CAPITULO 66

1108 Palavras
SAMUEL’S POV Eu estava sentado na velha cadeira de couro da garagem de John, dedilhando minha nova guitarra. O som suave das cordas se misturava com meus pensamentos, cada nota ecoando a frustração e a inquietação que me consumiam. Minha mente, como sempre, estava em Lily. Naquela festa. Com aquelas pessoas. Eu sabia o tipo de gente que estaria lá. Não era difícil imaginar Aidan, o i****a que ela chamava de amigo, rodeado pelos mesmos falsos amigos que achavam que o mundo girava ao redor deles. A última vez que fui a uma dessas festas com ela, Aidan tinha levado Lily para um dos quartos na casa de Ashley Cooper. Aquela imagem ainda me atormentava. O jeito como ela estava, a vulnerabilidade em seus olhos... e eu ali, sem fazer nada, assistindo como se fosse um espectador de uma cena que jamais deveria ter acontecido. Fechei os olhos com força, tentando apagar as lembranças. Mas era inútil. Cada detalhe daquele momento voltava à minha mente como uma faca que eu mesmo fincava no peito. Eu me perguntava por que ela insistia em andar com ele, por que não via o que eu via. Ela era muito mais do que aquilo. Muito mais do que eles. Meus dedos começaram a se mover sozinhos, dedilhando acordes que refletiam meu estado de espírito. Era como se a guitarra fosse a única coisa capaz de traduzir o que eu estava sentindo. As palavras começaram a se formar na minha cabeça, e antes que eu percebesse, estavam escapando pelos meus lábios em forma de versos. "Ela não vê o que ele esconde por trás do sorriso Ela não sabe que seu coração corre perigo Eu queria ser o herói que a salva desse mar Mas eu só posso cantar, cantar... Ela não vê... Não, ela não vê..." A música parecia se formar por si só, uma confissão que eu nunca teria coragem de fazer diretamente a Lily. Porque, no fundo, eu sabia que ela não queria ouvir. Ela estava cega pela ideia de que aqueles amigos eram importantes, que Aidan era confiável, que o mundo dela fazia sentido. Eu continuei tocando, perdido na melodia, até ouvir a porta da garagem se abrir. Levantei a cabeça e vi John entrando, seu baixo pendurado no ombro, como sempre. Ele me olhou com aquele meio sorriso de quem já sabia o que estava se passando. "Alguém tá meio deprimido, hein?" John comentou, apoiando-se na parede. Eu dei de ombros, sem parar de dedilhar. "Valeu por me deixar vir pra cá." John acenou com a cabeça. "Sem problema, mano. Sempre tem espaço pra você aqui." Ele deu uma pausa, me encarando com mais seriedade. "Falou com a sua mãe?" Suspirei, afastando os pensamentos sobre Lily por um momento. "Ainda não. As coisas estão meio corridas, você sabe... Com a Lily e tudo mais." John assentiu, mas sua expressão endureceu um pouco. "Entendo, mas o tempo tá passando. Você sabe o que eu penso sobre essa parada, né? Não quero olhar pra trás e perceber que a gente tomou a decisão errada com a Verônica Jones." Eu sabia que ele estava falando do contrato que recusamos com a gravadora de Verônica. Era uma proposta que parecia boa, mas no fundo, algo não batia certo. Havia algo de errado no jeito como ela conduzia os negócios, algo que nos deixava desconfiados. Mas ainda assim, era uma oportunidade grande, e John estava preocupado. "Não se preocupa," eu disse, tentando soar mais confiante do que me sentia. "A gente fez o que tinha que fazer. Nenhum de nós vai se arrepender." John me observou por alguns segundos, como se tentasse ler a verdade nos meus olhos, então deu de ombros. "Tudo bem, eu confio no seu instinto. Só... vamos ficar atentos, ok?" Assenti e voltei minha atenção para a guitarra. Dedilhei mais alguns acordes, e John olhou para minhas mãos, curioso. "E essa música aí, o que é?" ele perguntou, apontando para a guitarra. "Ah," eu disse, meio envergonhado. "Só uns versos que eu estava tentando escrever. Nada demais." John pegou o baixo e o pendurou nos ombros. "Então, vamos ver se a gente faz virar algo. Vou te ajudar." Ele começou a tocar junto, ajustando o ritmo do baixo às minhas notas. A música começou a tomar forma, mais sólida, mais forte, como se, de alguma forma, John estivesse dando vida àquilo que eu sentia, mas não conseguia expressar direito. "Eu sei que ele não é o que parece ser Mas quem sou eu pra dizer? Eu só quero que ela veja o que eu vejo Antes que seja tarde demais pra entender..." As palavras flutuavam no ar enquanto tocávamos, e por um momento, tudo parecia fazer sentido. A frustração, a raiva, a confusão... tudo se misturava na música. E talvez, de alguma forma, Lily pudesse ouvir, entender o que eu queria dizer, mesmo que nunca dissesse isso diretamente a ela. John parou de tocar e olhou para mim, com uma expressão mais séria do que o habitual. "Você tá escrevendo isso pra Lily, né?" Fiquei em silêncio por alguns segundos antes de assentir. "É complicado, cara. Eu... eu sinto que ela não vê o que tá na frente dela. Aidan... ele não é o que ela pensa que é. E eu? Eu só tô aqui, assistindo tudo acontecer, sem poder fazer nada." John se aproximou, o baixo pendurado no ombro. "Já tentou falar com ela de verdade? Tipo, dizer o que você realmente sente?" Balancei a cabeça, rindo sem humor. "Você acha que ela vai me ouvir? Lily tá tão presa naquele mundo que ela acha que as coisas são simples. Acha que sabe quem são os amigos de verdade, quem vale a pena. Mas ela não sabe, cara. Ela não vê o que eu vejo." John deu de ombros. "Talvez, mas você nunca vai saber se não tentar. Ela pode não te escutar agora, mas pelo menos você tentou. Não vai passar o resto da vida se perguntando 'e se'." Fiquei em silêncio, as palavras de John ecoando na minha mente. Ele tinha razão, claro. Mas falar era uma coisa. Fazer era outra completamente diferente. "De qualquer forma," John disse, voltando a tocar o baixo. "Essa música tá ficando legal. A gente deveria trabalhar mais nela." Assenti, voltando a dedilhar a guitarra. A música preenchia o espaço da garagem, uma mistura de frustração, esperança e incerteza. E talvez, apenas talvez, fosse o primeiro passo para eu finalmente encontrar a coragem de dizer a Lily o que realmente estava no meu coração. Por enquanto, tudo o que eu tinha era a música. E por enquanto, isso era o suficiente.
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