capítulo 4

1271 Palavras
Lívia despertou devagar, abraçada ainda à languidez confortável que a noite deixara em seu corpo. Por alguns instantes, permaneceu de olhos fechados, sentindo o frescor suave da brisa da manhã atravessar a cortina fina, trazendo o aroma do mar misturado ao leve perfume de flores que impregnava o quarto. O sol, porém, insistiu em tocar seu rosto. Ela sorriu, tímida, lembrando-se do significado daquele momento: O amanhecer revelaria o marido que a tradição lhe concedera. Seu coração se apertou com um misto de nervosismo e encantamento, mesmo que já conhecesse bem o homem ao seu lado. Mas, quando abriu os olhos… O ar dentro de seus pulmões pareceu falhar. O homem ao seu lado não era Lucas. Ela piscou rápido, achando — esperando — que fosse um efeito da luz dourada, um devaneio, qualquer coisa que explicasse aquela estranha sensação de estar olhando para um rosto que ela jamais havia visto antes. Mas não. A realidade estava ali, nítida. O rapaz adormecido possuía traços mais marcantes, a linha do maxilar forte, os cabelos escuros despenteados. Ele parecia mais alto, mais largo… completamente diferente. Um choque gelado percorreu sua espinha. O desespero subiu tão rápido que ela teve de prender a respiração para evitar que um som escapasse. A tradição era clara — Não se via o rosto, não se falava, não se acendia a luz. E ela havia acreditado, com toda a inocência e entrega do mundo, estar deitada ao lado de Lucas. As mãos de Lívia tremiam levemente quando ela apertou os lençóis junto ao peito, tentando impedir que o pânico a engolisse. Como aquilo era possível? Como ela poderia ter se enganado? Ou… alguém tinha mexido nas marcações? O vento soprou novamente, balançando a cortina, fazendo a luz dançar no rosto do desconhecido. Ele respirava profundamente, como se o mundo estivesse em perfeita ordem — enquanto o dela parecia ter acabado de virar do avesso. Lívia mordeu o lábio, o coração martelando. O homem ao seu lado não era Lucas. E ela havia passado a noite com ele, e perante a todos da ilha, eles agora eram marido e esposa. Lívia levou a mão à cabeça, tentando acalmar a respiração que insistia em acelerar. Cada mínimo movimento fazia o colchão afundar, e ela temia que o homem desper­tasse — ela não sabia se estava preparada para olhar nos olhos dele e encarar a verdade. Com extremo cuidado, afastou o lençol de seu corpo e apoiou os pés no chão frio. O ar matinal fez sua pele arrepiar imediatamente. Por um instante, ficou ali, sentada à beira da cama, imóvel, como se pudesse pausar o tempo apenas desejando com força suficiente. Fugir! O pensamento surgiu nítido, quase sedutor. Se saísse pela porta dos fundos, se corresse pela praia até o limite da mata, poderia desaparecer por algumas horas ou dias. Poderia evitar encarar os olhares de todos naquele templo, especialmente os dos pais de Lucas, ou os da própria família dela, orgulhosos e tão confiantes de que tudo ocorrera da forma certa. Mas, no instante seguinte, o peso da tradição caiu sobre seus ombros. Ela sabia que não podia fugir —ninguém podia. A deusa já havia aceitado a união, já havia selado o matrimônio ao permitir que a noite acontecesse. Aquele homem, que agora dormia em silêncio atrás dela, era seu marido diante de Afrodite. E romper ou negar isso seria considerado uma afronta. A ilha inteira esperava por eles à porta do templo. Lívia apertou os olhos, sentindo o peito arder. E Lucas? Como ele estaria agora? Deitado ao lado de outra mulher, acreditando ser ela? Ou teria percebido a troca antes mesmo do amanhecer? Um nó grosso fechou sua garganta. Ela sentiu a dor de uma culpa repentina, dilacerante, mesmo sabendo que não tivera escolha — que a escuridão, o silêncio, as regras da tradição não davam espaço para dúvidas. Mas, ainda assim, o coração dela