2- Pedro

947 Palavras
Capítulo 2 Pedro narrando : Acordei naquele dia sem um centavo no bolso. Minha barriga roncava, e a da Alice, coitada, devia estar doendo mais ainda. Eu já tava acostumado a aguentar a fome, mas ver ela assim, pedindo comida e eu sem ter nada pra dar… isso me matava por dentro. Chorava baixinho, só no silêncio da madrugada, com medo do que vinha pela frente. Passei a noite em claro, com um nó na garganta. Quando o sol deu as caras, levantei devagar, com a cabeça pesada de tanto pensar. Tava decidido a fazer o que fosse preciso pra botar comida na mesa, mesmo que significasse me humilhar. Olhei pra Alice, que ainda dormia. Uma inocência que ela nem sabia que tinha perdido já. Suspirei fundo e fui até ela. — Bora, Alice. Levanta. Cê tem que ir pra escola. Ela resmungou, meio sonolenta, esfregando os olhos. — Tô com fome, Pedro… Senti um aperto no peito, mas não podia deixar ela perceber que eu tava no limite também. — Eu sei, maninha. Mas na escola tem merenda, né? Cê vai comer lá. Por isso cê tem que ir. — Falei, enquanto tentava ajeitar o uniforme velho dela. Já tava pequeno, mas era o que a gente tinha. Ela ficou em silêncio por um tempo, ainda com a cara de sono, mas depois perguntou, do jeito que só uma criança pergunta, inocente demais pra entender o peso das palavras. — E você, Pedro? O que você vai comer? Fiquei sem saber o que responder por uns segundos. Engoli seco e sorri de lado, tentando parecer tranquilo. — Não preocupa comigo, Alice. Eu vou dar um jeito. Sempre dou, né? Ela me olhou, desconfiada, mas não insistiu. Só que eu sabia que ela sentia. Sabia que eu tava mentindo, mas ela nunca falava nada. Terminei de arrumar ela, peguei a mochila velha, e a gente saiu de casa. O caminho até a escola era sempre o mesmo: subindo e descendo ladeiras, passando por becos apertados. Olhei pra Alice, segurando firme na minha mão, eu era tudo o que ela tinha, e isso me aterrorizava. Deixei ela na escola e fiquei parado um tempo na frente do portão, olhando enquanto ela entrava. Meu estômago roncava alto, mas eu tinha que ser forte. Respirei fundo e decidi, eu ia pro farol. Tinha que conseguir algum trocado, nem que fosse na humilhação. O caminho até o farol fora do morro era longo, mas eu tava determinado. O sol estava quente, e a cabeça começou a latejar, mas eu continuei. Meu estômago tava revirando de fome, e a cada passo a sensação piorava. Quando cheguei no farol, as primeiras pessoas já tavam começando a parar com os carros, esperando o sinal abrir. Me aproximei devagar, com a cabeça baixa, quase pedindo desculpa por estar ali. Mas o que eu ia fazer? A fome não espera, e a Alice dependia de mim. Os primeiros motoristas nem olhavam na minha cara. A maioria só fechava o vidro e fingia que eu nem existia. Consegui umas moedas aqui e ali. Aí teve um cara… um cara que nunca vou esquecer. Ele tava num carro de luxo, todo fechado no ar-condicionado, tranquilo da vida, enquanto eu tava ali, suando, com o sol fritando minha cabeça. Me aproximei do carro dele, com a mão estendida, pedindo uma ajuda. O cara olhou pra mim com uma cara de nojo, como se eu fosse lixo. — Sai daqui, moleque. Vai arrumar o que fazer, vagabundo. — Ele falou, jogando o cigarro pela janela. Aquilo me bateu como uma soco. Fiquei parado por um segundo, sem acreditar. Eu ali, humilhado, só tentando conseguir umas moedas pra comer, e ele me chamando de vagabundo, como se eu quisesse estar naquela situação. O sinal abriu, e o cara arrancou o carro, me deixando pra trás, com um nó na garganta e os olhos ardendo por segurar o choro. Depois dessa, eu não aguentei mais. O sol tava forte demais, a fome apertava demais. Saí dali correndo, com as lágrimas descendo pelo rosto. Não queria que ninguém visse, não queria que o mundo soubesse que eu tava derrotado. Chorei de raiva, de fome, de dor. Mas, no meio disso tudo, eu tinha uma coisa na cabeça: eu precisava voltar pra casa com alguma coisa pra Alice. Cheguei no mercadinho do morro, com o pouco que tinha conseguido no farol. Contava as moedas na mão, como se aquilo fosse a coisa mais preciosa do mundo. Entrei no mercadinho e fui direto na prateleira onde ficavam os miojos. Um miolo era tudo que dava pra comprar com as moedas que eu tinha. Não era muito, mas era alguma coisa. Peguei e fui pro caixa, com a cabeça baixa. O cara do mercadinho já me conhecia, sabia que eu tava sempre tentando dar um jeito de me virar. Não falou nada, só passou o miojo e pegou as moedas. Saí dali com a sacola na mão, tentando ignorar a sensação de fracasso. Era isso, mano. Um miojo pra Alice. Isso era o que eu podia fazer. Quando voltei pra casa, a Alice já tava me esperando. Fiz o miojo pra ela, e ela comeu rápido, como se aquele miojo fosse o melhor banquete do mundo. — Cê não vai comer, Pedro? — Ela perguntou, com a boca cheia. — Depois eu como, Alice. Naquela noite, deitei no colchão velho ao lado dela, com o estômago roncando. Olhei pra Alice, que já tinha pegado no sono, e sorri de leve. Era por ela que eu aguentava. Era por ela que eu tava ali, resistindo tudo aquilo ainda de pé. Continua .... Deixem bilhetinhos amores ❤️📚
Leitura gratuita para novos usuários
Digitalize para baixar o aplicativo
Facebookexpand_more
  • author-avatar
    Escritor
  • chap_listÍndice
  • likeADICIONAR