Meu presente de quinze anos foi um cavalo, pelos negros macio e crina brilhante tão longa quanto o cabelo da Rapunzel. Correr com ele na fazenda de meu pai era sentir a liberdade tocar em minha pele cortando o vento deixado me sentir como uma águia. Com os cabelos ao vento, longos e escuros como a crina de Fúria Branca — havia colocado o nome do meu cavalo com o significado oposto do que ele é —, o ganhei como presente e não uma festa de quinze anos. Queria correr pela fazenda Torres como todos faziam pelas estradas com a boiada, mamãe nunca gostou disso e papai ria achando graça da fúria dela.
— Fabiana! — puxei a rédea de Fúria Branca, fazendo-o para aos poucos quando escutei alguém gritando o meu nome — FABIANA! — a voz foi se aproximando.
— Quantas vezes eu terei que vir atrás da senhorita? — Carlos, filho do empregado do meu pai, um ano mais velho que eu, corpo magro e cabelos loiros, sua pele branca está queimada de sol que destaca mais ainda seus olhos azuis.
— Aí Carlos, não precisa me seguir… — fiz beicinho enquanto me inclinava para frente para abraçar o pescoço Fúria Branca encostando meu rosto em sua crina macia.
— Fabiana, seu pai não deseja que a senhorita vá muito longe da fazenda. — sua voz é firme, mas não consegue resistir ao meu charme. — Vamos voltar?
— Eu queria chegar até o lago, está muito calor hoje. Carlos, vamos parar de formalidade — franzi o cenho — somos amigos, ou esqueceu?
— Estou trabalhando, então a respeito como patroa — revirei os olhos com sua resposta.
O lago fica na divisa da fazenda de meu pai com o do Rodríguez, boa parte da fazenda deles foi comprada pelo Torres. A família Rodríguez está com dificuldades financeiras, não sei bem qual o motivo, tanto que eles foram morar nos Estados Unidos. Segundo meu pai, era o mais sensato para o Senhor Rodríguez.
A fazenda Torres produz uva, muitas vezes meu pai tem que ir para fora vender os vinhos produzidos por nós. Se tornou um grande grande homem no mundo todo, mundialmente conhecido. Quase não vive conosco, raramente aparece aqui, sempre ocupado na empresa na grande São Paulo, tudo fica por conta da minha mãe. Sabrina sempre morou aqui com seus pais, por coincidência meus pais tem os mesmos sobrenome — motivo de ter permanecido o nome da fazenda —, quando mamãe se casou com meu pai e logo em seguida meus avós maternos morreram, a fazenda ficou de herança para Sabrina. Já meu pai, já tinha o posto de CEO em São Paulo por conta dos pais dele e seus esforços para conseguir o posto. Ambos se conheceram em um rodeio em Barretos, desde lá nunca se separaram — claro, sem contar com essas viagens para vender o vinho e a empresa da família dele, que por coincidência é de vinhos —, até o momento.
— Seu pai quer que você volte para casa, Fabiana! — Carlos se aproximou com seu cavalo caramelo.
— Vamos Carlos, só um mergulho. — antes que ele pudesse discordar, a Fúria Branca seguiu os meus comandos para correr em direção ao lago.
Meu cão de guarda — vulto Carlos —, correu atrás de mim. Não conseguia parar de rir enquanto cortava o vento, sentindo o toque gelado que refrescava a minha pele que ardia com o sol do verão. Quando chegamos no lago, desci do meu cavalo e levei a rédea até um galho perto da água para que ele se refrescasse também. Tirei o meu chapéu de couro preto e o meu colete jeans escuro.
— Vai mesmo entrar? — Carlos apareceu descendo o seu cavalo e o deixou ao lado de Fúria Branca.
— Eu vim aqui para isso… — fui tirando minhas botas, meias.
— Você não está pensando em nadar nua? — Carlos virou de costas para mim e dei uma risada anasalada.
— Como se você não tivesse já nadado comigo.
— Tínhamos seis anos naquela época, as coisas mudaram agora.
Carlos sempre viveu na fazenda com seu pai, sua mãe havia morrido um ano depois que ele nasceu, seu pai o criou muito bem. Um rapaz educado, gentil, firme — apesar de nunca conseguir me segurar debaixo das saias de minha mãe ou nas asas do meu pai —, por esse motivo meu pai o paga para ficar do meu lado. Quando tínhamos seis anos, fugimos para ficar nadando no lago e geralmente estávamos sem roupas. Crianças, sem medir as consequências, brincando na água que às vezes estava com a correnteza muito forte. Nossos pais ficavam loucos conosco, Carlos chegava a ficar de castigo, indo dormir cedo e sem andar a cavalo.
— Você não tem nada de novo do que já vi debaixo de suas roupas — vou tirando minha calça jeans e jogando-a ao lado do meu chapéu e bota. — Pode ficar de costas então.
Após tirar minha camisa, ficando apenas de calcinha e sutiã, entrei no lago. Não está tão frio como imaginei, por conta do calor está morno. Mergulho para o fundo, prendendo a respiração, o lago abraçou o meu corpo dando leves choques em minha pele pelo contraste de temperatura. Ao voltar para a superfície, vi Carlos discutindo com um rapaz, um pouco mais alto que meu amigo, cabelos molhados, aparentando ter a nossa idade.
— Você que está invadindo minhas terras — o rapaz vociferava, batendo no peito —, o que faz aqui então com seus cavalos?
