Dor

1037 Palavras
**Fenrir** Tudo o que eu tinha ouvido da minha companheira durante o dia anterior eram os seus gritos a cada osso do seu corpo que se quebrava. Zara não tinha dormido nem comido nada; nem ao menos suportava o meu toque na sua pele, e aquilo estava me matando por dentro. As únicas vezes em que não ouvia os seus gritos eram quando eu e Koda dávamos um pouco da nossa energia para ela; nesses momentos, ela dormia imediatamente de tão exausta que estava. Mas eu sabia também que, se não estivesse fazendo isso, ela não resistiria. A sua energia estava sendo completamente drenada naquele processo louco pelo qual ela estava passando. Zara nem ao menos tinha conseguido me explicar o porquê daquilo antes de se contorcer de dor. Então, lá estava eu, ao seu lado, aflito por não poder tocá-la. Aquele era o terceiro dia em que ela estava assim, e quem a visse se assustaria com a sua forma. O seu corpo, lentamente, estava se quebrando e adquirindo a forma que deveria ter quando a sua loba emergisse. Diana também tinha estado ao lado de Zara, chorando sempre que a ouvia gritar, e eu podia ver nos olhos de Dante o quanto aquilo o afetava. Os lobos eram protetores, e tudo o que afetava os seus companheiros afetava-os também. Tinha sido com muito custo que ele a retirou do quarto, e eu agradeci por isso. A doutora Celina também esteve lá, e várias vezes me alertou sobre o que estava acontecendo, especialmente para o facto de Zara não conseguir completar o processo — algo que eu me recusava a ouvir. Levei anos para encontrar a minha companheira, e não permitiria perdê-la naquele momento. Eu estava esgotado, sentia-me mais cansado do que devia, e sabia que isso se devia à energia que estava compartilhando com ela. Por causa de Zara, estava me cuidando, comendo nas horas certas, porque ela precisava de mim e de Koda, e não podíamos falhar com ela naquele momento. — Alfa. — Ouço a voz de Ethan; nem sequer tinha percebido que ele tinha entrado no quarto. — Desculpe interromper. — Está tudo bem, Ethan, — digo, ainda que ele soubesse que não era bem isso que eu pensava. — Ela finalmente dormiu um pouco. — Você também devia dormir, Fenrir. Posso ver nos seus olhos que está se esforçando para ficar em pé. — diz ele, aproximando-se de mim e olhando para Zara na cama. Eu tinha coberto o seu corpo; não gostava que olhassem para o quão mudada ela estava, presa num processo lento de transformação. — Eu sei, vou fazer isso assim que tomar um banho. — digo com um suspiro audível. — Antes, preciso que venha comigo. — diz ele, um tanto hesitante. Olho nos seus olhos, sem entender. — Um dos homens do Conselho está aqui. Tinha-me esquecido completamente do Conselho, e pensar neles fazia-me lembrar que já se passavam vários dias desde que Zara sofria. Um tanto relutante, saio do quarto acompanhando Ethan. Quanto mais rapidamente lidasse com aquilo, mais rápido voltaria para o lado da minha companheira. Assim que chego à sala, sinto uma aura diferente no ar; ela era poderosa e, de certa forma, intimidante. Se eu, como alfa, sentia aquilo, podia imaginar o quanto estava a ser difícil para Ethan e para os outros. — Desculpe aparecer num momento tão mau, Alfa Fenrir. — diz ele, virando-se para mim. Encaro os seus olhos dourados com um misto de sentimentos. Ele era um ancião; os seus cabelos brancos e pele morena davam um contraste interessante com a cor dos seus olhos. Podia ver, pela forma como me olhava, que ele estava examinando cada passo que eu dava na sua direção, assim como eu fazia com ele. — Não há o que desculpar, Conselheiro; nem eu imaginava que estaria passando por isso. — digo, parando à sua frente. — Eu sou Isacar e fui encarregado de colher o seu depoimento e o de Luna Zara para prosseguirmos com o processo contra o Alfa James. Embora ele tenha morrido, recebemos informações de que a sua filha, Paola, compactuava com os seus crimes, e precisamos investigar isso. — diz ele de forma serena. Podia ver em Isacar que a sua busca por justiça era verdadeira; havia algo nele que me fazia confiar nas suas palavras. Aponto para o sofá ao lado, e ele me segue, sentando-se à minha frente. — Posso depor para agilizar o processo, Conselheiro, mas a minha companheira não está em condições de depor por enquanto; teremos de reagendar. — observo o seu olhar confuso sobre mim, mas sabia que ele já devia ter ouvido algo. — Entendo. Soube que ela está a passar por uma transformação tardia. Sei o quanto isso pode ser perigoso para um lobo. — as suas palavras eram carregadas de tranquilidade e compreensão, o que não contrastava com a sua aura dominante naquele momento. — Isso me preocupa; hoje faz três dias que ela está assim. — Espere! — diz ele, surpreso. — Você disse três dias? Não entendo a forma como ele me olha, e aquilo me confunde, mas atribuo isso ao fato de poucas pessoas terem visto uma transformação tardia. — Sim, faz três dias que ela está passando por este processo. Quando estava nas mãos do Alfa James, era torturada todos os dias, e, no seu aniversário, não tinha energia para se transformar. Na última semana, passou se recuperando, e agora que o seu corpo está mais forte, o processo começou. — explico-lhe. — Poderia dizer-me quem são os pais da sua Luna, Alfa Fenrir? — pede ele. — A mãe dela já morreu, então não sei dizer quem era. Recentemente descobrimos que o Alfa James não é o seu pai verdadeiro, então não saberei responder a essa pergunta. — vejo os seus olhos ficarem distantes, e imagino que devia estar conversando com o seu lobo sobre algo. — Isso é interessante. Vou certificar-me de investigar isso quando for à alcateia do Alfa James. — diz ele com olhos decididos. — Agradeço por... — naquele instante, ouço o grito de Zara cortar a noite, e, sem me preocupar com Isacar, corro escada acima, temendo o pior.
Leitura gratuita para novos usuários
Digitalize para baixar o aplicativo
Facebookexpand_more
  • author-avatar
    Escritor
  • chap_listÍndice
  • likeADICIONAR