Capitulo 2

2239 Palavras
— Você o quê? — Luce grita do outro lado da linha. Estamos em meio a uma chamada de vídeo, mais precisamente em meu apartamento com Laura e o pequeno Nick, que brinca com os cabelos ruivos da mãe. Laura é minha amiga, assim como Luce. Eu e Laura nos conhecemos na mansão Delamont, onde trabalhei como empregada doméstica enquanto a ruiva trabalhava como babá. Laura e nosso antigo chefe, agora seu marido Nikolas Delamont, se apaixonaram perdidamente após se envolverem intimamente. Laura nunca comentou como chegaram onde estão agora, mas acredito que tenha algo a ver com os mistérios existentes no sobrenome Delamont. Já Luce, conheci através de Laura, uma vez que elas já eram amigas desde a época em que moravam no mesmo prédio que, por ventura, moro hoje em dia. Faz dois anos desde que Nick Jr. nasceu, e agora já possuo um "ap" para chamar de meu. Fiz seis meses de estágio no Banco de Nick, o que me ajudou bastante e, desde então, procurava um novo emprego em meu ramo. Laura e Nick me incentivaram ajudando-me com um empréstimo para comprar o meu pequeno “cafofo” no mesmo prédio em que Luce continua morando, porém, como nossa amiga está de plantão no hospital em que trabalha, tive que contar a novidade por telefone. — Não acredito, garota! Agora que tu não é mais uma sem teto e nem desempregada, só falta tirar essa teia de aranha do meio das pernas e arranjar uma boa de uma.... — Arregalo os olhos, mas Laura é mais rápida: — Cala essa boquinha, Luce! Temos menores aqui! — Minha amiga aponta para o filho, que brinca com o seu boneco como se não tivesse uma louca falando merda a torto e a direito. Sorrio, mesmo ainda não estando acostumada com o vocabulário de minha vizinha e amiga. Nick bate palminhas, e eu e a mãe dele achamos graça. Ele está cada dia mais fofo e parecido com o pai. — Eu já disse que não quero saber de homem na minha vida, não é porque terminei com Gustavo que... — começo a me explicar, porém Luce é curta e grossa: — Pela décima vez, Duda, acorda. O cara está sempre te traindo com jovens, coroas e, se duvidar, até com homens. — Luce... — Laura sibila sacudindo os cabelos avermelhados para ambos os lados enquanto Luce dispara: — É sempre o mesmo ciclo: ele termina com você, aí do nada quando está bem financeiramente, dá um jeito de voltar, e você acaba cedendo. Tá mais do que na hora da senhorita encontrar outra pessoa. — Luce! — Laura fala mais alto, e meus olhos se enchem de água ao lembrar-me da última vez em que, de fato, Gustavo e eu terminamos. Gustavo é meu ex-namorado, ele sempre foi importante para mim, e sei que do jeito torto dele, ainda me ama. Eu o amei desde o dia em que cheguei na mansão de Nikolas. Gustavo já trabalhava para a família Delamont como jardineiro e motorista, enquanto sua irmã Izabela trabalhava na cozinha. Sua mãe Damiana até hoje trabalha como governanta, e o seu pai, o senhor Josefo, sempre comandou o quadro dos motoristas. Lembro-me da primeira vez que o vi: ele usava uma calça jeans escura e estava sem camisa. Seus músculos protuberantes, expostos ao sol, e o suor escorrendo pelo seu corpo atraiu-me como íman. Seus cabelos, sempre cortados em estilo militar, estavam molhados e, assim que suas íris escuras me fitaram, juro que senti o meu coração tamborilar forte dentro do peito. Eu segurava uma mochila velha e pesada no ombro, mas naquele momento, nem mesmo ela havia me feito desviar o olhar. Gustavo passou por mim sem nem mesmo me dirigir a palavra. Ele nunca havia me olhado de forma diferente, muito pelo contrário. Gustavo ficou a fim de Laura, assim que colocou os olhos nela. Minha sorte – somente dizendo assim – foi que ela nunca manifestou interesse por ele e, num belo dia, um dia perfeito – diga-se de passagem –, ele enfim me notou. Quando finalmente fui pedida em namoro, a felicidade foi tanta que juro que vi estrelinhas e coraçõezinhos por todos os lados. Foi em uma noite de Natal. Havíamos discutido, porque ele havia cismado com um vestido que eu estava usando e, no fim, fui pedida em namoro. Uma noite de sorte, na verdade. Pelo menos esse era o meu pensamento na época. Durante aqueles tempos, eu sentia