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1546 Palavras
Acordei com um pulo, o coração disparado feito coelho acuado, e a primeira imagem que me atravessou foi a da bebida: o líquido vermelho brilhando como joia dentro do copo. Levei a mão à cabeça, pisquei, o cabelo todo bagunçado caindo no meu rosto. Não estava no banco de trás de um carro. Sentei devagar, a cabeça balançando, tentando focar. Eu estava num quarto de hotel. E não qualquer quarto — um quarto absurdamente chique, pelo que dava para enxergar sob a luz única e fraca de uma luminária. O que aconteceu comigo? Isso é um sonho? Esfreguei os olhos, grogue, e as lembranças vieram em ondas: Paul, o clube, minhas supostas amigas, o homem que comprou a bebida para mim. O banco de trás do carro. O chão molhado quando eu corri, as escadas para o subsolo, a porta, e tudo o que tinha por trás dela. Essa parte parecia sonho, e eu juraria que não aconteceu… se eu não estivesse deitada entre lençóis macios e um travesseiro aveludado que só caberia num cinco estrelas. E eu ainda estava com o mesmo vestido da noite passada. Soltei um suspiro de alívio — curto, quebrado. Deus, onde foi que eu me meti? Como vim parar aqui? Tá. Eu não posso ficar aqui na cama o dia inteiro. Hora de encarar a bagunça que é a minha vida. — Mas eu não quero — gemi, e tossi. Minha garganta estava um deserto. Ao levantar, vi um copo de água na mesa de cabeceira. Quase peguei, mas parei no último segundo. Chega de aceitar bebida de estranho, nem que minha garganta virasse o Mojave inteiro. Bocejei, estiquei o corpo, botei a língua pra fora igual criança. Urgh. Meus músculos doíam como se eu tivesse sido atropelada por um caminhão. Minha cabeça latejava. Gemei quando tirei as pernas da cama. Fui cambaleando até o banheiro, alisando a queda emaranhada do meu cabelo cor de trigo. Quanto tempo eu dormi? Preciso de um relógio. O mármore frio do banheiro mordeu meus pés. Pisquei forte diante das duas pias — mármore preto, impecável — e vi que eu tinha cor nas bochechas de novo. Dormi bastante, então. Girei as torneiras com força; a água explodiu. Fiz concha com as mãos e bebi, goles grandes, sem elegância. Depois lavei o rosto. A água fria varreu a pele; quando sequei com a toalha, me senti um pouco mais humana. Foi aí que vi: uma escova de dentes novinha e um creme dental colocados ao lado da pia. — Graças ao destino — murmurei, pegando os dois. Escovei forte, quase feroz, como se pudesse arrancar a noite anterior inteira dos dentes. Quando lembrei do Paul tentando me beijar, estremeci e escovei mais. Banho. Precisava de um banho. Deixei a água cair em mim até a cabeça desinchar. Quando saí, eu era quase gente de novo. Bebi mais água; a dor de cabeça foi recuando. Prendi o cabelo como deu e voltei ao quarto. Tinha uma sacola de compras numa cadeira perto da porta. Dentro, uma saia e uma blusa do meu tamanho. Roupas íntimas também. Travei. Atencioso… ou assustador? Provavelmente atencioso — era isso ou vestir a calcinha suja outra vez, e eu tinha zero intenção de fazer isso depois de um banho daqueles. E o meu vestidinho preto de brechó (dez dólares, pechincha) não estava exatamente apresentável. Foi o homem da noite passada que comprou isso para mim? Duh, quem mais? Aposto que ele mandou a secretária pegar. Será que eu ia vê-lo de novo? Ou ele só teve pena de mim, me colocou nesse hotel maravilhoso, deixou roupas para eu não ter que fazer a caminhada da vergonha… e acabou aí, seu ato de bom samaritano do ano? Vesti tudo rápido, envergonhada por ter demorado tanto para sair daquele refúgio. Provavelmente eu já estava estourando a boa vontade de quem pagou. Qual é o horário de check-out? Não queria que cobrassem extra porque lavei o cabelo duas vezes. (O shampoo cheirava tão bem.) E por que não tinha um relógio nesse quarto? Nem puxei as cortinas pesadas — eu estava meio nua trocando de roupa e agora já estava pronta para sair, então dane-se. Dobrei minhas roupas velhas às pressas e abri a porta. — Oh! — soltei um chiado de surpresa. Esperava o corredor do hotel. Dei de cara com outra sala — maior. Onde eu estou? Isso é loucura. Eu estava numa suíte. Daquelas caras. Pelo tamanho… cobertura? p**a merda. A parede inteira de janelas estava escura — vidro blackout, pelo visto — e a sala estava às sombras, sem as luzes acesas. Que