. Mas ele é um bom amigo. — Ouvir isso saindo da minha própria boca doeu um pouco. Mas ela entendeu que não devia mais tocar no assunto. — Pelo menos temos botânica agora! — Ela disse, como se tentasse me animar. Caminhamos em direção a sala, sentamos e enquanto a professora não chegava, peguei o celular. Em meio a algumas mensagens, procurei o nome de Blake mas não encontrei. Filho da p**a. Afinal, ele achou que me assustaria mas eu o assustei? Meu cérebro viajava naquele momento que compartilhamos, de cumplicidade total, e isso me chateou um pouco. Só que eu sou uma garota muito decidida, então, ao invés de esperar o bonitão vir até mim, decidi ir até ele. Peguei o celular e abri sua conversa. — Oi. — Enviei e prendi a respiração. — Andy! Eu estou na Atlan! — Ele respondeu rapidamente. — Vim com uma amiga. Você quer nos encontrar no almoço? — Parece que alguém está animado em falar comigo. Eu tentei fingir que não estava animada tanto quanto ele, porque precisava manter um pouco do orgulho que restava em mim intacto. Era realmente muito, muito difícil para mim, a situação de sentir seja lá o que eu estivesse sentindo. — Pode ser. — Respondi. — Estaremos no refeitório. Até mais! Após ler a mensagem, chamei Lana e mostrei. Ela deu um pulinho e aplaudiu, animada por mim. Eu só não fiz o mesmo porque sabia como me controlar. Com um grande sorriso no rosto, ela disse que iria também e aguardamos ansiosamente pela hora do almoço. Quando as aulas acabaram, fomos juntas ao refeitório e logo conseguimos localizar Blake. Afinal, não é todo mundo que tem dois metros de altura. Ao lado dele, uma garota baixinha, de um metro e sessenta talvez, e de cabelo azul. Chegamos perto dos dois e após os cumprimentos, pegamos o almoço e fomos nos sentar em uma mesa juntos. A conversa foi tranquila, descobri que a garota de cabelo azul se chamava Sarah. Ela parecia bacana, mas muito mau humorada. Ela tinha uma cruz tatuada bem abaixo do pescoço, mas não tinha mais nenhuma tatuagem. Blake e ela se conheceram no ensino médio, e ele recuperou contato enquanto pesquisava sobre nossa faculdade. — Eu tenho que voltar pro meu alojamento, Blake. Você vem comigo? — A garota esticou a mão enquanto nos despedíamos na saída do refeitório. Era como se ela quisesse pegar a mão de Blake, que não respondeu o contato. — Eu já tinha combinado de sair com a Andy, não vai dar. Ele disse e buscou meu olhar. Ela abaixou a mão sem graça, e eu assenti, mesmo não entendendo pois não me lembrava de ter combinado nada com ele. Sarah saiu com um sorriso bastante sem graça e seguiu seu caminho. Lana aproveitou a deixa e se despediu da gente também. Disse que tinha coisas pra resolver. Mentirosa, eu sabia exatamente o que ela estava fazendo, que era me deixar sozinha com ele. Não que eu estivesse reclamando, claro. — Então a gente tinha combinado de sair? — Eu falei, rindo, quando já estávamos sozinhos. — Na minha cabeça... Eu só esqueci de te avisar. Isso acontece muito. — Nós dois rimos. — Está fugindo da Sarah? — Perguntei. Parabéns, Andy, você não sabe disfarçar. — Prefiro a sua companhia, de verdade. Essa menina é meio obsessiva. — Ele disse, com a maior naturalidade do mundo. — Quer tomar um sorvete? Ou você precisa cuidar das suas gelecas? — Por um instante, eu não entendi ao que ele estava se referindo, mas logo captei a mensagem. — Algas, Blake. São algas. Hoje elas estão quietinhas no líquido para que elas consigam se reproduzir direitinho. Não preciso ir ao laboratório... Se é o que você quer saber. — Ele sorriu. — Entendido. Sorvete. — Ele finalizou ao pegar minha mão e praticamente correr em direção a barraquinha de sorvete. Eu apenas assenti e corri junto, porque não era opcional. A tarde foi incrível. Passeamos na