apertava ao imaginar o olhar de Lucas quando descobrisse que não fora ela quem o acompanhara na noite de núpcias. E pior… como ela lidaria com o fato de ter se entregado por inteiro a um homem cujo rosto só agora estava vendo? A lembrança da noite a atravessou de forma avassaladora: o toque seguro, a calma, a gentileza. Tudo aquilo que ela acreditara ser Lucas. Mas não era. “Meu Deus…” ela pensou, levando a mão à boca, tentando conter um soluço. A cortina balançou novamente, e a luz se expandiu pelo quarto, iluminando melhor o rosto do estranho. Lívia sentiu as pernas fraquejarem. Não havia mais volta. Com a deusa como testemunha, ele era seu marido agora. E ela precisava encontrar força para enfrentar o destino que — ao que tudo indicava — havia sido decidido para ela… de forma completamente diferente do que imaginara. Simon despertou lentamente, como se emergisse de um sonho incomum — daqueles que deixam o corpo pesado, mas a mente em paz. A primeira coisa que percebeu foi o silêncio. A segunda… foi o perfume suave de flores silvestres. Ele abriu os olhos devagar. À sua frente, sentada na borda da cama e parcialmente coberta pelos lençóis, uma mulher estava parada olhando em direção as cortinas. Os longos cabelos castanhos se espalhavam e escorriam pelas costas nuas, formando uma cascata suave que capturava a luz da manhã. Simon soltou um suspiro sem perceber. Um suspiro satisfeito. Não era esse o plano dele. Nunca fora. Ele não queria estar naquela ilha. Só tinha voltado porque seus pais insistiram — dizendo que já era hora de parar de fugir, de assumir responsabilidades, de ao menos tentar cumprir a tradição que honrava a família. Simon sempre achara tudo aquilo um absurdo romântico demais. E, nas vezes em que viera antes, nenhuma mulher entrara em seu quarto. Três celebrações, três amanheceres solitários. Perfeito. Exatamente como preferia. Mas agora… Agora havia alguém ao seu lado. E uma mulher bonita. Muito bonita. Ele apoiou a cabeça no travesseiro e ficou observando o contorno suave da coluna dela, o modo como ela parecia perdida em pensamentos. Alguma coisa quente se acomodou no peito dele, inesperada. Então… desta vez a deusa realmente decidiu brincar com o meu destino?! Pensou, com uma mistura de ironia e curiosidade. Casar. A palavra ecoou forte. Por mais que seu lado racional tentasse protestar, a tradição era clara — e ele sempre respeitara isso, mesmo que não acreditasse totalmente. Aquela mulher, aquela estranha cujo nome ele não sabia e cujo rosto ainda não vira por completo, Agora era sua esposa. E, pela primeira vez, Simon sentiu algo que não esperava sentir: Tranquilidade. Não havia interesse ali. Não havia fama, dinheiro, aparência. Ela não sabia quem ele era — nem ele quem ela era. Era uma união completamente cega, e ainda assim… não parecia errada. — Bem… — murmurou ele para si, com um meio sorriso preguiçoso — pelo menos desta vez acordei ao lado de alguém. Ele esticou um braço devagar, sem tocá-la, apenas observando o desenho delicado de suas omoplatas sob a pele suave. Queria ver seu rosto. Sentia uma curiosidade crescente. Mas não ousou incomodar ela em seus pensamentos. Havia algo tão frágil naquela cena matinal, algo tão íntimo e silencioso, que parecia um pecado quebrá-la. Lívia por sua vez, se sentia em um turbilhão. Sua cabeça estava trabalhando tão rápido que nem mesmo percebeu e tempo que o homem passou apenas a observando, sem saber sobre o que passava em seu coração, em sua cabeça. Simon respirou fundo e fechou os olhos por um instante, aceitando pela primeira vez em anos que talvez… apenas talvez… o destino soubesse mais do que ele. ...
Leitura gratuita para novos usuários
Digitalize para baixar o aplicativo
Facebookexpand_more
  • author-avatar
    Escritor
  • chap_listÍndice
  • likeADICIONAR