O SANGUE DA ESPERANÇA

1683 Palavras
Os corredores do hospital fervilhavam em tensão. Enfermeiros corriam de um lado para o outro, médicos saíam apressados da sala cirúrgica e a luz vermelha sobre a porta piscava intermitente, como um aviso constante de que a vida de alguém estava por um fio. Patrick andava de um lado para o outro em frente à sala de cirurgia. Drew estava imóvel, com o olhar perdido, os ombros arqueados como se carregasse o peso do mundo nas costas. Nenhum dos dois falava. Havia uma dor muda no ar, espessa e sufocante. Do outro lado do corredor, Lana estava deitada em um leito de observação, com a mãe e a irmã ao seu lado. O susto do atentado, a tensão acumulada, tudo culminou num desmaio repentino e perigoso. A pressão arterial tinha oscilado violentamente e os médicos decidiram deixá-la sob observação. Ainda assim, mesmo fragilizada, ela não conseguia deixar de pensar em Britney, nos bebês e agora, na nova tragédia envolvendo a mãe dela. — Doutor! — chamou uma das enfermeiras com voz urgente. O cirurgião que coordenava o procedimento da mãe de Britney saiu da sala com os olhos graves. Todos se levantaram de imediato. O homem respirou fundo antes de falar. — Senhores... a paciente teve um choque hemorrágico. Ela perdeu muito sangue durante o procedimento. A bala perfurou o intestino grosso e causou uma hemorragia interna intensa. Consertamos o que podíamos até agora, mas... — Mas o quê? — Drew interrompeu, impaciente. — Nós precisamos de sangue. O tipo dela é AB negativo. Extremamente raro. Já contatamos os principais bancos de sangue da cidade e da região. Infelizmente, não há bolsas disponíveis nesse momento. O tempo está contra nós. Se não conseguirmos pelo menos duas bolsas em até uma hora, ela não vai resistir. Um silêncio pesado caiu sobre todos. — AB negativo? — repetiu Teresa, a mãe de Lana, erguendo-se devagar. Ela ainda estava com os olhos marejados pela preocupação com a filha, mas ao ouvir aquilo, seus instintos falaram mais alto. — Sim, senhora. — O médico confirmou. — É um dos tipos mais raros. Apenas 1% da população possui. Ela virou-se para o marido, Francisco, e depois olhou para o médico com firmeza. — Eu sou AB negativo. E a minha filha também... mas ela está grávida e não pode doar. Eu posso. Sou saudável. Tenho todos os exames em dia. Por favor, me levem. Eu quero doar. O médico arregalou os olhos por um instante, surpreso com a coincidência — ou talvez com o milagre. — A senhora está certa disso? Precisaremos fazer uma triagem rápida, mas se for compatível e estiver apta, sua doação pode salvar a vida dela. — Eu tenho certeza. E não me importa quem ela foi. Ela é mãe. Mãe da Britney. A vida é o bem maior. Patrick, que escutava tudo, aproximou-se com os olhos marejados. — Dona Teresa... isso é um ato de grandeza. Eu nunca vou esquecer. Ela apertou a mão dele com doçura. — Patrick, meu filho... sua noiva está aqui, grávida dos seus filhos. Britney está lá dentro com os gêmeos recém-nascidos. Essa mulher, por mais erros que tenha cometido, é a avó dos bebês. E eu sei o quanto a Lana se importaria com isso. Eu estou fazendo o que qualquer mãe de verdade faria. O médico imediatamente chamou um enfermeiro e sinalizou. — Preparem a sala de coleta. Teste de triagem, exames básicos e, se estiver tudo certo, iniciamos a doação imediatamente. Corram! Enquanto Teresa era conduzida para a triagem, Drew sentou-se num dos bancos do corredor e cobriu o rosto com as mãos. Ele não era mais casado com Maris, e o amor que um dia existiu entre eles há muito havia se esvaído. Mas ela era a mãe da filha dele. E o fato de ela ter pedido por ele antes de apagar, o desespero com que clamou por ajuda, ficou gravado em sua mente como um pedido final, uma súplica humana. Lana, mesmo debilitada, ouviu tudo da maca onde estava e chorou silenciosamente. Sabia que a mãe faria o certo, e aquilo só a enchia de orgulho. — Viu, amor... — sussurrou ela para Patrick quando ele se aproximou. — Essa é a minha mãe. Ele beijou a testa dela e respondeu com um carinho calado, olhos úmidos de emoção. — Ela é uma mulher incrível, assim como a filha que ela criou. No laboratório improvisado, os exames iniciais de Teresa foram concluídos em tempo recorde. Ela estava saudável, o sangue era perfeitamente compatível, e a coleta começou imediatamente. Enquanto o sangue era coletado, os médicos começaram a preparar o campo cirúrgico para a próxima etapa do procedimento. O neurocirurgião aguardava o mínimo de estabilidade da paciente para tentar remover a bala que estava alojada próxima à coluna. Do lado de fora, a notícia da doação milagrosa se espalhou como um sopro de alívio entre os presentes. Francisco, ao lado das filhas, chorava discretamente. Drew, com os olhos fixos na porta, orava em silêncio. — Se ela sobreviver, Patrick... — disse ele com a voz embargada — ...vai ser por causa da sua sogra. Diga a ela... diga a ela que eu sou eternamente grato. Patrick assentiu com um gesto firme, os olhos fixos na porta da sala onde Teresa, a verdadeira heroína daquela noite, estava doando não apenas sangue — mas esperança, redenção e humanidade. 