praça central de Atlan e ao final, encontramos uma árvore para sentarmos à sombra. Acabamos deitados ali, conversando sobre as coisas mais aleatórias e as mais sérias possíveis. Mas eu queria saber mais sobre a história do pacto, e como sutileza não é o meu forte, perguntei sem rodeios. — Me fala mais sobre o pacto... Como você o fez? E tipo... Qual foi o acordo? — O sorriso quase sempre presente no rosto de Blake desapareceu. Ele sentou com as pernas esticadas pra frente e apoiou as costas na árvore. Eu continuava deitada, com os braços cruzados atrás da cabeça. — É meio idiota... — Ele suspirou. — Eu conhecia uma garota e fomos a uma festa. Um dos caras da festa disse que prestava favores... Eu não acreditei no começo, mas ele aparentemente mudou as cartas do meu baralho na minha frente... — E aí você fez o tal pacto. — Eu disse. Ele assentiu com a cabeça. — Eu disse que queria que meu braço voltasse ao normal, e ele disse que voltaria, se eu ficasse sem tocar em garotas por 5 anos. — Ele cobriu o rosto com uma das mãos. Eu caí na gargalhada. — Então esse é seu pacto i****a? — Eu falei em meio a risada. p**a m***a, o cara acha que tem o p*u amaldiçoado. — Andy, você não entende. A ultima garota que eu transei morreu. Bem, não só uma. Ele disse que isso aconteceria, tá legal? — Meu sorriso foi substituído por uma cara séria, apesar de por dentro eu ainda sentir vontade de rir. — Ela morreu de que? — Perguntei. — Um acidente de carro. — Ele disse, evitando qualquer contato com meus olhos. — E a outra foi atropelada. — Percebi que ele realmente se sentia culpado. Apesar de não levar muito a sério, permaneci prestando atenção e esperando que ele continuasse. — A primeira vez eu não acreditei. Aconteceu uns 20 dias depois do nosso lance. Eu só... Toquei nela, se é que me entende. Aquilo nem foi s**o de verdade, cara, e ela morreu. E a segunda, eu achei que não era de verdade... Ela morreu 4 meses depois. Entendeu? — Ele olhou pra mim, esperando uma resposta que já veio pronta, de forma muito i****a. — Sim, entendi. Então, basicamente, quem der a piriquita pra você, morre. — Apesar de tentar não debochar, acabou saindo dessa forma. Por sorte, o senso de humor de Blake era tão ridículo quanto o meu e ele acabou rindo. — Mais ou menos isso. — E aí você tá na p*****a a dois anos. — Falei, ainda em tom de brincadeira. Ele continuava rindo da maneira debochada que eu estava lidando com a situação. — É. Mais ou menos isso aí. — Você já contou isso pra alguém? Tipo, além de mim? — Perguntei agora em tom mais sério. Ele balançou a cabeça negativamente. — Contei pra você porque tenho medo que aconteça de novo. Eu gosto de você, Andy. Eu gosto muito. E isso é um problema, agora você sabe o motivo. — A última confissão me surpreendeu. Ele levantou do chão e pegou as próprias coisas. — Eu preciso ir. Não contestei. Fiquei deitada em baixo da árvore processando todas as informações. Um garoto como ele gostando de mim realmente só poderia vir com um grande problema junto. Os dias foram passando e Blake não me procurou mais. Pelo que fiquei sabendo, o time foi embora da cidade na sexta, e ele não se despediu de mim. Fiquei chateada, mas entendi os motivos dele. Talvez fosse complicado demais pra ele processar tudo que havia acontecido no passado, com as garotas que sofreram acidente. Pra não complicar mais as coisas, permaneci em silêncio. Mas todo dia eu abria a conversa dele e digitava alguma coisa, sem enviar. Por isso, decidi cortar o m*l pela raiz... E apaguei o número dele do meu celular. Continuei minha vida, evitando pensar nele. Minha amiga Lana as vezes mencionava, mas ao passar dos dias, ela simplesmente desistiu de perguntar. Eu nunca contei sobre o segredo que ele havia me contado então