Arthur
O sabor do café é amargo.
A reunião das nove é um zumbido distante. O contrato de oito dígitos que acabo de fechar não me dá nem um pico de adrenalina. Minha mente, essa máquina implacável que construiu um império, está reduzida a uma única e obsessiva função: comparar.
Briana Almeida.
Ela sentou ali, naquela mesma cadeira de couro, há menos de vinte e quatro horas. E desde então, ela não saiu da minha cabeça.
É uma infestação.
Um vírus.
Cada gesto dela é colocado lado a lado com os da Mascarada, num laboratório mental doente.
A Briana baixou os olhos quando eu elogiei o anel. A Mascarada, por trás da máscara, sustenta o olhar na câmera com uma coragem que é quase um desafio. Será que a timidez da Briana era real, ou uma performance tão boa quanto a da personagem?
A voz.
A voz da Briana é mais suave, um tom acima daquela voz rouca e sedosa que sussurra na minha orelha através dos fones. Mas o timbre... o timbre de base é o mesmo. É a mesma corda vocal, tensionada para performances diferentes.
E o olhar. Aquele olhar que, por uma fração de segundo, desceu até o volume na minha calça e me deixou completamente exposto. Foi um olhar de mulher, não de garota. Foi o olhar da Mascarada avaliando um assinante que está especialmente... generoso.
Preciso de mais. Preciso de uma confirmação irrefutável.
Minha próxima reunião é com ela e a equipe de criativos. Um pretexto perfeito. Eu a observo entrar na sala, vestindo um vestido simples. Parece jovem, quase ingênua.
É a fachada perfeita.
A reunião começa.
Eu me sento à ponta da mesa, um rei em seu trono, mas meus sentidos estão todos voltados para ela.
A diretora de arte fala sobre o conceito da campanha:
"Mistério e Revelação"
A ironia é tão grossa que quase me faz rir.
— Briana. — eu interrompo, minha voz soando mais áspera do que eu pretendia.
Todos olham para mim.
Ela levanta os olhos, surpresa.
— O conceito é que você tem um segredo. Algo que você esconde do mundo. Algo que só é revelado para a câmera.
Eu seguro o olhar dela.
— Você acha que consegue transmitir isso? Essa dualidade?"
Ela fica ligeiramente pálida. Seus dedos brincam com o anel prateado.
— Acho que... todo mundo tem um lado que esconde, não é? — ela responde, a voz um pouco trêmula. — É só uma questão de... deixar esse lado vir à tona na hora certa.
Na hora certa. Como às 22h de todas as noites, por exemplo.
Um dos diretores, um idoso chamado Renato, faz uma piada b***a.
A Briana ri. E é aí que eu vejo.
É o mesmo riso. A mesma maneira como o nariz dela se enruga levemente. A mesma risada contida, quase contida, que solta a Mascarada quando um dos idiotas no chat diz algo engraçado. É um detalhe ínfimo, impossível de forjar.
Meu coração acelera.
É ela.
Eu sinto que é ela.
O resto do dia é uma tortura. Cada minuto é uma eternidade. As horas se arrastam.
Finalmente, são 21:55.
Eu já estou no meu quarto, o notebook aberto. Minhas mãos estão suadas. Esta não é mais uma sessão de prazer solitário. É uma missão de reconhecimento.
Ela entra ao vivo.
A Mascarada.
A máscara prateada.
O anel.
A voz rouca e doce.
— E aí, meus amores. Prontos para a noite?
Eu observo cada movimento com uma intensidade doentia. Quando ela passa a língua nos lábios, eu comparo com a Briana que bebeu água durante a reunião. Quando ela arqueia as costas, eu me lembro da linha do seu corpo sob o vestido.
É ela.
Tem que ser.
Mas ainda há uma dúvida minúscula, um grão de areia na engrenagem da minha certeza. E essa dúvida me corrói.
A live termina. Ela desliga a câmera. E eu fico ali, na escuridão do meu quarto, com o corpo tenso e a mente em chamas. A obsessão me consome vivo. Preciso de uma confirmação final. Algo que só ela pode me dar.
Abro meu e-mail profissional. Nada novo. O pessoal da campanha já enviou os próximos passos. Nada dela.
Então, me lembro.
O e-mail do Fênix n***a.
A proposta comercial.
Eu não conferi se ela me respondeu. A imagem da Briana apareceu tão rápido que esqueci completamente daquilo.
Com dedos trêmulos, abro a conta anônima. A caixa de entrada está vazia. Nada. Uma pontada de... decepção? Eu checo a pasta de spam, por desencargo de alma.
E lá está.
O coração para no meu peito.
De: Mascarada na Cama
Assunto: Re: Proposta Comercial
O sangue congela nas minhas veias. E depois, ferve.
Ela respondeu. Ela respondeu ao Fênix n***a.
Ela não sabe que sou eu. Ela acha que é apenas mais um assinante. Um cliente.
E se ela respondeu a ele... para quem mais ela responde? O que mais ela faz?
A imagem que me vem à mente é violenta, suja. Briana, a minha nova modelo, a garota das roupas simples, se encontrando com estranhos. Briana, a Mascarada, fazendo "programas". Vendendo seu corpo, não só sua imagem.
Um ciúme doentio, primitivo, me domina tão completamente que eu perco o fôlego. É uma fúria cega, irracional.
Eu a quero para mim.
Só para mim.
Para os meus olhos.
Para a minha obsessão.
Minhas mãos tremem sobre o teclado. A raiva é um gosto metálico na minha boca. Todo o meu sangue parece ter sido substituído por álcool puro, pronto para incendiar.
Eu não penso.
Eu reajo.
Meus dedos batem no teclado com força, cada letra um golpe.
"Para: Mascarada na Cama
Não. Nada de propostas. Nada de joguinhos.
Eu quero me encontrar pessoalmente com você. Pago adiantado.
Me diz teu preço."
Eu olho para a tela, para aquelas palavras cruas, brutais. É um ponto de não retorno. É a confissão final do Fênix n***a, a admissão de que ele quer mais do que apenas observar.
E é a armadilha que eu estou armando para a Briana.
Aperto o botão "enviar".
O e-mail some da tela, carregado com todo o meu desejo, minha raiva e meu ciúme doentio.
E agora, eu espero.
ADICIONE NA BIBLIOTECA
COMENTE
VOTE NO BILHETE LUNAR
INSTA: @crisfer_autora