Reconhecimento

1042 Palavras
Arthur O sabor do café é amargo. A reunião das nove é um zumbido distante. O contrato de oito dígitos que acabo de fechar não me dá nem um pico de adrenalina. Minha mente, essa máquina implacável que construiu um império, está reduzida a uma única e obsessiva função: comparar. Briana Almeida. Ela sentou ali, naquela mesma cadeira de couro, há menos de vinte e quatro horas. E desde então, ela não saiu da minha cabeça. É uma infestação. Um vírus. Cada gesto dela é colocado lado a lado com os da Mascarada, num laboratório mental doente. A Briana baixou os olhos quando eu elogiei o anel. A Mascarada, por trás da máscara, sustenta o olhar na câmera com uma coragem que é quase um desafio. Será que a timidez da Briana era real, ou uma performance tão boa quanto a da personagem? A voz. A voz da Briana é mais suave, um tom acima daquela voz rouca e sedosa que sussurra na minha orelha através dos fones. Mas o timbre... o timbre de base é o mesmo. É a mesma corda vocal, tensionada para performances diferentes. E o olhar. Aquele olhar que, por uma fração de segundo, desceu até o volume na minha calça e me deixou completamente exposto. Foi um olhar de mulher, não de garota. Foi o olhar da Mascarada avaliando um assinante que está especialmente... generoso. Preciso de mais. Preciso de uma confirmação irrefutável. Minha próxima reunião é com ela e a equipe de criativos. Um pretexto perfeito. Eu a observo entrar na sala, vestindo um vestido simples. Parece jovem, quase ingênua. É a fachada perfeita. A reunião começa. Eu me sento à ponta da mesa, um rei em seu trono, mas meus sentidos estão todos voltados para ela. A diretora de arte fala sobre o conceito da campanha: "Mistério e Revelação" A ironia é tão grossa que quase me faz rir. — Briana. — eu interrompo, minha voz soando mais áspera do que eu pretendia. Todos olham para mim. Ela levanta os olhos, surpresa. — O conceito é que você tem um segredo. Algo que você esconde do mundo. Algo que só é revelado para a câmera. Eu seguro o olhar dela. — Você acha que consegue transmitir isso? Essa dualidade?" Ela fica ligeiramente pálida. Seus dedos brincam com o anel prateado. — Acho que... todo mundo tem um lado que esconde, não é? — ela responde, a voz um pouco trêmula. — É só uma questão de... deixar esse lado vir à tona na hora certa. Na hora certa. Como às 22h de todas as noites, por exemplo. Um dos diretores, um idoso chamado Renato, faz uma piada b***a. A Briana ri. E é aí que eu vejo. É o mesmo riso. A mesma maneira como o nariz dela se enruga levemente. A mesma risada contida, quase contida, que solta a Mascarada quando um dos idiotas no chat diz algo engraçado. É um detalhe ínfimo, impossível de forjar. Meu coração acelera. É ela. Eu sinto que é ela. O resto do dia é uma tortura. Cada minuto é uma eternidade. As horas se arrastam. Finalmente, são 21:55. Eu já estou no meu quarto, o notebook aberto. Minhas mãos estão suadas. Esta não é mais uma sessão de prazer solitário. É uma missão de reconhecimento. Ela entra ao vivo. A Mascarada. A máscara prateada. O anel. A voz rouca e doce. — E aí, meus amores. Prontos para a noite? Eu observo cada movimento com uma intensidade doentia. Quando ela passa a língua nos lábios, eu comparo com a Briana que bebeu água durante a reunião. Quando ela arqueia as costas, eu me lembro da linha do seu corpo sob o vestido. É ela. Tem que ser. Mas ainda há uma dúvida minúscula, um grão de areia na engrenagem da minha certeza. E essa dúvida me corrói. A live termina. Ela desliga a câmera. E eu fico ali, na escuridão do meu quarto, com o corpo tenso e a mente em chamas. A obsessão me consome vivo. Preciso de uma confirmação final. Algo que só ela pode me dar. Abro meu e-mail profissional. Nada novo. O pessoal da campanha já enviou os próximos passos. Nada dela. Então, me lembro. O e-mail do Fênix n***a. A proposta comercial. Eu não conferi se ela me respondeu. A imagem da Briana apareceu tão rápido que esqueci completamente daquilo. Com dedos trêmulos, abro a conta anônima. A caixa de entrada está vazia. Nada. Uma pontada de... decepção? Eu checo a pasta de spam, por desencargo de alma. E lá está. O coração para no meu peito. De: Mascarada na Cama Assunto: Re: Proposta Comercial O sangue congela nas minhas veias. E depois, ferve. Ela respondeu. Ela respondeu ao Fênix n***a. Ela não sabe que sou eu. Ela acha que é apenas mais um assinante. Um cliente. E se ela respondeu a ele... para quem mais ela responde? O que mais ela faz? A imagem que me vem à mente é violenta, suja. Briana, a minha nova modelo, a garota das roupas simples, se encontrando com estranhos. Briana, a Mascarada, fazendo "programas". Vendendo seu corpo, não só sua imagem. Um ciúme doentio, primitivo, me domina tão completamente que eu perco o fôlego. É uma fúria cega, irracional. Eu a quero para mim. Só para mim. Para os meus olhos. Para a minha obsessão. Minhas mãos tremem sobre o teclado. A raiva é um gosto metálico na minha boca. Todo o meu sangue parece ter sido substituído por álcool puro, pronto para incendiar. Eu não penso. Eu reajo. Meus dedos batem no teclado com força, cada letra um golpe. "Para: Mascarada na Cama Não. Nada de propostas. Nada de joguinhos. Eu quero me encontrar pessoalmente com você. Pago adiantado. Me diz teu preço." Eu olho para a tela, para aquelas palavras cruas, brutais. É um ponto de não retorno. É a confissão final do Fênix n***a, a admissão de que ele quer mais do que apenas observar. E é a armadilha que eu estou armando para a Briana. Aperto o botão "enviar". O e-mail some da tela, carregado com todo o meu desejo, minha raiva e meu ciúme doentio. E agora, eu espero. ADICIONE NA BIBLIOTECA COMENTE VOTE NO BILHETE LUNAR INSTA: @crisfer_autora
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