literalmente que vivia um conto de fadas por estarmos juntos. No começo, foi perfeito! Mesmo com o ciúme excessivo e a forma como isso afetava nas minhas amizades e nas minhas roupas, mas com o tempo, o jeito mulherengo dele começou a me incomodar. E foi nesse momento, que eu comecei a perceber que o conto de fadas, parecia livros de terror. Hoje, eu me sinto quebrada, porque ele levou tudo de bom que existia em mim: o meu primeiro amor, a minha primeira transa e a minha primeira desilusão amorosa. As meninas não fazem ideia, mas foi ele quem terminou comigo pela última vez. Ele arranjou uma nova namorada, e tem saído com ela desde então. A mulher é rica, e ele basicamente vive às custas dela. Esse sempre foi um dos principais motivos para discutirmos: o trabalho dele. Sim, vocês não entenderam errado. Há muito tempo, Gustavo deixou de ser motorista dos Delamont e basicamente virou acompanhante de luxo, como ele mesmo passou a se intitular. Sempre foi desse jeito, ele me deixava e ficava com uma mulher rica que o bancasse. Depois que elas se cansavam, ele sempre dava um jeito de voltar para mim. E, como a i****a que sou, sempre o aceitei. Eu ouvia as suas histórias tristes, os seus pedidos de perdão e até mesmo suas juras de amor. Eram sempre as mesmas desculpas. Mas o que eu poderia fazer? Estou sozinha nessa cidade, as minhas irmãs mais novas moram em São Paulo e minha mãe também. Eu ainda não consegui trazê-las. Vim para o Rio estudar e tentar algo melhor, porém, o melhor está demorando demais. Sempre tento ajudá-las como posso, enviando quantias consideráveis por mês e elas se viram como podem. Leandra tem dezenove anos e Maria Quitéria dezessete. Lê já trabalha em casa de família enquanto Kika continua estudando. Minha mãe, dona Cecília, já se aposentou e não aguenta mais trabalhar devido à idade. E, sinceramente, prefiro que ela não trabalhe. Enquanto eu puder, irei ajudá-la no que for preciso e retribuir tudo o que fez por nós. Ela nos criou sozinha depois que nosso pai faleceu e nossos avós paternos nos deram as costas. — Desculpe, amiga, as vezes esqueço de como você é sensível. — Luce fala fazendo-me sorrir fracamente. — Não, você está certa, preciso mesmo de algo que me deixe contente! Que tal uma noitada, sábado à noite? — A três? — Luce se levanta e começa a dar pulinhos animada. — Ei, eu tenho cinco pestinhas para criar, tá! — Laura emenda rindo. — Ah, para de graça, Lau, cê tem a Damiana e mais quinhentos empregados naquela casa, sem contar que tem duas babás. Dê um pouco de trabalho para elas. Alice e os gêmeos nem são mais tão pequenos assim. — Luce retruca. — Tá bom... Vou falar com Nick e fazer a cabeça dele, mas não acho que ele vai aceitar isso muito bem. No mínimo, vai aparecer lá de supetão para ver se estou bem ou se algo aconteceu comigo. — Laura fala rindo, e eu concordo. Nick é superprotetor demais. Nick e Laura são casados e possuem cinco filhos: Alice, Dora e Felipe do primeiro casamento dele; Vitória é filha do segundo casamento e Nick Junior é filho dos dois. Para encurtar a história, Nikolas vivia num casamento de aparências com Sophia Delamont, e eu e Laura trabalhávamos para eles. Nick vivia depressivo por causa da morte de sua primeira esposa e, com a chegada de Laura, mudou drasticamente. Ele se apaixonou por minha amiga e, depois de muitos problemas e desentendimentos, enfim conseguiram ficar juntos. Fim! Ah, não! Tinha fantasmas também…. Mas a minha amiga não gosta muito de falar sobre disso… — Tá bom, vou falar com Dani também. — Luce refere-se ao próprio namorado. — Agora vou voltar, gente, beijos e amo vocês. Até sábado! — A morena grita eufórica. — Tchau, Nick, manda beijo para titia! — ela fala com o meu afilhado, que tenta beijar o telefone. — "Tau titia!" — ele fala sua língua de bebês. — Tchau, amiga! — Laura e eu dizemos juntas e desligamos em seguida. Passamos uma tarde animada e, depois de um tempo, um dos motoristas de minha amiga vem buscá-la. Assim que ela sai, vejo-me mais uma vez sozinha rezando para que dê tudo certo no dia seguinte. À noite, resolvo preparar um jantar leve e, depois de tomar uma sopinha de legumes, me jogo uma