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2941 Palavras
Simon amava nadar, mas águas profundas o assustava por algum motivo que ele desconhecia. — Vossa excelência viera — uma voz feminina levemente rouca disse e Simon virou-se para ela. Por algum motivo o coração dele disparou de um modo do qual jamais disparara, uma sensação boa e ao mesmo tempo agonizante passando por seu corpo. Ele não conseguia ver o rosto dela que era ofuscado pela luz do sol, ele somente via com clareza o vestido branco dela. Branco. — Disse-lhe que viria, vossa majestade — Simon disse fazendo reverência. Ele se assustou, sua voz falara por si própria e seu corpo se movimentara por si próprio, como se ele estivesse assistindo a si mesmo. Ele também reparara em sua roupas, eram antigas, mas ele não sabia decifrar de qual século aquele tipo de roupa era típica. — E disse-lhe para me chamar de Safira — a mulher incitou. Era engraçado o fato de que havia flores por todos os lados, mas o único aroma que preenchia as narinas de Simon era o perfume que emanava de Safira. — Creio que não me é permitido tal atrevimento — disse Simon. Safira aproximou-se dele. — Então atreva-se, Peter — ela disse. Peter? Um som alto assustou Simon e ele se virou assustado. Ele estava de volta ao banheiro da escola. Um garoto, aparentemente mais novo do que ele entrara e o olhou com curiosidade. — Acho melhor você fechar a torneira antes que transborde — disse o garoto com certa ironia enquanto entrava em uma das cabines do banheiro. Simon fechou a torneira que de fato já estava transbordando, molhando o chão aos seus pés. Simon virou-se em seus calcanhares e saiu rapidamente do banheiro. Saindo da escola. Ele necessitava de ar, de correr, ou fugir. Ele correu para a rua, sem saber exatamente para onde estava indo. Talvez para um psiquiatra? Ou um exorcista mesmo. Ele não estava aguentando seja lá o que estivesse acontecendo com ele. Isso era loucura, ver coisas e ouvir coisas que não existiam. Era demais, até para ele que vivera a vida toda sob pressão. Ele caminhou em linha reta, atravessou a rua rapidamente andando pela calçada, seus olhos foram atraídos para o lado e vira uma loja de Whisky e por algum motivo pensara em atravessar a rua em movimento e entrar na tal loja, mas Simon não bebia, então para que aquela ideia passara em sua mente? Ele continuou a andar, passava pelas pessoas ao mesmo tempo que tentava decidir o que iria fazer. Se ele passasse em um psiquiatra seus pais provavelmente descobririam, a não ser que ele tivesse um álibe. Haile talvez? Mas isso significaria que ele teria que contar tudo à ela. Não. Era arriscado demais contar à alguém. Simon virou a esquina rapidamente e no mesmo momento ouvira uma voz atrás dele, muito perto, o fazendo parar de andar abruptamente. "Peter" — ela disse com aquela voz que ele jamais esqueceria depois daquele dia. Safira. Ele virou rapidamente, mas ela não estava lá. — Não — Simon sussurrou para ele mesmo atordoado. O garoto correu e entrou no primeiro beco que encontrara. Ele encostou as costas contra a parede úmida ao lado de uma lixeira que emanava mau odor. Simon então se agaixou no chão e entrelaçou os dedos em seus cabelos castanhos ondulados quase arrancando-os. Ele realmente estava ficando louco. Agora ele também ouvia vozes, tão clara e nítida quanto qualquer outra voz. E finalmente ele se deixou chorar. Ele não sabia o que fazer, com quem falar ou como agir. Após alguns minutos ele enxugou as suas lágrimas e parara de chorar. Ele só tinha uma saída e esperava que fosse adiantar em algo, pois ele não aguentava mais aquela situação. Simon pegara o seu celular e ligou para a pessoa que no segundo toque atendera preocupada perguntando aonde ele estava. O rapaz encarou a sua frente seriamente ao encarar um ponto fixo no chão. Seu braço livre estava com o cotovelo apoiado em seu joelho, ao mesmo tempo em que seus dedos giravam o anel de prata em seu dedo médio. — Hailee — ele disse com a voz rouca, sua mão apertando o celular contra sua orelha — Eu