Sienna
Eu tava encolhida na cama, rosto enterrado no travesseiro, chorando tudo que ainda tinha pra chorar depois daquela ligação com meus pais. A voz do meu pai ecoando na cabeça — “venha pra casa AGORA” — a cara de pavor da minha mãe vendo o Coroa sem camisa no vídeo… tudo misturado com saudade, culpa e uma confusão gigante no peito. Eu me sentia tão perdida, tão longe de tudo que eu conhecia, que nem ouvi os passos no corredor.
A batida na porta foi leve, quase tímida.
— Sienna? … Posso entrar?
Era a Lohana.
Eu limpei o rosto rápido com a manga da roupa, sentei na cama, tentei parecer normal.
— Pode… entrar.
Ela abriu a porta devagar, entrou e fechou atrás de si. Lohana é linda de um jeito que intimida: alta, corpo perfeito, cabelo preto liso que parece comercial de shampoo, olho puxado que fuzila. Ela sentou na beirada da cama, me olhando com uma expressão que não era raiva, nem pena.
Era… preocupação?
— Tu tá chorando por causa da ligação com teus pais? — perguntou direto, voz baixa.
Eu assenti, sem graça.
— Sim… eles ficaram assustados. Querem que eu volte pra Austrália já.
Ela deu um suspiro longo, cruzou as pernas.
— Eu ouvi um pedaço. Desculpa, não foi de propósito. Mas… eu entendo eles. Eu também ficaria louca se minha filha tão novinha tivesse sumido numa favela do Rio e aparecesse do lado de um homem como meu pai.
Eu abaixei a cabeça.
— Eu sei que parece loucura. Mas eu tô aqui por um motivo, Lohana. Deus me trouxe.
Ela arqueou a sobrancelha, mas não riu nem debochou. Só esperou eu continuar.
— Eu vim pra missão, pra ajudar com as kids... crianças, na creche, na igreja… mas desde o primeiro dia tudo deu errado. E mesmo assim, eu acabei aqui. Na casa de vocês. Com ele me protegendo. Eu acredito que nada é por acaso. Talvez… talvez eu esteja aqui pra alcançar alguém que ninguém mais alcança.
Ela me olhou fixo.
— Você tá falando do meu pai?
Eu engoli em seco.
— Talvez. Ele… ele tem um coração bom, Lohana. Eu vejo. Na creche, com as crianças, com vocês… ele cuida de todo mundo. Mas ele acha que não tem salvação. E eu… eu não consigo aceitar isso.
Lohana ficou quieta um tempo.
Depois soltou um riso amargo.
— Tu é igualzinha a minha mãe, sabia? Não na cara, mas no jeito. Ela também acreditava que todo mundo podia ser salvo. Que meu pai era um anjo com asas quebradas. E olha no que deu.
Eu senti um aperto no peito.
— Me conta dela?
Ela hesitou, mas contou. Falou da mãe doce, meiga, que cantava pra eles dormirem, que orava todo dia pro marido “voltar pro caminho certo”. Falou como o câncer levou ela rápido, e como o Coroa fechou o coração depois disso. Nunca trouxe mulher pra casa. Até eu aparecer.
— Por isso a gente estranhou tanto você aqui — ela disse. — Não é só porque tu é gringa, novinha, crente… é porque tu lembra ela. E meu pai tá olhando pra você do jeito que olhava pra ela.
Meu coração disparou.
— E… isso é r**m?
Lohana me encarou sério.
— É perigoso. Pra você e pra ele. Tu gosta mesmo do meu pai, Sienna? Ele é perigoso. Perigoso pra c*****o. Ele mata, ele manda, ele não perdoa. Tu tá preparada pra isso?
Eu respirei fundo.
— Eu não sei o que sinto ainda. Mas eu sei que não consigo ir embora. Não agora.
Ela balançou a cabeça, como quem não acredita no que tá ouvindo.
— Tu é louca, garota. Louca de pedra. Mas… sei lá. Talvez o morro precise de uma louca assim.
