Com um olho roxo e uma possível costela quebrada fui lidar com isso da única forma que eu conhecia.
— Ei Friday! — Entrei no laboratório jogando a minha mochila em um canto e prendendo o meu cabelo.
— Sim Calina.
— Bota pra tocar um Back in black por favor. Pode deixar no repete, vou passar um bom tempo aqui.
— Tocando Back In Black.
Em segundos a música alta invadiu os meus ouvidos e eu já me sentia melhor. Fui até as telas de vidro dando alguns toques e digitando a senha.
— Crie um novo projeto, nomeie de... LIA 1.
— Adicionado ao servidor.
Me sentei em uma das cadeiras de rodinha começando as programações. Meus olhos só focavam na tela e nas palavras e comandos que eu colocava sem cometer um único erro.
Me levantei pegando uma xícara de café e logo voltando ao holograma a minha frente onde com o dedo eu ajustava mais comandos e os encaixava nos lugares certos.
— Droga... — Revirei os olhos ao vê-lo quebrar. — Onde errei...
Voltei aos comandos percebendo que confundi um deles. Corrigindo rapidamente voltei aos ajustes principais.
— Friday, me mostre as configurações principais. — Pedi dando um gole no café forte e amargo vendo a projeção ser feita na minha frente rapidamente.
Novamente lá estava eu tocando e movendo, ajusta dali e meche ali estava tudo enfim se encaixando. Sorri mordendo meu lábio inferior ao ler "Integração bem-sucedida" em frente aos meus olhos.
— Ahahan. — Ouvi alguém coçar a garganta atrás de mim. Ao me virar Christian estava ali me olhando de braços cruzados. — Parece que alguém monopolizou o laboratório.
— Friday desliga a música por favo. — Em instantes ela estava desligada. — Desculpe.
— Não, tudo bem, mas você já está aqui a umas... — Ele parou olhando seu relógio de pulso caríssimo. — 5 horas.
— Não percebi o tempo passar...
— No que estava trabalhando? — Ele se aproximou com os braços cruzados.
Sorrindo empolgada dei uma distância entre nós pegando uma pequena tela de vidro e dando alguns toques.
— Diga oi ao Christian, Lia.
Com um movimento na tela o holograma de uma mulher foi projetado entre a gente.
— Olá Sr. Stan. Sou Lia. — Disse sorrindo após uma piscada.
— Está trabalhando com inteligência artificial? — Perguntou boquiaberto.
— A Lia é mais que uma inteligência artificial. — Sorrindo largamente me aproximei do holograma. — Ela é quase como uma mente, suas conexões são rápidas como neurônios disparando. E não quero limitá-la apenas a computadores, quero fazer dela uma...
— Android. — Completou primeiro.
— Isso! — Só faltei dar pulos de alegria. — Mas por enquanto ela não está pronta ainda... Ao menos seu corpo robótico como eu quero.
— Não estou acabada, mas Calina conseguirá em breve. — Lia sorriu otimista.
— Uau...
— É como estar falando com uma pessoa, não é? — Me aproximei dele com os braços cruzados explodindo de felicidade.
— O que houve com o seu olho?
Droga! Esqueci totalmente desse detalhe...
— Nada... — Me afastei dando as costas.
— Detectei contusões e uma fratura na costela. Sugiro que vá ver um médico Calina.
— Tenho que te ensinar a ficar quieta as vezes Lia! Declarada pela minha própria criação. — Revirei os olhos, mas ao menos o software de escaneamento corporal estava funcionando bem.
— O que aconteceu na escola hoje? — Christian voltou a se aproximou.
— Nada eu só... Esbarrei em um poste.
— Quantas vezes são necessárias esbarrar em um poste para quebrar uma costela?
— 127 vezes consecutivas.
— Obrigado Lia. — Disse sem tirar os olhos de mim.
Revirando os olhos fiz um movimento na tela desfazendo a projeção da Lia. Eu realmente preciso ajustar ela.
— Vai me contar o que aconteceu de verdade?
— O mesmo que acontece quando se é você mesmo... Mas estou bem.
Me afastei pegando a minha mochila e deixando o laboratório. Quando as portas do elevador se abriram e eu tentei sair de cabeça baixa acabei esbarrando no que pareceu ser uma parede.
— Opa, cuidado. — Hmm eu conhecia essa voz. Erguendo o rosto vi o loiro de olhos azuis. — O que aconteceu com o seu olho?
— Eu bati em um poste. — Disse me soltando e continuando meu caminho para o meu quarto onde tranquei a porta.
Respirei fundo, mas acabei soltando um gemido de dor, talvez um banho ajudasse. Quando tirei a minha camiseta vi um roxo enorme na altura das costelas.
— Merda... — A vesti novamente saindo do quarto. — Friday, o Banner está na torre?
— Ele está saindo neste exato momento.
— Ótimo... — Revirei os olhos voltando ao meu quarto. — Um banho quente vai ter que servir por enquanto.
Nunca fiquei tão feliz por ter uma banheira. A enchi de água quente e me submergi quase que totalmente. A água quente parecia ter propriedades curativas nos meus ferimentos. Prendendo a respiração submergi por completo por alguns longos segundos e logo voltei.
Fiquei na banheira até que a água esfriasse e só então sai trocando de roupa. Enquanto penteava meu cabelo molhado em frente ao espelho ouvi batidas na porta.
— Pode entrar. — Disse lembrando que havia esquecido de trancar a porta.
Christian entrou segurando o que parecia ser um frasco na mão.
— Me conta o que aconteceu de verdade.
Eu sabia lá no fundo que se eu não o contasse nunca mais sairia do meu pé.
— O professor pergunta a uma menina quais eram os primeiros 3 números de Pi e ela respondeu errado. Eu respondi bem baixinho só pra eu ouvir, mas aparentemente ela ouviu e me provocou me falando pra eu dizer todos os dígitos e eu disse. Quando eu fui ao banheiro ela estava com umas garotas que trancaram a porta e bom... Já sabe o resto.
— Tem que aprender a se defender do bullying. Você pode não ser forte, mas é inteligente. Usa a cabeça. — Ele deu dois toques na minha testa com o indicador. — Coloca gelo nesse olho se não amanhã não vai conseguir nem abrir ele é toma isso aqui, vai te ajudar com as dores na costela.
— O que é isso? — Perguntei pegando o frasco.
— Anti-inflamatório. Digamos que eu tenho uma certa experiência com fraturas. — Respondeu me fazendo rir, mas logo parando com a dor. — Você... Fez um belo trabalho no laboratório... Continue assim.
Ele apertou os lábios e saiu do quarto. Será que esse é o jeito Christian Stan de dizer que ele está orgulhoso de mim?