ducha quente, resolvendo me deitar em seguida. Recosto-me na cabeceira da cama, lembrando-me dos momentos quentes que passei com Gustavo aqui. Pego o meu k****e e começo uma leitura aleatória, porém, sou impedida de continuar, uma vez que ouço a campainha tocar insistentemente. Levanto-me com calma e coloco um roupão de seda que ganhei de Laura. Calço um par de chinelos encaminhando-me posteriormente até a porta. Observo através do olho mágico e vejo Gustavo do outro lado. Meu coração acelera e sinto as minhas pernas fraquejarem. Encosto as costas na porta e fecho os olhos, escutando a campainha voltar a tocar. Sinto a minha respiração entrecortada, lembrando-me de nossa última vez juntos. Da forma rude como ele falou que me amava, mas que não poderia continuar com uma simples empregada doméstica. Ele não pode fazer isso comigo. Não agora! Não de novo! — Abre para mim, Duda! Eu preciso de você. — Ele desfere socos na porta, deixando-me nervosa. — Se não abrir, juro que vou arrombar essa p***a dessa porta! Pior que sei que ele faria isso, Gustavo é capaz disso e muito mais quando quer algo. Respiro fundo e giro a chave devagar mesmo sem estar convicta disso. Com ele é sempre assim: na hora que ele quer, do jeito que ele quer. Nunca como eu quero. Sinto a palma da mão escorregar na maçaneta, devido ao suor frio, e minhas pernas tremulam. Ao abrir a porta, encaro os olhos vermelhos e desfocados à minha frente. — Por que você está fugindo de mim, Duda? — ele pergunta alto, e noto que bebeu, uma vez que o cheiro de cerveja é nítido. Gustavo parece ainda mais bonito do que há seis meses, quando nos vimos pela última vez. Ele me puxa bruscamente e olha dentro dos meus olhos. Seus olhos intensos e negros como sua alma. — E-eu n-não e-estou fugindo! — Pois acho que está. Por que mudou o seu número de telefone? Tentei te ligar durante a semana toda. — Ele intensifica o aperto em meu braço e seu olhar recai sobre o meu decote. Fecho os olhos e meu coração acelera mais quando sinto-o inspirar profundamente o meu pescoço. De repente, mais uma vez, uma lembrança insistente começa a me fazer duvidar do poder que achei que tinha sobre mim. Imagens dos seus lábios em torno do meu corpo me causam uma espécie de febre, e sinto a minha pele dormente. "Você consegue, Duda!" A voz da doutora Marisa me vem à mente, e tento não pensar no maldito dia que deixei de frequentar às reuniões semanais. — Me dá mais uma chance, Duda. — Tento puxar o ar, pois sinto que estou sufocada. — E-eu não quero mais, Gustavo! — Abro os olhos e começo a empurrá-lo. — Sai daqui, faz esse favor para nós dois e me esquece! — Eu adoro quando você faz isso! Só me deixa com mais t***o! — Seu sorriso malicioso me faz tremer mais. Eu sei o que ele quer. Penso em todas as vezes que precisei ir às reuniões para mulheres com transtornos psicólogos. Mulheres que tiveram términos conturbados e que não conseguiam se libertar disso. Minhas amigas nunca souberam dessa fase, mas em meu último término precisei tomar até remédios para conseguir dormir. Ele não pede licença para entrar em meu apartamento, e automaticamente dou alguns passos para trás quando vejo-o vir em minha direção. Seus dedos tocam a minha pele e sinto dormência por toda a extensão onde toca. Seu hálito quente me deixa atordoada, e a sensação apenas piora quando sou imprensada contra a parede e seus lábios reivindicam os meus com aspereza e de forma sôfrega. Minha vontade é de gritar, dizer que não o quero mais, que não aceitarei suas migalhas e que não sou mais aquela garotinha boba que ele tirou a virtude, mas a quem eu quero enganar? Eu não consigo dizer absolutamente nada, nem fazer nada. Sempre foi assim. Estou há seis meses sem sexo, e seus lábios são convidativos demais. Tanto que não consigo parar de beijá-lo também. As lembranças se misturando com o desejo que está cada vez mais vívido em cada toque. Vejo o momento em que ele fecha a porta atrás de si e começa a tirar as peças de roupas que estou usando. Faço o mesmo por ele, sabendo o quanto é errado, mas a verdade é que, nesse momento, eu não quero mais pensar.
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