cap 03 preocupação

764 Palavras
Thaís Deixei as crianças na escola; era perto das oito horas da manhã. Vitória estava toda manhosa, pedindo pra eu não ir pro trabalho porque queria ficar comigo. Enquanto isso, o Pedro me atormentava até eu deixar ele encher o Neguinho de mensagens, perguntando se o pai podia vir passar o dia com ele no sábado. Quando meus filhos viam o pai ou a minha família, geralmente era na minha casa ou em algum outro lugar mais reservado e escondido. Eu não gostava de levá-los para o morro, com medo de ter alguma invasão e a gente acabar não saindo. O Neguinho respeitava essa decisão, mas vivia me enchendo a cabeça, dizendo que queria os filhos — e a mulher — em casa. Às vezes eu desenhava pra ele que a última coisa que eu era, era “mulher dele”, mas parecia que o cara ia levar uns cinco anos pra entender. Neguinho não me infernizava a vida — ele não era louco de fazer isso, sabia que armaria uma guerra com o meu pai. Mas não posso dizer que ele não me atormentava com umas piadinhas e indiretas nada legais. Não deu valor quando teve, e agora quer fazer graça. Desbloqueei o celular, procurando as conversas. Mensagens enviadas ao Flávio — ele não viu. Mensagens enviadas ao Vitor — ele não viu. As mensagens enviadas ao meu pai nem tinham chegado, mas era normal aquele homem deixar o celular desligado. Bloqueei o aparelho e coloquei no bolso, enquanto corria pra pegar meu Uber que me esperava na porta da escola. Ainda tinha um longo dia no hospital onde eu trabalhava como estagiária. Era na parte administrativa, mas eu não via a hora de conseguir uma vaga como enfermeira. Pra isso, precisava de mais tempo de curso — eu ainda estava só no quarto semestre. O celular tocou no bolso da calça, e o nome do Flávio brilhava no visor. Pensei duas vezes antes de atender, já que quem queria falar com ele era o meu filho, e não eu. Ligação on Thaís: Alô. — atendi seca. O taxista deu partida no carro, seguindo para o meu trabalho. Neguinho: Aê, n**a. Bom dia! Onde cê tá? Thaís: Teus filhos estão na escola, Flávio. É deles que você tem que saber, certo? Ele suspirou. Neguinho: Tu não facilita pra mim, né, Thaís? c*****o, mano... — reclamou, e eu já tava quase desligando. — Tô no hospital. Teu pai levou um tiro de raspão no braço e te quer aqui em cima. Tamo levando ele pra casa agora. Thaís: Espera aí... como é que é? Ligação off. Senti o ar fugir dos meus pulmões e desliguei o aparelho, gritando pro taxista seguir pra favela. Procurei pela bombinha de asma dentro da bolsa e apertei umas três vezes dentro da boca. Às vezes eu sentia que não conseguia respirar, e só ela me fazia voltar. Encostei a cabeça no banco, mas tudo girava. O motorista dirigia o mais rápido que conseguia. Quando paramos perto do Pavãozinho, o sinal estava fechado. Joguei uma nota pro moço e saí correndo do carro, em direção à entrada do morro. Os meninos que estavam na contenção eram novinhos e já me olhavam cheios de maldade. Mas aliviei quando vi o Índio ali também, com um cigarro no bico. Thaís: Ei! — acenei pra ele. Índio: p***a, Thaís! — ele veio na minha direção com um sorriso no rosto, me abraçando com força. — Pô, n**a, saudade de tu por aqui! Thaís: Fiquei sabendo do que houve — respondi, ainda ofegante. Eu continuava tonta, mas pelo menos não tinha desmaiado. — Me diz que ele tá bem. Índio: Vai ficar, papo dez. — Assenti, concordando. — Tão levando o coroa pra casa, eu te deixo lá. Thaís: Você tá trabalhando, não precisa. Eu subo. Uma moto parou bem do nosso lado, e o Terror tirou o capacete, apontando a cabeça pra mim em cumprimento. Não respondi. Nós não tínhamos i********e. Ele era o melhor amigo do meu irmão, e o meu pai tinha por ele um carinho de filho. Mas a gente se via pouquíssimas vezes, porque eu já namorava o Flávio e praticamente morava com ele quando o Terror conheceu o Vitor. Terror: Fui comprar uns bagulho pro teu coroa — falou. — Sobe aí, a gente tá indo pro mesmo rumo. Engoli seco e concordei. Era mais fácil chegar assim. O Terror me esticou o capacete e eu coloquei, subindo na moto com a ajuda dele. Acenei pro Índio, que deu um tchauzinho pra gente, sorrindo de lado.
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