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2667 Palavras
Adonis Kappas — Quando disse que precisava falar comigo com urgência, achei realmente que estava morrendo — digo, fazendo graça para uma Flávia que me olha embasbacada. — Quando eu estiver morrendo de verdade, não chamarei você. — Arqueio as sobrancelhas, segurando o riso.  — Por que não?  — Porque quando eu for morrer, é porque já chegou a minha hora e você só iria atrapalhar. — Agora eu me confundi todo. Eu simplesmente junto as sobrancelhas, demostrando toda a minha confusão.  — Como?  — Adonis, por favor, não seja inocente — diz irritada. — Homem gostoso e inocente é o fim! — rosna com irritação, eu explodo em uma gargalhada. A Flávia é realmente hilária. Quando saí de casa totalmente desanimado essa manhã, não imaginei que daria boas gargalhadas. Agora estou aqui, almoçando com minha amiga do tempo de colégio, que não tem filtro.  — Que bom que faço algumas pessoas rirem — resmunga com um tom irônico.  — Sim, você faz. — Ela respira fundo.  — Eu soube do roubo. — Flávia diz, agora ficando séria e o meu humor abaixa a bola rapidinho. Eu me escoro na cadeira e encaro a morena do outro lado da mesa. — Adonis, eu tenho uma proposta para te fazer. Uma proposta que levará o seu sonho seguir adiante. — Ok, isso me interessa. Penso, levando a mão a barba e como de costume, dou uma leve coçadinha nos pelos, depositando toda a minha atenção na Flávia.  — Manda — peço.  — Tenho uma chefe viciada em trabalho. Ela m*l se alimenta e quando faz, só come besteiras. No seu último evento, a Agnes passou muito m*l. As orientações médicas, são de que tenha uma boa alimentação ou, bom… — Ela faz uma pausa. — Quero contratá-lo para ser o cara que cuidará da alimentação da minha chefe — diz e eu bufo no mesmo instante. Não nasci para ser cozinheiro. Sou um chef, um chef renomado da cozinha sofisticada. Não estudei como um louco, para ser a babá de uma empresária viciada em trabalho. Resmungo internamente.  — Flávia, olha só… — Tento protestar.  — Não, espera! Deixe eu terminar. — Ela me corta. — Adonis, essa é a sua oportunidade, cara, pensa direitinho. Pagarei o triplo que um chef ganharia em qualquer restaurante mais aclamado desse país. — Solto um riso irônico.  — Flávia, pagar o triplo para esse tipo de serviço é no mínimo absurdo! — rebato. A mulher me lança um olhar petulante e eu a olho por um tempo. Ela não pode estar falando sério, né? Isso é loucu…  — Adonis, presta atenção, você ganhará o triplo para fazer apenas três refeições principais e ter a chance de realizar o seu sonho. O que você quer mais? — Meu Deus! Ela está falando sério! Penso completamente surpreso. Eu me ajeito na cadeira, inclino o meu corpo sobre a mesa, e apoio os meus braços nela, olho bem nos olhos da Flávia e suspiro baixo.  — Você está realmente falando isso? — indago, ainda sem acreditar.  — Sim. — Volto a coçar a barba e me encosto na cadeira mais uma vez. O triplo durante um ano, me ajudaria e muito. O meu sonho ao meu alcance mais uma vez. É claro que eu mesmo faria os reparos no prédio, mas daria para pagar a Andréa, e ela faria toda a parte da ornamentação e design.  — Aceito! — digo sem titubear e Flávia sorri vitoriosa.  — Ótimo! Brindaremos então? — pede entusiasmada. Sorrio. Erguemos os nossos copos, o meu de cerveja e o dela de suco, pois segundo a Flávia, ela não bebe em serviço.  — E quando começo essa "aventura"? — pergunto, levando o copo a boca.  — Hoje mesmo — Ela diz, e o copo para um pouco mais da metade do caminho da minha boca. Mais um pouco e com certeza eu me engasgaria.  — Mas só me resta a hora do jantar — protesto. Ela dá de ombros.  — Nem isso, Agnes tem um evento essa noite — avisa.  — E, então?  — Você precisa se mudar e se organizar, para ter como…  — Espera, me mudar, para onde? Por quê? — A corto exasperado, ela bufa de modo audível.  — Você precisa ir morar na cobertura da Agnes, Adonis.  — O quê? — Praticamente grito a pergunta. — É uma maneira de manter os horários, só isso. Estando lá dentro não haverá atrasos e nem eventualidades. O almoço deverá ser servido na empresa, a Agnes não larga aquilo por nada nesse mundo, a não ser que tenha a ver com trabalho. E o jantar, será servido assim que ela pôr os pés em casa. Ou seja, você terá que estar lá, não importa a hora, entendeu? — Estou pasmo! Então, terei que abdicar da minha liberdade, para poder realizar o meu sonho, é isso? Eu não respondo, apenas a olho por longos minutos. Preciso pensar se isso vale mesmo a pena.  — Adonis, pensa bem, é o seu sonho e você trabalhará com o que gosta — insiste.  — Sei, mas me mudar?  — Isso é só um detalhe. — Um detalhe, isso é verdade. Poxa! Não posso desistir do meu sonho tão fácil assim. Cozinhar é a minha vida, a minha arte, e o bistrô seria a minha realização. Que m*l haveria passar alguns meses na casa dessa louca, compulsiva por trabalho? — Tudo bem, eu aceito o trabalho — digo finalmente. Flávia escancara um sorriso. — Ótimo! Prepararei os documentos e você, prepare a sua mudança. Esse é o endereço. — Ela arrasta um papel cor de rosa pelo tampo de vidro da mesa, até a metade dela e eu o pego olhando o endereço com admiração.  — Avenida das Flores? — pergunto, olhando a Flávia por cima do pedaço de papel. — Sempre quis conhecer esse lugar, dizem que ele é fantástico.  — Sim, é uma pena que Agnes não saiba aproveitar o bairro em que mora. Aquilo lá é lindo! — sibila e faz sinal para o garçom. O cara chega à mesa em menos de dez segundos e ela lhe entrega um cartão n***o, com letras douradas; OuroCard. O homem sai com um sorriso satisfeito.  — Por que não dividimos a conta? — sugiro e ela dá de ombros. — Na próxima você paga sozinho — retruca, piscando um olho. Rolo os olhos em resposta. Minutos depois estamos saindo do restaurante. Flávia segue direto para a empresa, e eu direto para o meu apartamento. Preciso me organizar, para um trabalho fora do comum. ┈──∙✿∙∙✿∙──∙┈    Olho o meu pequeno apartamento, cada pedacinho dele. O lugar é aconchegante e tem uma decoração simples, mas é o meu lugar, o meu cantinho. Decido preparar apenas uma mochila, com algumas peças de roupas, material de higiene pessoal e um par de sandálias. Vai que não dê certo para mim lá. Na minha cozinha pego alguns acessórios que não me separo de jeito nenhum. Vai que essa maluca compulsiva por trabalho não tenha o que eu preciso. Essa mulher dever ser uma velha, de pelo menos cinquenta anos. Não conheço uma pessoa jovem que não goste de sair para curtir, que queira viver entre quatro paredes, assinando papéis.   Ponho a mochila nas costas e a maleta de acessórios de culinária apoiada em meu braço e subo na moto. Está na hora de conhecer o meu novo espaço de trabalho. Não demora muito e eu estaciono a moto em frente a um prédio luxuoso. Ok, já estive em muitos prédios de luxo, mas esse aqui é… uau! Chego a sentir receio de entrar no edifício e ser barrado só por conta da minha roupa. Definitivamente um jeans rasgado e desbotado, uma camiseta branca e uma jaqueta de couro cor de caramelo, não é roupa para tal ambiente. Suspiro e sigo, observando as pessoas me olhar torto. Que se danem, roupa não é rótulo, meu bem! Ando em direção da recepção sofisticada e uma moça alta e magra, de cabelos negros e lisos me lança um sorriso profissional.  — Boa tarde, eu me chamo Adonis Kappas — Começo a falar, mas sou interrompido.  — Hum! o chef. — Ela diz, me olhando de cima a baixo e abre um sorriso satisfeito.  — Isso, o chef — confirmo e o seu sorriso se amplia.  — Último andar, senhor Kappas. É o único apartamento nesse andar. Já estão lhe aguardando — informa, e eu assinto em concordância.  — Obrigado! — Entro no elevador, que tem as paredes espelhadas e sigo direto para a cobertura, me sentindo um tanto nervoso. Eu hein! Não é a primeira vez que faço esse tipo de serviço, mas esse em especial, está me deixando intrigado. Ouço o tim do elevador, avisando que cheguei ao meu destino e quando as portas se abrem, sou abraçado pelo luxo e exuberância do imenso hall. O piso de porcelanato branco lustroso, mais parece um imenso espelho. No canto da parede há um imenso vaso chinês, exibindo as cores azul-royal e branco, com alguns desenhos negros que não sei decifrar. E há também uma palmeira colonial, embutida em um vaso que m*l lhe cabe lá dentro, dando um certo charme ao ambiente. Ergo a cabeça para encontrar o teto branco, adornado por lustres de cristais. Uau, se o hall é assim, imagina lá dentro! Com certeza, é uma senhora que mora aqui. E uma senhora de excelente gosto. Penso.  — Senhor Kappas? — Uma voz feminina soa bem atrás de mim, me despertando dos meus pensamentos. Eu me viro, para olhar a minha anfitriã e encontro uma jovem de estatura baixa, de pelo menos um metro e meio. Morena, de cabelos curtos, corte moderno e rente a nuca. Ela usa roupas simples, contrastando com todo o luxo do lugar.  — Sim! — respondo.  — Estava lhe esperando, senhor.  — Você, não gosto de formalidades.  — Ok, você, então. O seu quarto fica no segundo andar, ao lado do quarto da senhora Agnes.  — Espera, não era para ser um quarto de empregados? — Interrompo sua fala. A mulher me olha rapidamente e começa a subir os degraus, e eu sigo logo atrás.  — A senhora Agnes não tem quartos de empregados, Adonis, até porque ela não tem empregados.  — Como assim? — pergunto, olhando ao meu redor. O apartamento dá dez do que meu, e eu me pergunto como ela mantém tudo limpo e organizado sem empregados?  — A senhora Agnes quase não para em casa. Então ela contrata os serviços do hotel mesmo. Eu e uma equipe mantemos a casa sempre limpa e organizada, e o hotel se encarrega das roupas. E como ela não come em casa… — Dá de ombros. Entendi. Ocupada demais para se alimentar, essa parte eu já conheço. A garota, que eu ainda não sei o nome, abre a porta ao lado do primeiro quarto, que fica no início do corredor e mais uma vez fico impressionado com a decoração, dessa vez totalmente masculina.  — A senhora Flávia pediu que deixasse o quarto com a sua cara, assim poderá se sentir mais em casa — explica, estendendo o braço para dentro do ambiente, me dando passagem. Ela acende a luz, e os detalhes surgem na minha frente. Uma cama redonda, sobre uma base iluminada, um closet branco, com detalhes pretos, uma cômoda do outro lado da mesma cor. Acima da cabeceira da cama há um enorme quadro geométrico, exibindo os tons cinza-chumbo, com branco e preto e na parede ao lado da porta há uma rack, com um som sofisticado e bem acima desse, um painel em madeira exibe uma enorme TV slim. Uau, ela realmente quer que eu me sinta em casa!  — Aqui é o banheiro, Adonis — Ela diz, atraindo minha atenção para si. Noto a garota olhar ao meu redor. — Onde está a sua bagagem? — inquire especulativa. Dou de ombros.  — Só trouxe uma mochila — falo, erguendo o objeto. Ela me olha esquisito.  — Está brincando comigo? A senhora Flávia disse que viria para ficar.  — Ainda não sei se ficarei definitivamente. Ficarei uma semana e se gostar, vou trazendo minhas coisas gradualmente. Devo ter os meus dias de folga, que faço questão de passar em meu apartamento, então… — Volto a dar de ombros e ela concorda, fazendo um sim, com a cabeça.  — Entendi, vou te mostrar a cozinha — diz, indo para porta. Largo a mochila em cima da cama e sigo bem atrás da garota, segurando a minha maleta em mãos.  — Estamos em desvantagem aqui — falo observando a garota andar na minha frente pelo corredor. Ela me olha por cima do ombro. — Você sabe o meu nome, porém eu não sei nada sobre você.  — Claro, me desculpe! Me chamo Rebeca e sou a chefe de equipe da limpeza do hotel. A cozinha é por ali — diz, descendo o último degrau e aponta para o seu lado direito. Aproveito para dá uma olhada rápida na sala. Sofás macios, camurçados e brancos, tapetes felpudos da mesma cor, quadros caros nas paredes e algumas hortênsias dando cor a um ambiente que exibe um branco no meio de tanto luxo. Mas, parece um ambiente triste e impessoal. Diferente do que eu imaginava, a cozinha é enorme e muito, muito bem equipada. É o sonho de todo cozinheiro iniciante. Há alguns móveis suspensos nas paredes e balcões enormes abaixo deles, com tons de vermelho-escuro. No centro da cozinha tem um largo e comprido balcão de mármore branco e lustroso, e acima dele tem um suporte, exibindo algumas panelas lustrosas de vários tamanhos. Os eletrodomésticos cor-de-prata, se perdem nos tons vermelho e branco do ambiente.  — Esse é o seu local de trabalho, Adonis. Embora a senhora Agnes não passe muito tempo em casa, ela mantém tudo bem equipado. E de verdade, não vejo a hora de ver esse cômodo em movimento — Rebeca ralha, e mais uma vez ela tem a minha atenção. E ela tem toda razão, aqui não falta nada.   — Onde posso pôr o meu equipamento? — pergunto, erguendo minha maleta. Ela olha para o objeto, como se visse um ET na sua frente e volta a dá de ombros.  — O ambiente é seu, você decide onde pôr — fala com desdém.  — Ok.  — Bom, já fiz a minha parte, agora preciso ir — avisa, dando alguns passos para fora da cozinha. Ir, para onde?  — Como assim? — Largo a maleta sobre o balcão e vou atrás da baixinha.  — Preciso ir, Adonis, está no meu horário.  — Mas, eu pensei que…  — Eu disse que a senhora Agnes não tem quartos de empregados, no entanto, ela não os mantém aqui — repete o óbvio. Claro que não. Essa velha compulsiva por trabalho, gosta do silêncio, da solidão e de ficar sozinha. Deve ter um gato aqui em algum lugar para compensar sua vida solitária dela. Resmungo internamente, olhando a garota entrar no elevador e as portas se fecham em seguida. Giro em meus próprios calcanhares e me vejo como um pontinho na imensidão dessa casa. Grande demais isso aqui. Volto para a cozinha e começo a organizar o meu material em algumas gavetas, e em alguns suportes também. São materiais que não abro mão, kits de facas para cortes, alguns temperos, que com certeza não tem aqui na sua bat-caverna, alguns molhos e panelas antiaderentes. Minutos depois, volto ao quarto e tomo um banho demorado, e enquanto a água molha o meu corpo, penso no banco e em tudo o que aconteceu nas últimas horas. Como eles foram tão descuidados assim? Meu Deus, era muito dinheiro, para tanta displicência. Faço uma nota mental de ligar para o banco no dia seguinte e descobrir como andam as investigações. Quando saio do banho, já é de noite. Ponho apenas um short folgado e me deixo cair na cama, segurando o celular e ligo para Flávia em seguida.
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