preciso da sua ajuda! Harley abriu a porta do The Whisky Bar fazendo o sino soar. A garota adentrou o local rapidamente, o desespero estampado em seu semblante. Michael que estava apoiado sob o balcão quando olhara ao local onde Harley se encontrava. — Você não ia almoçar? — ele perguntou com um sorriso que se desfês no mesmo momento em que ele percebera que Harley estava com os olhos à beira das lágrimas. — Hey — ele disse se aproximando e a tocando nos ombros — O que houve? Ela balançou a cabeça de um lado para o outro. — Acho que estou ficando louca, Mikey — ela disse, sua voz soando embargada. Michael virou a placa na porta de vidro que indicava que eles estavam fechados no momento. Ele precisava conversar com Harley. O bar estava quase vazio, exceto por um casal que conversava animadamente à algumas mesas mais distantes deles. Mikey conduziu Harley até uma das mesas e sentou-se de frente para ela. — O que aconteceu? — ele perguntou preocupado, pois conhecia Harley bem o suficiente para saber que ela nunca se abalava por nada, até aquele momento — Você saiu daqui normalmente dizendo que iria almoçar e volta pra cá muito rápido e totalmente transtornada. Harley mordeu a parte interna de sua boca e soltou o ar pelo nariz. — Eu o vi — ela disse mexendo em suas unhas pintadas de verde escuro. Michael franziu o cenho. — Viu quem? — ele perguntou. — O Peter — ela disse e finalmente olhou o amigo nos olhos. — 'Ta de s*******m — ele disse desacreditado. Harley revirou os olhos transtornada. — Estou falando sério — ela disse mais firme — Ele estava do outro lado da rua e andava entre as pessoas. Eu tentei alcançá-lo, mas o perdi de vista e ele desapareceu. — Tipo, sumiu no ar? Evaporou? — Sei lá, tipo isso — ela tapou o rosto com ambas as mãos apoiando a ponta de seus cotovelos sob a mesa — Eu estou louca. Michael arqueou as sobrancelhas. — E por que você acha que está louca? — Por que acho que agora não são mais sonhos — disse com a voz abafada pelas próprias mãos — Eu o vi dentre a multidão, eu acho que ele foi obra da minha imaginação. — Não poderia ser alguém parecido? — Não — disse ela tirando as mãos do rosto e deixando as palmas sob a madeira fria da mesa — Eu o reconheceria em qualquer lugar. — Mas existem pessoas que são praticamente nossas cópias exatas — disse dando de ombros — Poderia ser um sósia. Harley fechou os olhos e grunhiu ao jogar a cabeça para trás. Ela só queria que aquilo parasse. — Era ele — disse ela ao voltar o olhar para Michael — Eu sei que era ele. Só não sei se era real ou obra da minha imaginação. Michael se reencostou contra a cadeira e depositou suas mãos sob seu colo cruzando os dedos entre si. — O que você quer? — ele perguntou sério. — Como assim? — ela não compreendeu a questão. — O que você quer? — repetiu — Quer que ele seja real ou sua imaginação? Que tipo de pergunta era aquela? Harley queria que parasse. Os sonhos, tudo. Ela queria a sua vida depressiva e monótona de sempre de volta. — Eu só quero que isso pare — disse ela firmemente. Michael assentiu sem falar nada e encarou a rua através da grande janela de vidro atrás de Harley. — Em o que está pensando? — ela perguntou. — Ainda acho que você deveria consultar um profissional — respondeu sem olha-la diretamente. — Um psiquiatra seria mais lógico — disse rindo com escarnio, pois sabia de que tipo de "profissional" ele estava falando. O garoto de cabelos vermelhos a olhou sem sorrir. — Estou falando sério — disse ele — Acredito em espiritualismo e acho que isso pode ter a ver com algo maior. — Algo maior? — ela perguntou entediada, sua voz saindo grave. — Sim. — Tipo o que? — Não sei — ele disse — Só sei que sinto isso. Harley bufou. — Isso é pura idiotisse. — Pra quem queria de qualquer jeito se livrar desse Peter e sonhos esquisitos você parece bem na defensiva. — Não estou na defensiva, só não acredito que ter uma sessão com uma medium vá me ajudar. — E se ajudar? E se. Aquilo pairou no ar entre os dois que se encaravam. Harley não queria acreditar que estava ficando