Coroa
Eu deixei a Sienna na porta da igreja e acelerei a moto como se tivesse o d***o no meu encalço. Mas a verdade é que o d***o tava dentro de mim, roendo o peito, fazendo a minha cabeça ferver.
Eu sabia que ela ia ter uma conversa séria com o pastor Carlos. Sabia que o velhinho ia tentar convencer ela a descer e ficar na igreja, a ir embora da minha casa, a me largar pra trás como um erro que Deus cometeu. E eu, que sou o rei dessa p***a toda, tava ali, meu peito em guerra, esperando mensagem dela como um moleque esperando resposta de uma paquera.
Cheguei no QG — no meio do morro, portão de ferro pesado, câmera em todo canto, meus vapô de olho na ladeira. Desci da moto, joguei o capacete pro Magrão, que tava de plantão.
— E aí, chefe? Tudo certo pro baile hoje? — ele perguntou, já abrindo o portão.
— Tudo. Mas vamos resolver as parada primeiro.
Entrei.
Sala cheia: mesa bamba no meio, rádio tocando baixo, arma em cima da mesa, meu braço direito, o Careca, contando dinheiro de ontem. Dois carregamento pra resolver, treta com os alemão na ladeira quatro e segurança pro baile funk que eu mesmo escolho a dedo. Normalmente eu resolvo isso de olho fechado. Hoje? Hoje eu tava disperso pra c*****o. Olhando o celular a cada dois minutos. Nada dela.
Sentei na cadeira que é minha por direito, peguei um cigarro, acendi.
— Fala aí, Careca. Como tá o carregamento da zona sul?
Careca parou de contar nota, empilhou o dinheiro.
— Chegou ontem de noite, chefe. Dois quilo puro, cortado já tá dando quatro. O fornecedor quer pagamento na segunda, mas eu disse que a gente paga hoje se ele baixar dois ponto.
— Baixa um ponto e meio. Paga hoje. Não gosto de dever pra ninguém — respondi, mas a cabeça tava na igreja.
Será que o pastor tá falando m*l de mim? Será que ela tá chorando? Será que ela vai ligar pros pais e comprar passagem de volta?
Magrão entrou, rádio na mão.
— Chefe, os alemão tão mexendo na ladeira quatro de novo. Mandaram dois olheiro ontem. Os cria viram e me deram o papo.
Eu apertei o cigarro entre os dentes.
— Manda recado. Se subir mais um centímetro além da linha, leva tiro no joelho. Não quero guerra hoje, tem baile, tem família, tem criança. Mas se eles insistir, a gente responde na hora. Entendido?
— Entendido, chefe.
Eu levantei, andei de um lado pro outro. Celular vibrou no bolso. Coração deu um pulo i****a. Mas era só o DJ do baile confirmando horário do som. Merda.
— p***a, Rodrigo, se concentra — murmurei pra mim mesmo.
Aí a porta abriu de novo. Lucca, meu filho. Tatuado igual o pai, mas com cara de quem ainda acha que a vida é festa. Entrou sorrindo, mão estendida.
— E aí, pai? Paz?
— Paz nada, aqui é guerra o dia inteiro. O que tu quer, moleque?
Ele riu, sentou sem ser convidado.
— Vim pegar uma grana pro rolê hoje. Baile vai tá lotado, quero chegar de Nike novo, tomar uma no camarote com umas gatas.
Eu tirei o bolo de nota do bolso, contei vinte e cinco de cem, joguei pra ele.
— Toma. Mas não gasta tudo em bebida e mina do job. Guarda um pouco pro teu futuro, c*****o.
— Relaxa, pai. Eu sei me virar.
Ele pegou o dinheiro, mas não saiu logo. Ficou me olhando.
— Pai… sobre a gringa. A Lohana tá falando que tu tá apaixonado. É verdade?
Eu parei. Olhei pra ele duro.
— Cuida da tua vida, Lucca.
— Só tô falando… ela é diferente. Nova. Crente. Não é do nosso mundo, pai.
— Eu sei muito bem quem ela é — cortei, voz baixa mas que fez ele calar a boca na hora. — Agora vaza. Tenho coisa pra resolver.
Ele levantou, deu um abraço rápido em mim e saiu. Eu fiquei ali, olhando pro nada. Apaixonado. p***a, meus próprios filhos já perceberam. O morro inteiro já percebeu. Só ela que ainda tá na dúvida.
Celular vibrou de novo. Dessa vez era ela.
📲 Sienna: Terminei. Pode vir me buscar por favor?
Eu respondi rápido.
Já tava subindo na moto, capacete na cabeça, acelerando ladeira abaixo como se o mundo dependesse disso.
Cheguei na igreja em cinco minutos. Ela tava na porta, vestidinho simples, cabelo solto, Bíblia na mão.
Sorriu quando me viu.
Sorriu de verdade.
Subiu na moto sem eu precisar falar nada, braços na minha cintura.
Subimos em silêncio. Mas um silêncio bom. Silêncio de quem tá junto.
Chegamos em casa. Portão abrindo, eu estacionando a moto na garagem. Ela desceu, tirou o capacete, cabelo bagunçado pelo vento.
Linda pra c*****o.
Entramos. Fechei a porta. Ela virou pra mim, olho azul firme.
— Eu vou ficar — falou, voz clara. — Porque Deus quer que eu fique.
Alívio.
Um alívio tão grande que quase me dobrou as pernas. Mas junto veio uma fome. Fome animal. Fome de homem que tá segurando o desejo há semanas. Fome de pegar ela ali mesmo, mostrar o que é ficar de verdade.
Eu cheguei perto. Devagar.
Mão subindo pro rosto dela, polegar roçando o lábio inferior de novo.
— Se tu tá comigo, Barbie… tá comigo de verdade — murmurei, voz rouca, baixa, cheia de camadas que ela ainda não entende todas.
Ela piscou, confusa.
Entendeu uma parte. A parte do compromisso. A parte da proteção.
Mas não entendeu a parte do desejo. A parte do corpo. A parte do profano que tá queimando dentro de mim querendo devorar o sagrado que ela carrega.
Eu entendi por ela.
Entendi tudo.
Entendi que se ela fica, ela vira minha.
Minha mulher.
Minha responsabilidade.
Meu pecado favorito.
Ela sorriu pequeno, mão subindo pro meu peito, tocando de leve.
— Eu tô contigo.
Eu segurei a mão dela ali, apertei contra o coração que tava disparado.
A tensão no ar era elétrica. Pesada. Dava pra cortar com faca. Eu cheguei mais perto, boca quase encostando na dela. Respiração misturada. Calor subindo.
Mas eu parei. De novo. Porque se eu beijar agora, não paro mais. E ela ainda não tá pronta pro que vem depois.
Eu soltei devagar, dei um passo pra trás.
— Vai descansar. À noite tem baile. Se quiser, tu vem comigo.
Ela assentiu, subiu a escada devagar, olhando pra trás uma vez.
Eu fiquei ali na sala, olhando pro nada, mão no peito onde ela tocou.
E que Deus me perdoe… mas eu vou te levar pro inferno comigo. Pois o sagrado e profano não habitam o mesmo lugar.
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