72 Horas de Esperança Teresa estava pálida, mas firme. Mesmo com a pressão levemente oscilando após a doação, ela não reclamou em nenhum momento. Tinha plena consciência do que havia feito e sentia, no mais profundo do coração, que sua atitude era parte de um propósito maior. O olhar da enfermeira que monitorava seus sinais era de admiração e respeito. — Dona Teresa — disse a profissional com voz calma. — Retiramos duas bolsas completas, cerca de um litro e meio de sangue. É uma quantidade significativa. A senhora vai precisar passar a noite internada para observação, tudo bem? Ela assentiu, cansada, mas tranquila. — Claro, minha filha. Eu confio em vocês. Só me avisem se ela... se a mãe da Britney... se ela conseguir sobreviver. É só isso que me importa agora. Assim que foi informado, Patrick não hesitou. Tomou o celular e ligou diretamente para a administração do hospital, pedindo que preparassem um quarto privativo — um dos apartamentos da ala de internação premium da UIMED — para Teresa. — Não quero que ela fique em enfermaria comum. Ela é minha sogra. Salvou uma vida hoje. Faça todos os exames. Ela só vai sair do hospital quando estiver com a saúde perfeita. Eu vou arcar com tudo. Qualquer coisa que ela precise, eu quero que seja feito. Entendido? Do outro lado da linha, a gerente da ala VIP imediatamente atendeu ao pedido. Em menos de vinte minutos, Teresa foi transferida para um quarto confortável, com cama motorizada, poltrona de acompanhante, televisão e banheiro privativo. Lana, que ainda estava em repouso, insistiu com os pais que voltassem para casa descansar. — Mãe, por favor... agora é você que precisa de cuidados. — disse com carinho, apertando a mão da mulher que admirava mais do que tudo na vida. Francisco beijou a testa da esposa e, por mais preocupado que estivesse, sentia orgulho. — Você foi uma heroína, Teresa. Uma verdadeira mãe, em todos os sentidos da palavra. Enquanto isso, na sala cirúrgica, a cirurgia de Maris seguia como um campo de batalha. O tempo total do procedimento havia ultrapassado as doze horas. Eram três cirurgiões principais revezando-se com o apoio de dois anestesistas, uma equipe de enfermagem e um neurocirurgião de renome, convocado às pressas por Drew através de contatos pessoais e influência. O homem voou de helicóptero de uma clínica especializada de outra cidade para chegar a tempo de salvar a coluna da mulher. — A bala estava alojada entre a terceira e a quarta vértebra lombar. — explicou ele mais tarde, já no centro de apoio da UTI. — Foi um procedimento delicado. Qualquer movimento errado, ela teria perdido totalmente a sensibilidade das pernas. Felizmente, conseguimos remover sem danificar a medula de forma irreversível. Patrick, Drew e os demais que aguardavam próximos à sala intensiva respiraram com um pouco mais de alívio. — Então... ela vai sobreviver? — perguntou Drew, com a voz rouca. O médico respirou fundo antes de responder. — Nós fizemos tudo que estava ao nosso alcance. Agora, a recuperação vai depender dela. As próximas setenta e duas horas serão decisivas. Se o organismo dela responder bem, se os sinais vitais se mantiverem estáveis, e não houver infecção nem nova hemorragia, então sim, ela vai sobreviver. Patrick apoiou a mão no ombro do ex-sogro da paciente. — Ela vai sobreviver. Vamos manter a fé. A Lana me disse que quando o bem é feito com verdade, a luz vence. E a sua filha precisa da mãe viva. Mesmo que a relação delas esteja destruída... é melhor que ela saiba que ainda tem a chance de reconstruí-la um dia. Drew fechou os olhos por um momento. Era impossível não lembrar do rosto de Maris clamando por ele, antes de apagar. Aquela imagem ficaria gravada para sempre. — Ela pediu por mim, Patrick. Ela me chamou. No meio da dor... mesmo depois de tudo. E eu não estava lá. Não importa mais o passado. Agora só quero que ela viva. Só isso. A enfermeira-chefe da UTI surgiu para informar que Maris estava sendo entubada e estabilizada. Estaria sob sedação total pelas próximas horas e seria monitorada minuto a minuto. Os equipamentos já estavam prontos para reagir a qualquer oscilação. — Está em boas mãos. — garantiu ela. — Os melhores cirurgiões do estado estão cuidando pessoalmente do caso dela. E já temos transfusões iniciadas com o sangue doado. Foi providencial. Patrick respirou fundo e agradeceu silenciosamente à sogra, cuja atitude silenciosa salvou uma vida que todos ali julgavam perdida. E enquanto isso, ele olhava discretamente para Lana, ainda abatida na enfermaria, protegida por Lena e Francisco. Seu coração apertava ao ver a mulher que amava passando por tanta tensão em tão pouco tempo.
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