louca, mas a partir daquele dia as coisas estavam mudando. Na última semana ela achara que estava sonhando com alguém que sua mente criara após assistir algum filme, algo que ficara em seu subconsciente de alguma maneira fixando-se no cérebro, mas naquele mesmo dia ela estava acordada quando o vira passar entre as pessoas pelas ruas de Seattle. Ela suspirou sem acreditar que estava levando em consideração o que Michael a estava propondo. Harley suspirou dando-se por vencida. — Como isso funciona? — perguntou. Michael esboçou um pequeno sorriso e desencostou-se da cadeira se inclinando para frente e apoiando os cotovelos sob a mesa. — Isso é um 'sim'? Você vai consultar a Madame Norah? — É esse o nome da aberração? — pergunta entediada como sempre. — Não a chame assim — Mikey disse soando ofendido e Harley apenas o encarou — Você vai consultar ela sim ou não? — Vamos ver no que essa palhaçada vai dar — ela disse e pôde ver o único casal no bar se levantar e caminhar lado a lado de mãos dadas em direção à saída, e passarem ao lado da mesa onde Harley e Michael estavam sentados. Ela voltou a atenção para Mikey — Quando? — Hoje, após o nosso expediente — disse com um sorriso indecifrável no rosto. A porta fora aberta e o casal saiu do bar fazendo a corrente de ar tocar a pele de Harley arrepiando-a e balançando os cabelos de ambos. ... Simon estava sentado na beira da calçada. Ele encarava o nada e girava o seu celular distraidamente. Sem saída. Era tudo o que ele pensava. Sua vida estava acabada e ele nem ao menos compreendia como chegara naquela situação. Um carro parou à sua frente, mas ele não reparou no automóvel, então Haile buzinou o despertando de seus desvaneios. Shawn levantou-se e entrou no carro, sentando-se no banco do passageiro e fechando a porta segundos antes de Haile dar partida no carro. O silêncio se apoderou no automóvel. A garota estava agoniada, primeiro pela sua curiosidade que sempre a deixava a flor da pele e segundo porque era nítido que Simon não estava bem. Haile havia reparado que na última semana ele andava um pouco distante dos amigos, mas ela achou que era pressão de seus pais e preocupação devido as provas finais do bimestre. Mas vendo-o agora atentamente ela percebera que ele estava acabado. Como ela não percebera nas olheiras avermelhadas no garoto? Ou as bochechas sempre coradas agora pálidas? Ou nos olhos que antes brilhantes agora refletiam desespero, medo e tristeza? Haile conduziu o carro até o estacionamento de um supermercado qualquer, que ela nem ao menos vira a placa, e estacionou o veículo na primeira vaga que encontrara. A garota desligou o carro e virou-se para Simon que encarava à sua frente distraído, provavelmente perdido em seus pensamentos. — Okay — ela disse — Você me ligou, pediu a minha ajuda e foi quase impossível convencer a Elliot e o Carter de que você estava bem e só me chamou porque precisamos resolver um assunto de família. Agora me fala o que diabos está havendo porque eu estou à beira de um colapso nervoso de curiosidade. Simon, dentre todos os problemas, riu. Mas então os risos se transformaram em gargalhadas e com as gargalhadas vieram as lágrimas e então ele estava chorando novamente. — Simon... — Haile o puxou em direção ao seu corpo e o envolveu em seus braços, deixando ele chorar. Sua curiosidade substituída por pânico. O que será que havia acontecido com o seu amigo? — O que houve, muffin? — perguntou após ele se recompor minimamente. — Está tudo acabado — ele disse contra o ombro dela enquanto sua amiga acariciava os seus cabelos. — O que está acabado? — Haile perguntou. — A minha vida — disse ele. Haile franziu o cenho definitivamente confusa. Simon tinha uma vida perfeita. Ótimas notas escolares, talentoso, possuía uma namorada que trabalhava como modelo, seu grupo de amizade era dos mais descolados e populares da escola. Sua família era uma das mais poderosas, e eles o amava de uma maneira até quase doentia. Então como a vida de um adolescente de dezessete anos poderia estar acabada se nem ao menos