Procura

1468 Palavras
Capítulo-VII. Procura " Minha eterna procura se finda quando meus olhos mergulham nos seus." Varuna Ando pela praia. É início da manhã, e o vento frio bagunça meu cabelo. Entre os dedos, seguro um cigarro enquanto dou um trago. Meus pés descalços afundam na areia. Meu olhar está perdido, sem um ponto certo para focar, enquanto minha mente permanece fixada no rosto da desconhecida. Essa noite é um inferno para dormir. Sonho com nós dois em uma cama estranha. Estamos namorando, só que não sinto prazer. É como se eu estivesse e não estivesse, como se o ato fosse só de alma, sem físico. Ela tem o cabelo mais curto. Acordo com a garganta seca e o coração batendo num descompasso filho da p**a. Olho para o teto, jogo a coberta longe. Sento na borda da cama, levo as mãos à nuca, estranhando toda essa p***a que nem sei nomear. Perco o sono e me encho de indagações para as quais não encontro resposta, por mais vaga que seja. Vejo os primeiros raios de sol colorirem o céu, então decido sair para caminhar. Dentro de mim, tudo está revirado. Não me sinto mais o mesmo, embora nada de concreto tenha mudado. Ainda sou Varuna Rockefeller, o CEO prodígio de punhos de ferro. Olho em direção ao mar. As ondas se formam vagarosamente e descem até a areia com certa agressividade. Levo o cigarro aos lábios, puxo mais uma tragada e solto a fumaça. O leve vibrar no bolso da minha calça quebra meus pensamentos. Alço o aparelho. A foto de Everaldo surge na tela. — Três dias sem nenhuma notícia... espero que agora seja uma ligação produtiva — murmuro, sozinho. Atendo a chamada. — Bom dia — digo, voltando a caminhar. — Só se for pra você. Tô com uma dor de cabeça dos infernos e um problemão pra resolver — resmunga, m*l-humorado. — Tia Marselha impôs toque de recolher pra você? — caçoo, com um leve sorriso. — Não brinca com essa p*rra. Minha mãe esquece que eu cresci. O perrengue é outro. Saí com uma menina e nós távamos lá, pá, aquele clima, foi bom... até que cochilo depois de dar aquele gás, e a miséra leva minha carteira! Solto uma gargalhada. Não consigo me conter. — Ri, seu infeliz! Debocha de quem é “ de rocha” contigo. — Tá, me conta alguma novidade — peço, parando de andar para ouvir melhor o que ele tem a dizer. — Casca de bala achou a menina... p*rra, preciso de muitos comprimidos. Essa dor parece uma furadeira fazendo buracos no meu crânio. — Onde, Everaldo? — Extremoz. Ela tá numa hospedagem familiar na Rua Jorge Ferreira — ele suspira. — Vou ter que pedir segunda via dos documentos... pensa na m*rda. Eita, mas é cada balaio de gato que me enfio. Saber que ela está tão perto me traz um alívio que não sei explicar. — Sabe o nome dela? Idade? Se é de fora ou daqui? — Ah, p*rra! Você pediu a localização, não um dossiê completo. Não sei jogar cartas, Varuna. Quer saber da vida dela, vai na macumba. Nem dou ouvidos às bobagens dele. — Com quem ela tá nessa hospedagem? Pai, mãe... namorado, marido? — as duas últimas palavras saem amargas da minha boca. — Bixim, tu é surdo? Eu não sou vidente, não tenho bola de cristal! Foi um c* pra achar essa garota. Pensa que teve gente olhando cada cabeça de porco. Putz, só não fui chamado de florzinha porque falei que ia ter um “faz-me-rir”. — Certo. Vou até lá. — Calma aí, galego. Vai, e depois? Não sabe nada da menina. Vai jogar o "migué" de que uma cigana leu tua mão e disse que você ia se encontrar com o amor da sua vida, que tem olhos iguais duas lagoas cristalinas? Cruzo os braços depois de descartar a ponta do cigarro. — Alguma vez falou isso pra alguém? — Já. — Funcionou? — pergunto, por curiosidade. — Sim, até uma não saber da outra. Ainda lembro do estalo do tapa que levei. Balanço a cabeça em negação. Everaldo sendo Everaldo. — Quais os valores dos honorários? — Eita, tu fala que nem velho! Parece meu pai! Desembolsa dois mil pra cada um. Foram 25 pessoas. — Me envia o número da conta. Faço a transferência hoje. — Tá onde, Varuna? — Caminhando na praia. — Tá com