####CONSELHOS

1057 Palavras
Mais um dia se inicia… Enquanto isso, no apartamento de Lisbeth, a jovem se abaixava para fechar a pequena mochila cor-de-rosa da irmãzinha. Bella, sentada na beira da cama com as mãozinhas no colo, observava em silêncio. — Pronto, meu amor. Tudo certo. Agora vamos para a casa da vizinha, está bem? — disse Lisbeth com um sorriso carinhoso. Ela pegou Bela no colo e desceu as escadas do prédio com passos ágeis, mas com o coração já apertado por saber que mais um dia longo a esperava. Ao bater na porta da vizinha, a jovem senhora de cabelos castanhos e expressão acolhedora apareceu com um sorriso habitual. — Bom dia... Hoje eu vou sair mais cedo e chegar um pouco mais tarde, tá bom? Vou fazer hora extra no final do expediente. Eu preciso complementar o valor da dívida do hospital. A senhora se incomoda de ficar mais um pouquinho com a Bella? — Minha filha você trabalha tanto... — disse a vizinha, balançando a cabeça com ternura e já abrindo espaço para que a menina entrasse. — Amanhã também vai ser assim. Mas prometo que no domingo fico só com ela, só nós duas. Eu só preciso aguentar firme esses dias. Ela assentiu, enquanto Bella já corria para o corredor. — Vai lá com a sua amiguinha, minha filha. Ela está lá no quarto, mas já acordou. Bella acenou animada e desapareceu corredor adentro. Lisbeth respirou fundo, mas antes que pudesse se despedir, a vizinha segurou levemente pelo braço. — Sabe o que a Bella me disse ontem? Que quer que eu cuide da minha saúde, porque a mamãe trabalhou tanto, tanto que quando descobriu que estava doente já era tarde demais. E ela disse que não quer me perder também. Lisbeth sentiu o coração encolher. Ao contrário para vizinha sua voz tremia com emoção. — Isso me deixou tão mexida, sabe? Ando exausta, eu sei. Quando a mamãe adoeceu, eu larguei tudo. Cuidei dela até o fim. Depois veio a Bella, e a senhora me ajudou... mas agora eu olho para minha irmã e vejo que o psicológico dela não tá bem. Eu preciso repensar. Preciso achar um equilíbrio, uma carga de trabalho que me permita cuidar dela. Estar mais presente. Ela só tem a mim. A vizinha acariciou o braço da jovem. — Eu concordo com você, minha filha. Mas veja só, esse emprego ainda é recente. Aguente mais um pouquinho. Tenha fé. Deus não falha. Tudo vai se arranjar. Lisbeth assentiu com lágrimas contidas e um sorriso frágil. — Obrigada. Por tudo. Sem a senhora... eu não sei o que seria de mim e da Bella. — Vai com Deus, Lisbeth. E se cuida, tá bom? Ela assentiu mais uma vez e saiu, com os ombros firmes, mas o coração cheio de saudade, esperança... e amor. Chegando ao shopping, na loja, exatamente às nove horas da manhã, Lisbeth ajeitou a gola da camisa, prendeu os cabelos em um coque rápido e respirou fundo antes de cruzar a porta de vidro. O cheiro de tecidos novos, prateleiras organizadas e vitrines bem iluminadas a envolveu como um lembrete silencioso de que ali era seu segundo lar. A gerente, Dona Layde — uma mulher de meia-idade, firme, mas de coração generoso — a avistou e acenou com a mão. — Lisbeth, querida. Vem aqui um minutinho, por favor. Ela caminhou até o balcão central da loja. — Você conversou com a arquiteta? Lisbeth assentiu, tentando conter o cansaço que já se anunciava nos olhos. — Sim, senhora. Ontem mesmo, antes de sair da loja. Dona Layde cruzou os braços, encarando-a com uma expressão preocupada, mas afetuosa. — Minha filha… se ela te oferecer trabalho, aceite. De verdade. Não pense duas vezes. Você vai poder ter mais tempo para si mesma e, principalmente, para a sua irmã. Você está se desgastando demais, Lisbeth. Lisbeth abaixou os olhos. — Hoje você pediu hora extra. Amanhã também. Eu entendo por que você está fazendo isso, sei que tem as contas, a dívida do hospital, os compromissos... Mas e você? Se você adoecer, quem vai olhar pela sua irmã? Lisbeth inspirou fundo e, com a voz embargada, respondeu: — Nossa… é a segunda pessoa que me diz isso. Ontem à noite, a Bella veio falar comigo… disse que a mamãe trabalhava tanto, tanto… e quando descobriu que estava doente, já era tarde demais. Ela me olhou com aqueles olhinhos e disse: “Você é tudo o que eu tenho. Eu não quero te perder também.” Fez uma breve pausa, os olhos já estavam marejados. — A senhora consegue imaginar uma criança de oito anos dizendo isso? Isso me cortou por dentro, Dona Leide. Eu ainda estou em luto da minha mãe, e agora percebo que a minha irmã também está. E eu… eu não tive tempo nem de viver o luto, quanto mais ajudá-la com o dela. Dona Layde aproximou-se e segurou a mão da jovem com firmeza e carinho. — Lisbeth… e você acha que só ela precisa de ajuda? — Mas ela é criança… — murmurou, confusa. — E você é uma jovem adulta. Uma menina com o peso do mundo nas costas. Você assumiu uma responsabilidade que muita gente da minha idade não suportaria por uma semana. Vocês duas precisam de apoio psicológico, minha filha. Uma terapia, uma orientação, um colo profissional. Você não pode carregar isso sozinha por tanto tempo. Lisbeth assentiu, mordendo os lábios para conter a emoção. — Eu não sei nem por onde começar, Dona Leide. O que me sobra no final do mês não dá nem para o mercado completo… quanto mais psicólogo. Mas eu sei que a Bela precisa. E agora eu sei que eu também preciso. A gerente afagou seu ombro. — Talvez essa arquiteta possa te abrir uma porta. Quem sabe você consiga algo mais flexível, até mesmo dentro da área de criação, que é o seu dom. E, quem sabe, aos poucos, você consiga resgatar a sua vida. Porque você merece, Lisbeth. Você está tentando salvar a sua irmã, mas também precisa se salvar. Lisbeth sorriu com os olhos marejados. — Obrigada, Dona Leide. Eu nunca vou esquecer isso. — Vai lá, minha menina. Hoje temos um dia cheio, mas... não se esqueça: a vida também precisa ser vivida com amor, e não só com esforço.
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