começou? Então algo se passou pela mente de Haile a fazendo entrar em pânico mais ainda. Simon poderia estar com alguma doença séria e com poucos dias de vida. Essa possibilidade fez o seu coração disparar freneticamente. — Simon? Você está doente? O que houve? — ela disse tudo de uma vez, soando completamente desesperada. Ele se afastou dela e a olhou, os olhos dele estavam vermelhos e inchados, assim como o seu nariz e queixo. — Eu preciso te contar algo — ele lambeu os lábios e prosseguiu — Mas você precisa me prometer que em hipótese alguma vai contar para alguém. Mesmo com o coração prestes a sair pela boca Haile conseguiu revirar os olhos. — Ah, não me venha com essa, cabeça de Muffin — ela disse — Eu contei para a Tia Katlyn que foi você quem jogou a Molly na lama no acampamento de 2008? Contei para o Cory que você descobriu que ele tinha revista playboy dentro do guarda roupa embaixo da caixa de livros religiosos? — Simon soltou um curto riso com as memórias — E contei para a sua mãe que você perdeu a vingindade ano passado com a Elliot no quarto dos seus pais? Sou a pessoa mais confiável na sua vida e você já deveria saber disso. Simon ponderou o que ela acabara de dizer e concluiu que era verdade. Se Haile contasse metade das coisas que ele havia confidenciado à ela ele estaria em colegio interno rigoroso só para garotos na Alemanha para aprender a ter boas maneiras. — Agora fala — ela disse. Simon olhou para a frente onde era possível ver os prédios ao longe, cobertos pela neblina que se aproximava. Por onde ele começaria? Nem ele entendia o que estava havendo. Então decidiu começar por onde tudo se deu início. — Começou à uma semana — ele falou perdido em pensamentos — Eu estava no meu quarto fazendo o dever de casa, da aula de história, então eu vi uma fotografia no livro e eu vi pela primeira vez. — Viu o que? — Haile perguntou após alguns segundos do qual Simon não dissera nada. Ele a olhou. — As imagens — disse ele. Haile arqueou uma sobrancelha. — Eu não 'to entendendo p***a nenhuma, para de fazer suspense e fala o que está acontecendo. — Eu estou vendo coisas, Haile — ele disse — Imagens, como sonhos, mas só quando estou acordado e agora estou ouvindo vozes de uma mulher também. Sua amiga escancarou a boca e não disse nada. — Eu sei — disse Simon olhando para frente novamente — Eu estou louco. — Ou talvez seja o mais são — Haile disse atraindo a atenção de Simon — Dizem que as pessoas sensitivas são as mais sãs. — Sensitivas? — ele perguntou sem acreditar no que acabara de ouvir. — Você já parou para pensar que talvez seja alguém tentando entrar em contato com você? Um espírito? Agora fora a vez de Simon arquear a sobrancelha. — Espírito? Sério? — Sim. — Aquela mulher é da era medieval — ele disse — Por que só entraria em contato com alguém agora? E mesmo assim, eu não acredito nessas coisas e você sabe disso. — Prefere achar que está louco? — Não — ele resmungou. — Como é a mulher? — Não sei — disse — Eu não vi o seu rosto. Só sei que ela usa um vestido branco horroroso, possui um cheiro bom e seu nome é Safira. — Você odeia branco — Haile observou o que mais lhe chamara a atenção. — É — disse. — Algo mais? — ela perguntou. Simon pensou. — Ela me chamou de Peter. Hailee riu. — O seu maravilhoso segundo nome? Simon a olhou entediado. Até nesses momentos Haile conseguia fazer piada. Simon a adorava por ser assim. — Sim — ele quase riu e balançou a cabeça. — Já gostei dessa mulher sem rosto — Haile disse. — Ela vai ser a cabeça o que? Haile apelidava as pessoas de "cabeça de algo". Simon era o cabeça de Muffin, Elliot cabeça de fósforo, Taylor cabeça de bandana, Carter cabeça falsificada e Astrid cabeça de miojo. Haile definitivamente não tinha o que fazer. Ela pensou por um momento. — Sem cabeça — ela disse por fim. — Sem cabeça? — Simon perguntou rindo. — Você disse que não viu o rosto dela. Não me deu opções. — Você não é normal. — Pelo menos não ouço vozes. — Vai me zoar com isso? — Claro.
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