ela só achou que ele era um b****a qualquer. Foram exatamente 8 dias sem notícias, até que um número desconhecido me mandou mensagem. — Desculpa o sumiço. Espero que você ainda seja minha amiga. Era Blake. Meu coração subiu pra garganta. Eu digitei várias vezes mas não enviei nada. Então ele continuou. — Eu pedi transferência pra Atlan! — Na hora que li, quase vomitei. Era muita informação no momento, mas eu precisava continuar com o que estava fazendo. Minhas lâminas de algas não iriam se analisar sozinhas. Depois de algumas horas, finalmente tomei coragem e respondi. — Que bacana! Vamos nos ver com mais frequência, então? A resposta veio imediatamente. — Com certeza. Deitei a cabeça na mesa. O cheiro do laboratório que geralmente me trazia alegria, revirou meu estômago. Na verdade, eu acho que era a volta dele pra minha vida que fazia isso. Decidi encerrar o dia. Fechei minha caixa de lâminas e arrumei o laboratório, deixando tudo em perfeito estado. Saí pela porta trancando tudo, e quando olhei no relógio já estava perto das oito da noite. Uma das vantagens da iniciação científica é que você não tem horário fixo. A desvantagem é essa também. Antes de sair do prédio, recebi uma última mensagem. — Estou perto da Atlan de moto. Você está por aí? — Li e abri um sorriso. Digitei a resposta rapidamente. Será que ele queria me ver esse tempo todo? — Estou no prédio B. O dos laboratórios. Minha mochila está pesada... — Eu respondi e em segundos, após ler minha resposta, ele também me respondeu. — Estou indo. Cinco minutos mais tarde, lá estava ele. Um moletom vermelho, calça jeans e um tênis esportivo. Desceu da moto, tirou o capacete e veio ao meu encontro. Recebi um abraço apertado, cheio de saudade... E eu retribui. Confesso que com um pouco de raiva, porque ele simplesmente podia ter avisado que precisava pensar. Que precisava de um tempo. Mas ele não disse, apenas sumiu. Ele pegou minha mochila e começou a organizar as coisas, me entregou o capacete extra e subimos na moto. Eu estava tão atordoada que nem perguntei aonde estávamos indo. Apenas fui. Ele estacionou após alguns minutos em um restaurante e me convidou pra entrar. — Vamos comer algo... Depois a gente pode fazer alguma coisa legal. — Eu assenti com a cabeça. O jantar foi cheio de silêncios, mas mesmo assim estava sendo agradável. Uma hora, não aguentei e perguntei. — Por que você sumiu, Blake? Quer dizer... Você podia ter dito que queria pensar, ou ficar sozinho. Você não disse nada e sumiu. Eu não sabia o que fazer... Se devia conversar ou te deixar quieto. — Falei. Ele sorriu e pegou mais um pedaço da torta que pedimos. — Andy, eu não sou muito bom com essas coisas. Eu precisei pensar. Mudar de faculdade... E aí tinha você também. Mas agora eu estou aqui. Ele respondeu e eu permaneci em silêncio. Acho que não precisava de resposta. Balancei a cabeça e falamos sobre assuntos aleatórios. No meio das conversas, surgiu uma pergunta aparentemente aleatória no meio de tudo. — Você esperaria três anos pra t*****r comigo? — Ele perguntou. Eu apenas ri. — Wow! Que compromisso de longa data! — Eu disse e ri. — Eu não vou esperar. Se acontecer, aconteceu. E eu não vou morrer. Te prometo. — Nós dois rimos. Ele parecia tenso, mas ao mesmo tempo, tentava relaxar. — Não quero que algo r**m aconteça contigo. — O rosto dele estava sério. Ele esticou o braço e alcançou minha mão com a dele, segurando e me olhando nos olhos. — Eu falo sério. — Um arrepio percorreu por minha espinha enquanto aqueles olhos azuis encaravam os meus. — Vou pensar no teu caso. Entrelacei meus dedos nos dele, e continuamos o papo, de forma tranquila. Como alguém pode derrubar meus muros tão rápido como ele?
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