O amanhecer seguinte não foi tão calmo quanto os anteriores. O canto dos pássaros estava mais agudo, as árvores pareciam inquietas e o vento, embora suave, trazia o cheiro denso da mudança. Eu me levantava lentamente da cama improvisada na antiga cabana quando senti pela primeira vez um calafrio correr pela espinha. A magia dentro de mim, que havia crescido durante a noite, parecia agora mais alerta, mais... defensiva.
Arleo estava na entrada, com um arco improvisado e olhos atentos. Ele parecia saber antes de mim que algo estava prestes a acontecer.
— A floresta está diferente hoje — ele murmurou sem tirar os olhos da trilha de terra entre as árvores. — Como se tentasse nos avisar de algo.
Saímos juntos para observar os arredores. As luzes flutuantes, que antes nos acompanhavam com delicadeza, estavam ausentes. O ar, antes perfumado de flores e folhas úmidas, agora parecia carregado de silêncio.
— Mayara, escuta... — Arleo me puxou levemente pelo braço.
Fechei os olhos e respirei fundo. A princípio, tudo parecia normal. Mas, aos poucos, um sussurro distante rompeu a quietude, como uma voz arrastada entre galhos secos. Um nome foi pronunciado com uma clareza gelada:
— Milena...
Abri os olhos, assustada. O som vinha do leste, da região mais profunda da floresta. Uma zona que a própria natureza parecia evitar.
— Foi ela... — sussurrei. — Ela me odeia, Arleo. Sempre odiou. E agora... algo dentro dela está mudando.
Ele apertou minha mão com força.
— Ela não vai te machucar. Eu prometo.
Mas nem ele sabia o quanto aquela promessa seria posta à prova.
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Milena observava de longe. Os olhos antes apagados agora brilhavam em tons de cinza e violeta. A escuridão que existia dentro dela desde criança — desde o dia em que descobriu que sua mãe desaparecida não era uma camponesa comum, mas uma bruxa da escuridão — agora despertava como fogo oculto.
Ela sabia que Mayara havia retornado com mais poder. Sabia que Arleo a havia escolhido. E isso corroía algo profundo dentro dela. O amor não correspondido, o ciúme jamais admitido, a inveja cultivada como flor venenosa. Tudo agora tinha uma forma.
Na clareira em que se refugiava, Milena sussurrava palavras antigas, aprendidas em sonhos distorcidos. Suas mãos desenhavam símbolos no ar, e uma fumaça escura envolvia seus dedos. Sua magia, diferente da minha, era feita de sombras e frio. Mas era poderosa. E instável.
Ela desejava Arleo. Não apenas o seu corpo, mas o seu olhar, seu coração. E ao ver que ele havia se tornado guardião de Mayara, algo se partiu em sua alma.
— Ela vai perder tudo. — sussurrou para si mesma, encarando o reflexo distorcido de Mayara em uma poça escura. — E então ele vai ver quem sempre esteve ao lado dele.
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Naquela tarde, a floresta gritou.
Estávamos colhendo raízes próximas a um antigo rio quando o céu escureceu subitamente. Uma tempestade nasceu do nada, sem nuvens, sem relâmpagos. Era como se a própria floresta estivesse sofrendo. As árvores se curvavam com o peso de uma energia invisível, e os animais fugiam em debandada.
De repente, tudo parou. O vento cessou. Os sons sumiram. E o tempo pareceu prender a respiração.
— Atrás de você! — gritou Arleo.
Virei no mesmo instante, e vi a sombra. Milena, envolta em uma túnica feita de trevas ondulantes, os olhos queimando em cinza.
— Então é verdade — ela disse, sorrindo. — A princesinha voltou. E trouxe um cãozinho com ela.
— Milena, não precisa ser assim... — falei, tentando manter a voz firme. — Você está deixando a escuridão te dominar.
— Eu sou a escuridão, Mayara. Você é só a herdeira de um trono que abandonou a todos. Você não merece esse lugar. Nem ele.
Ela apontou para Arleo. Um raio de energia púrpura disparou em sua direção. Ele se defendeu com o braço, e mesmo com o impacto, permaneceu firme.
A raiva me invadiu. Não por medo. Mas por vê-lo em perigo.
Fechei os olhos, e as faixas douradas em minha pele surgiram como chamas. Minhas unhas brilharam como lâminas líquidas. Senti as asas começarem a pressionar sob minha pele, mas ainda não era a hora. Ainda não era minha forma completa.
— Eu não vou fugir, Milena.
Disparei uma onda de energia luminosa. Ela rebateu com sua magia sombria. O impacto entre nossas forças fez o solo tremer e os galhos estalarem.
A batalha não foi longa, mas foi intensa. Minhas habilidades ainda eram novas, e Milena estava alimentada pela inveja. Cada golpe dela deixava um rastro de sombras. Cada defesa minha era luz em resistência.
Até que Arleo, em um momento de coragem impensada, se colocou entre nós.
— Basta! — ele gritou. — Isso não é você, Milena!
Milena parou, o peito arfando. Algo em suas pupilas vacilou. Por um segundo, a garota que outrora sorria tímida na vila apareceu sob o peso da escuridão. Mas ela balançou a cabeça e recuou.
— Isso ainda não acabou.
E desapareceu como névoa.
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De volta à cabana, Arleo cuidou dos arranhões que ganhei. Nada grave, mas as marcas da luta estavam em minha alma.
— Ela vai voltar — eu disse. — E vai estar mais forte.
— Então vamos estar prontos.
Olhei para ele, e por um instante, a dor se dissolveu. Estávamos juntos. Isso bastava.
Mas antes de dormir, senti algo diferente. Meu reflexo na pequena bacia de água mostrava meus olhos começando a mudar. Brilhavam... dourado.
A magia dentro de mim estava crescendo.
E a guerra havia começado.