Capítulo 1 — Laysla

1059 Palavras
Sabe aquela sensação de que a vida te atropelou e nem fez questão de olhar pra trás? Pois é. Eu sei bem como é. Meu nome é Laysla Martins — ou Lali, como meus pais me chamavam. Ou... como chamavam. Porque eles se foram. Assim. De repente. Como quem apaga a luz e deixa tudo no escuro. Eles estavam viajando. Tinham ido até uma cidade vizinha comprar meu presente de conclusão da faculdade. Veterinária. Meu maior sonho desde que me entendo por gente. E eles estavam tão orgulhosos… Faltava pouco. Só mais um semestre. Mais alguns meses e eu teria meu diploma nas mãos. Mas bastou um caminhão desgovernado e uma curva errada pra tudo desabar. Eles se foram. E junto com eles, foi embora minha casa, minha segurança, meus planos, meus sonhos... tudo. De repente, eu estava sozinha no mundo. E não, eu não tenho avós, tios, primos… ninguém. Só eu. E as contas. Muitas contas. Tentei segurar as pontas. Continuei na faculdade enquanto dava. Peguei um emprego de atendente em uma pet shop. O salário não era lá essas coisas, mas pelo menos me mantinha respirando — aluguel pago, uma comidinha no armário e o boleto da faculdade empurrado mês a mês, no sufoco. Mas a vida, essa filha da mãe incansável, não cansa de bater. — Lali... não leva pro lado pessoal, tá? — disse meu chefe, sem nem conseguir olhar nos meus olhos. — A loja tá passando por uns cortes... você é ótima, mas... Não precisei ouvir o resto. Já sabia o que vinha. Fui mandada embora. Assim. Sem mais, nem menos. Nem três anos ralando ali fizeram diferença. Empresa é empresa. Saí daquele lugar meio zonza, andando sem rumo. As pernas tremiam, parecia que eu ia desabar no meio da calçada. Mas não desabei. Não podia. Quem é pobre não tem esse luxo. A gente engole o choro, ajeita o cabelo, respira fundo e segue. Nos dias seguintes, mandei currículo pra todo canto. Mercado, padaria, loja, cafeteria, qualquer coisa. Fiz entrevista pra recepcionista, pra auxiliar de limpeza, pra caixa de supermercado… Mas nada. Sempre a mesma desculpa: “assim que surgir uma vaga, a gente te liga.” Nunca ligavam. As semanas foram passando. E com elas, a grana foi sumindo. Primeiro, vendi meu notebook. Depois, algumas roupas. Depois, o micro-ondas. E por último, aquela bicicleta ergométrica que só servia pra pendurar roupa. Quando percebi, tinha três boletos da faculdade atrasados — e a notificação: “Em caso de não pagamento, matrícula será suspensa.” Além disso, o aluguel já batia na porta, e com ele, o risco real de ser despejada. As noites eram longas. Eu ficava olhando pro teto, pensando onde foi que eu errei. Talvez em ter acreditado que estudar mudaria minha vida. Talvez em ter achado que o mundo seria justo comigo. Besteira. A vida real não tem conto de fadas. No meio desse caos, uma das poucas pessoas que ainda me estendiam a mão era a Lídia. Minha amiga desde os tempos da escola. Linda, boca afiada, sem papas na língua e dona de uma confiança que beirava o absurdo. Ela sempre dava um jeito de aparecer, puxar minha orelha e tentar me arrancar um sorriso. — Tá feia a coisa, né, amiga? — ela perguntou, na última vez que veio aqui em casa, jogando a bolsa no sofá. Suspirei, apertando o travesseiro contra o peito. — Feia não… tá horrível. Tô no limite, Li. Acho que agora... é o fim da linha pra mim. Nem sei mais o que fazer. Ela ficou me olhando por alguns segundos. O olhar dela mudou. Ficou sério. Intenso. — Olha… eu não queria chegar nesse ponto com você, mas… acho que tá na hora de te contar uma parada. — Que parada? — franzi a testa, desconfiada. Ela cruzou as pernas, ajeitou o cabelo e me encarou como quem tá prestes a jogar uma bomba no colo de alguém. — Eu sei que vai soar meio chocante, mas… eu tô fazendo uma grana, Lali. Muita grana, pra falar a verdade. — E o que é? — arqueei a sobrancelha. — Tá traficando órgãos? — forcei uma risada, mas já sentia um frio esquisito no estômago. Ela revirou os olhos. — Não viaja. É algo… diferente. Digamos que... é um job. — Fez até aspas com os dedos. — Job? — repeti, meio sem entender. — É... um trampo. Um trampo que paga muito, muito bem. — Ela respirou fundo. — Eu tô... saindo com uns caras. Uns caras de grana. Só homens selecionados, sabe? Não é zona, não é puteiro... é coisa de alto nível. Mulheres bem cuidadas, caras ricos, tudo às claras, sem estresse, sem violência, sem essas paradas pesadas. Só… companhia. E claro… favores. Fiquei em silêncio. Por alguns segundos, não consegui dizer nada. Só encarei ela. O coração batendo descompassado, a boca seca, a mente tentando processar. Ela continuou, como se quisesse me acalmar: — Olha, eu sei que pode parecer absurdo. Mas, amiga… é real. Eu fiz um job na semana passada. Um único job. Cinco mil na mão. Uma noite. E nem precisei fazer nada além de... bem, você imagina. Mas é tudo acordado antes. Sem surpresas. Sem humilhação. Sem abuso. A gente tem o controle, sabe? E eu... eu pensei em você. — Em mim? — minha voz saiu quase num sussurro. Ela assentiu. — Sim. Tem um cara, um cliente. Diferente dos outros. Meio excêntrico, pra falar a real. Mas inofensivo. Tá procurando uma garota nova. É só um job, amiga. Um único. E resolve sua vida por um bom tempo. Senti um arrepio subir pela espinha. Meu cérebro gritava que não, que não podia ser isso, que não era possível que minha vida tivesse chegado nesse ponto. Ela pegou o celular na bolsa, digitou alguma coisa, me olhou e sorriu, daquele jeito meio cúmplice, meio travesso. — Se quiser... é só me falar. Eu te passo o contato. O job é certo. Fiquei muda. O silêncio tomou conta do quarto. Só dava pra ouvir a buzina distante de algum carro na rua e meu próprio coração batendo no peito. Minha garganta apertou. O olhar dela tava cravado no meu, esperando minha resposta. Mas... eu não disse nada. Ainda. PRA ME AJUDAR: COMENTE MUITO VOTE NO BILHETE LUNAR SIGA MEU PERFIL DREAME INSTA: CRISFER_AUTORA
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