Ela se levantou, deu um tapinha leve no meu joelho.
— Se cuida. E cuida dele também. Ele não admite, mas tá precisando.
Ela saiu.
Eu fiquei olhando pra porta um tempo longo, processando tudo.
Mais tarde, já noite, eu tava na varanda tomando ar, olhando as luzes do morro piscando lá embaixo. O Coroa apareceu do nada, como sempre faz.
Sem barulho, só presença pesada.
— Vem cá — ele chamou, voz baixa. — Preciso falar contigo.
Eu fui. A gente sentou naqueles bancos de concreto da varanda, de frente pro mar distante. Ele acendeu um baseado, tragou, soltou a fumaça devagar.
— Teus pais querem que tu vá embora.
Eu assenti.
— Sim.
— Eu posso ajudar. Passagem, carro até o aeroporto, segurança… tu vai embora amanhã se quiser. Ninguém vai te impedir. Eu garanto.
Eu virei pra ele rápido.
— E se eu não quiser?
Ele congelou.
O baseado parou no ar.
Ele me olhou como se eu tivesse falado em outro idioma.
— Tu… não quer ir embora?
— Não — respondi, voz firme apesar do coração louco. — Eu não quero ir embora.
Silêncio.
Pela primeira vez na vida, o Coroa ficou sem fala. Sem uma resposta rápida, sem deboche, sem ordem.
Só me olhando.
Olho azul arregalado, boca entreaberta. Eu vi o peito dele subir e descer mais rápido.
Aí ele jogou o baseado fora, se aproximou devagar. Mão grande, calejada, segurou meu rosto. Polegar roçando minha bochecha, dedos no meu cabelo. Tão perto que eu senti o calor do corpo dele, o cheiro de cigarro misturado com perfume masculino.
— Então tu vai ficar — ele murmurou, voz rouca, baixa, perigosa. — E agora é comigo.
Meu Deus do céu.
Por um segundo — não, por vários segundos — eu achei que ele ia me beijar. A boca dele tão perto da minha, o olhar descendo pro meu lábio, a respiração dele quente na minha pele.
E, Senhor, me perdoa, mas eu queria.
Queria demais.
Queria que ele me tomasse ali mesmo, nos braços fortes, me encostasse na parede, enfiando a língua na minha boca com todo o pecado do mundo. Eu queria sentir o gosto dele — baseado, uísque, homem puro. Queria as mãos dele descendo pelo meu corpo, tirando minha roupa devagar, peça por peça, até eu ficar pelada na frente dele, tremendo de vontade e de medo.
Na minha cabeça, num flash proibido, eu vi tudo: ele me levantando no colo, me levando pro quarto, jogando na cama. A boca dele no meu pescoço, descendo, marcando minha pele. As mãos grandes apertando minha cintura, subindo pros s***s, me fazendo gemer alto pela primeira vez na vida. Eu imaginando ele entre minhas pernas, pesado, quente, me preenchendo de um jeito que eu nunca senti, me fazendo esquecer de Deus, de missão, de tudo que é certo.
Eu senti o corpo inteiro esquentar, as pernas moles, o meio das coxas latejando. Eu nunca tive pensamentos assim tão fortes, tão sujos, tão… reais.
Mas ele não beijou.
Ele só segurou meu rosto mais um segundo, olhos queimando nos meus, respiração pesada.
Aí soltou devagar, como se doesse.
— Vai dormir, Barbie — falou, voz falhada. — Amanhã a gente conversa mais.
Ele se virou, entrou pra dentro sem olhar pra trás.
Eu fiquei ali sentada, mão no rosto onde ele tocou, corpo pegando fogo, cabeça girando.
Senhor Jesus… o que que tá acontecendo comigo?
Eu vim salvar uma alma.
Mas tô começando a achar que quem tá precisando de salvação sou eu.
E o pior: eu não quero ser salva dele.
Quero me afundar.
Quero pecar.
Quero ele inteiro.
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