a moléstia? Caiu da cama, foi? Tu é doido que só... caminhar nesse frio? Tô fora. — Minha noite foi insone. Saí pra aliviar a tensão. Fazer uma higienização mental. — Hummm... gosta de falar bonito, hein? Me esqueci que falo com um nobre de sangue azul, herdeiro de família paulistana. Mas que gosta de uns bagulho. — Terminou? — pergunto sério. Algumas liberdades têm limite. — Preciso ver umas coisas aqui e chego aí. Vou contigo até Extremoz. Conheço cada pedaço daquele lugar. — Não te peço ajuda. Sua contribuição já foi suficiente. — Cortesia do seu primo. Além do mais, tô curioso pra saber no que vai dar essa tua loucura. Vai pagar cinquenta mil por causa de uma menina? — Quando vale, os cifrões não importam. — Fala isso porque tem dinheiro. Se fosse um fodido, essa menina era só mais um rostinho bonito que passa pela vida. — Everaldo, preciso desligar. — Faz uma média com a garota. Mulher gosta disso. Desligo. Everaldo fala demais. Coloco o celular no bolso e caminho sem pressa, uma sensação boa invadindo meu peito. “Está chegando o momento de saber quem é você... menina.” Ao chegar em casa, vejo que todos ainda dormem. Me dirijo à cozinha. Preparo um expresso forte e, enquanto mexo no celular, acompanho de longe as câmeras de segurança da minha casa. — Acordado, meu neto? Ergo o olhar e vejo meu avô Raul entrar, batendo a bengala no chão. — Não consigo dormir — respondo, guardando o celular no bolso. — Problemas? — Nenhum. Só uma noite insone. Raul me estuda com seus olhos claros. — Não me engana, rapaz. Te conheço bem pra saber que tem algo aí dentro. Olho de esguelha pro velho lobo. O olhar dele é afiado. — Mas não precisa me contar. Também não vou perguntar. Divide o café comigo? Olho para ele com demora. — Sim. Quer açúcar no seu? — pego duas xícaras e o açucareiro. — Não. A diabetes não deixa. Amargo é melhor. — Também gosto puro. O sabor é limpo. Meu avô aponta para a varanda de trás. Concordo com um aceno. Ele me chama para conversar. Atravessamos as portas duplas de vidro e nos sentamos no sofá de ratan branco com almofadas vermelhas. — Sua mãe ficou preocupada com sua febre. Você delirou. Lembra de algo que falou? — Não. Se delirei e falei, não lembro. Raul balança a cabeça em afirmação. — Anick não saiu do seu lado. Ela é traumatizada por causa das perdas que tivemos. Mas Verena foi a maior ferida. Uma mãe de colo vazio é uma mulher marcada pra vida toda. O bebê nasce, e quando a placenta é expelida, a mãe fica com uma ferida de cerca de 8 cm no útero. Refere-se à cicatrização da região onde a placenta estava aderida — o chamado loquiação. É um sangramento normal, que pode durar até 40 dias. Imagina: a mulher passa por tudo isso e, de repente, perde o filho que amou, desejou, sentiu as dores do parto... É uma dor que marca a alma e o corpo. Achei que Anick fosse sucumbir. Por isso ela tem esse zelo contigo. — Minha mãe exagera. Não gostou da moto que comprei. Era meu sonho, vô. Ela não entende. — Entende, sim. Mas o medo fala mais alto. Tenta compreendê-la, Varuna. — Tento, vô. Mas sou um homem. Não um menino. — Pra Anick, você sempre vai ser o menino dela. O doce e gentil menino. Coisas de mãe. O silêncio nos envolve por alguns minutos. Cada um tomando seu café, olhando o pequeno jardim. — Vai passar a virada conosco? — Raul pergunta, lançando um olhar na minha direção. — Não. Estarei fora. Tenho assuntos da empresa pra resolver. — Entendo... leu o livro que te dei no Natal passado? — Não tive tempo, vô... fala de quê mesmo? Se ele soubesse que nem desembrulho o presente... Guardei do jeito que recebi. — É um romance gótico. Paixão Póstuma. Não tenha pressa. Quando puder e sentir vontade, leia. Antes disso, não. Ler sem vontade é chato. — Vou seguir seu conselho. Leio quando o ócio bater. — Não sei por quê, mas acho que esse conto vai te surpreender. Sorrio em sua direção. Ficamos ali mais alguns minutos, sentindo o vento e mirando o céu azul.
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