horas eram? Dei uns passos para dentro, pensando se eu devia dar um “alô” ou bater em alguma porta interna. — Como você dormiu? — a voz deslizou pela escuridão. — Oh! — levei a mão ao peito. Estou me acostumando com sustos? Não. Numa poltrona perto do bar, estava ele: Damon Ubeli. Lindo. Era o que eu conseguia dizer sem tropeçar nas próprias palavras. — Bem — respondi, com um sorriso tímido. — Eu… dormi bem. Desci os dois degraus para a área de estar, ainda olhando em volta. A sala se estendia na penumbra. A cobertura devia ocupar um lado inteiro do prédio. Cozinha aberta, bar, cantos de estar impecáveis, TVs, e num canto um piano de cauda. Cinzas, pretos, toques de creme. Um catálogo de bom gosto caro. — Gosta do lugar? — ele perguntou, em pé, mãos nos bolsos, meio rosto cinza, meio sombra, me observando. Certo. Eu provavelmente parecia uma caipira. — É… agradável — respondi, e me odeiei por dentro. Agradável? — Quero dizer, é muito chique. — Chique é pior. — Elegante. Quero dizer… muito elegantemente decorado. Alguém me atira agora. Para entrar de vez na área rebaixada, passei por uma estátua — uma figura contorcida em mármore branco. — Essa é minha — ele comentou. Parei, educada. — O hotel me permite decorar do meu jeito. A estátua era de uma mulher, corpo e tecido fino, tudo muito bem esculpido. Parecia grega e perfeita, mas o rosto… havia algo perturbador ali, um traço de juventude doce torcido em medo. Segui adiante, descendo para perto do anfitrião. — Você mora aqui? — perguntei. Ele riu. — Não. Guardo para quando quero… fugir. Claro que guarda. Assenti como se isso fosse normal. Mas, sério, quanto custa um lugar desses? E ele mantém como… o quê? Um ponto de apoio quando fica até tarde por aqui? Ou um lugar para trazer mulheres. Senti o rosto esquentar. — Quer uma bebida? — ele deu um passo; eu recuei, instinto. Ele só virou o corpo e subiu ao bar. — Não, obrigada. Aceitar bebidas de estranhos me colocou nessa situação — falei, balançando a cabeça. Ainda lenta, mas firme. No bar, ouvi vidro tilintar. — Quanto tempo eu dormi? Eu não devo confiar nele. Mesmo tendo me ajudado. Eu não posso confiar em mais ninguém: pai, mãe, amigas, chefe, estranhos. Todo mundo me enganou. Ele soltou uma risada curta. Não c***l, mas do tipo que faz a gente sentir que perdeu a graça. — Acabei de assistir ao pôr do sol. — O quê? — fiquei horrorizada. — Não… — Corri até a janela. — Você pode… clarear isso? Não é possível. Já é noite? Mas… ontem à noite já era noite. — Claro. — Ele pegou um controle e, com um botão, as janelas ficaram transparentes. Eu ofeguei. Fileiras de luzes delineavam arranha-céus em cores artificiais sobre um céu de veludo preto. Eu tinha dormido o dia inteiro. — Ah, não… — levei a mão à testa, totalmente desorientada. Virei para ele; metade do rosto recortada em preto, metade em cinza. — Me perdoe — disse, e eu me surpreendi. Ele não tinha cara de quem pede desculpas. — Deixei você dormir o quanto pôde. As sombras escondiam o rosto, eu não lia expressão nenhuma além do tom. — Garanti que estivesse bem. Alguém ficou aqui caso você acordasse. Quando voltei, você ainda dormia — a voz dele desceu um tom. — Imaginei que você precisava. — Tudo bem — respondi, fraca. — Digo… obrigada. — Dormi o dia inteiro. Alguém ficou comigo — quem? Por favor que não fosse o brutamontes do clube. Eu tinha mil perguntas: quem é ele, por que tão gentil? Engoli todas quando senti o olhar escuro pousado em mim. — Está com fome? Balancei a cabeça num não brusco, lembrando do estômago embrulhado durante a fuga. A memória ainda tinha gosto de ontem. Tarde demais eu lembrei das boas maneiras. Esse homem, obviamente rico, tinha tirado tempo para me checar — e ele certamente tinha um milhão de coisas mais importantes para fazer. — Desculpa. Eu vou sair do seu caminho. Eu… deveria voltar para casa. Nem estremeci ao dizer “casa”. Bem… quase não. Quaisquer que fossem meus problemas, eu decidi: terminei de empurrá-los para esse homem. Ele inclinou levemente a cabeça, me examinando de um jeito que deixou minha boca seca. — Ontem à noite você disse que não tinha uma casa. Senti meus olhos arregalarem. Ótimo. Atira em mim agora. Às vezes eu falo dormindo; parabéns, Rose. Ri sem humor. — Bem… eu trabalhava como babá. — E? Continua...
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