— Ele só está me vigiando — respondi sem sair do lago.
— Senhorita, não saia daí! — Carlos colocou a mão sobre os olhos — Inferno, você não olhe para ela. — vociferou colocando as mãos sobre o ombro do rapaz, e o virando deixando suas costas para mim com sua b***a branca amostra.
Levei minha mão sobre a boca para não rir da situação, mergulhei de costas para ajeitar meus cabelos e passei as mãos neles para deixá-los alinhados. Enquanto os dois ainda discutiam, antes por causa da fazenda e agora por minha causa.
— Tem como vocês vão parar de discutir? — perguntei saindo do lago sem me importar se Carlos iria me ver de roupas íntimas ou o rapaz nu iria me medir com os olhos.
— Oh, Fabiana, seu pai vai me matar. — Carlos correu até as minhas peças de roupa e entregou na minha mão com os olhos fechados — Vá, se vista logo.
— Então seu nome é Fabiana.— o rapaz nu foi se aproximando de mim, para não olhar suas partes íntimas o olhei em seus olhos — Prazer, Pedro Rodríguez. — ele estendeu a mão para mim e fiz o mesmo dando um aperto de mão firme — Ele é seu empregado? — queria saber, apontando para meu amigo.
— É do meu pai, por? — Arqueei uma sobrancelha.
— Só para saber e dizer que estão invadindo a propriedade do meu pai.
— Até onde eu sei, o lago fica entre as duas terras, não tem problema algum nadar aqui — apontei para o lago de águas cristalinas, conseguindo ver o fundo dele com as pedras cinzas e pequenos peixinhos nadando à procura de comida.
— O lago faz parte da fazenda Rodriguez há anos. — brandou com um sorriso ladino.
— Meu pai comprou essas terras há uns dez anos, deveria se informar antes de arrumar confusão com os funcionários do senhor Torres.
— Acredito que tenha ocorrido um engano. — franzindo o cenho continuou — Nas escrituras o lago e boa parte desse lado faz parte das terras de Rodríguez.
— Converse com seu pai a respeito disso e não arrume confusão conosco. — as palavras saíram secas enquanto me vestia com dificuldade, por conta da pele molhada.
— Meu pai veio ao óbito faz quinze dias, Fabiana, acredito que não tem como resolver esse tipo de coisa com ele. — seus olhos brilhavam com lágrimas que formaram pelas lembranças que devem ter surgido em sua mente.
— Meus sentimentos, Pedro. — abaixei o olhar e respirei fundo.
Sentindo uma pontada de culpa, não sabia o que estava acontecendo com a família Rodrigues, mas agora fazia total sentido estarem com dificuldade financeira e a mudança repentina para os Estados Unidos.
— Estarei conversando com os advogados do meu pai, talvez eles saibam o que está acontecendo.
— É o melhor a se fazer. — Carlos parou ao meu lado quando finalmente coloquei as mangas da camisa e fechei o botão da calça.
— Te verei na feira? — Pedro não tirava os olhos dos meus, com aquele sorriso ladino após morder o canto do lábio inferior.
— Acredito que sim — minha voz saiu firme e coloquei meu colete, Carlos entregou minhas botas e colocou meu chapéu no topo da minha cabeça.
— Então não vemos lá — aproximou de mim tocando seu dedo indicador embaixo do meu queixo, fazendo levantar o meu olhar para ele, passou o dedão no canto dos meus lábios —, foi um prazer em te conhecer Fabiana Torres.
Fiquei catatônica com a atitude do filho do Rodríguez. Nunca o tinha visto, sempre vivia dentro de casa e m*l saía para brincar com os meninos da redondeza para brincar no meio das uvas, ou pisar nelas para fazer vinho. Apesar que seu pai criava cabeça de gado, nem ao menos ele corria com o cavalo atrás dos animais. Depois que se mudaram para os Estados Unidos, nunca mais ouvi falar dele, provavelmente teve bons estudos e acredito que não irá durar muito tempo na fazenda. Tem cara de querer ser doutor e não cuidar do que o pai deixou.
— Fabiana, seu pai não vai gostar de saber disso. — Carlos me fez voltar para a realidade. — Como esse rapaz ousa te olhar daquele jeito?
Olhei para trás, por cima dos ombros, vendo Pedro mergulhando no lado e voltando para o lado de suas terras indo em direção a suas peças de roupas. Desta vez o vejo nu, sentindo um frio surgir em minha espinha e espalhar por todo o meu corpo. Realmente, tenho que concordar com Carlos, o corpo de um rapaz muda tanto quanto o de uma mulher aos quinze anos.
— Vamos, sua mãe deve estar ficando louca atrás de você.
— Que tanta insistência, Carlos. — tirei a mão dele que segurou meu braço para puxar em direção dos nossos cavalos.
— Não deveria andar com aquele rapaz. — vociferou, cerrando os punhos, me olhando fixamente.
— Qual o seu problema, Carlos? — aproximei dele, nossos rostos ficaram um de frente para o outro, meu coração disparou ao sentir a respiração dele tocando em minha pele — Então, Carlos? Qual o raio do seu problema?
— Eu… — ele gaguejou e se afastou de mim — Precisamos ir.
Subiu em seu cavalo e esperou por mim, para que eu fizesse o mesmo e partisse em direção da mansão da fazenda Torres.