Holambra - Agosto de 2021.

1664 Palavras
Cansados da violência no Rio de Janeiro, o patriarca da família Esteves, em comum acordo com todos, resolveu deixar a cidade maravilhosa. Sim, maravilhosa dona de lugares lindos, praias exuberantes, monumentos históricos e dono de uma das sete maravilhas do mundo: o Cristo Redentor. A imagem é linda, parece abençoar os seus, cuidar e proteger; proteção é o que falta para esse povo sofrido, refém das guerras cotidianas e da violência que cresceu como erva daninha num bonito jardim. A erva daninha tira as forças das plantas, a cor viva das flores e deixa o verde das suas folhas, desbotado, uma tristeza só. Assim acontece com a cidade maravilhosa, a erva daninha cresceu muito e não para de crescer, aqueles que se arriscam a conviver com ela ficam num espaço sufocado, se esquivando daqui e dali para respirar, mas outras desistem. Evaristo desistiu, não suportava mais temer pela vida dos seus filhos, pela vida de sua esposa que noutro dia fora assaltada no transporte público, levaram tudo da pobre mulher, nem a aliança pouparam. Quanto iria valer aquele aro fino de ouro? Cem? Cento e cinquenta? Duzentos, no máximo, disso não iria passar! Alda teve uma crise nervosa, chegou a desmaiar. Tudo estava ficando cada vez mais denso, sua pequena Camilla perdeu o celular a caminho da escola; esse perder não é ao pé da letra, mas sim uma forma usual dos meliantes dizerem que você perdeu o seu bem material para eles. Na sua concepção você sofreu um assalto, na deles você simplismente perdeu. A menina retornou para casa, corpo trêmulo e olhos arregalados. Atendia uma ligação do pai, que estava na pequena padaria da família localizada em Honório Gurgel, local onde também residiam. Certa vez, Evaristo passou por maus bocados, seu modesto comércio foi alvo de assaltantes, ocorreu isso por três vezes no mesmo mês, fazendo com que o seu orgulho de homem honesto ficasse ao nível do chão. Ele desistiu; desistiu de tentar, insistir e de lutar para seguir em frente apesar dos pesares. Por essas pesadas razões, uma idéia pulou no trapézio da sua mente e por lá ficou aos balanços: iria para fora do Rio, buscaria por tranquilidade e paz para sua família. Evaristo, formado em botânica, porém apaixonado pela panificação, resolveu colocar em prática suas habilidades, muito enferrujadas, com as plantas. Estivera, certa vez, em São Paulo, precisamente em Holambra, na época era meninote, no auge dos seus vinte anos, acompanhava o tio dono de uma floricultura. Amaro, tinha um amigo por aquelas bandas, um biólogo, fora visitá-lo. A idéia ganhou corpo e passou a ser não só uma vontade, mas sim algo firme, concreto, restava apenas falar com os membros da família o que não foi um percalço, todos abraçaram o desejo do patriarca. Não demorou muito para Evaristo, em sua busca pela internet, encontrar uma propriedade rural, muito bonita apesar do mato alto, imóvel precisando de uma boa mão de tinta e limpeza. O valor estava atrativo, muito abaixo da tabela do mercado. Isso fez seus olhos brilharem de antecipação. Buscou por mais informações e outra idéia explodiu na cachola ao ver onde o imóvel estava localizado, Holambra. Pensou e formulou sonhos, investiria nas flores, abriria uma floricultura numa cidade próxima. A propriedade por ser enorme, lhe permitiria, também, iniciar um horto. Camila, sua filha do meio, amava plantas, seria para ela que faria este. Dentro de alguns dias, tudo foi resolvido. A família mudou-se num sábado, sábado de céu cor de chumbo, nuvens pesadas, mas a chuva não caia, vento soprava gelado e arrepiava os cabelos da nuca. O clima estava estranho, parecia mais com os que os autores descrevem em contos de terror, só faltava uma bruma surgir do nada e engolir as construções. Isso não aconteceu. Foram quase seis horas de viagem da família dentro de uma Zafira prata, Júnior, o filho caçula dos Esteves, reclamava do desconforto em estar sentado. Na realidade o moleque era deverás um traquinas e não conseguia ficar quieto por muito tempo. A irmã mais velha, Tábata, com seus dezoito anos, estava quieta, ouvindo música com seus fones via Bluetooth, sequer interagia com os restantes dos membros. A única pessoa que cobriu o pai de indagações foi a pequena Camila, menina doce, sensível, com apenas quinze anos tinha uma maturidade que faltava em Tábata. Evaristo ama todos os filhos, mas Camila tinha algo que o impelia a estar sempre a rodiando, talvez ele pressentiasse o futuro, talvez fosse só um cuidado demasiado com o m****o mais frágil da família , isso em sua concepção. Enfim, tinham chegado na propriedade que seria, daquele dia em diante, o seu lar. A família inteira, desembarcou do veículo. _ Eu não fazia idéia do tamanho dessa casa! É enorme! Quase uma mansão! - Alda falou afetada, com certeza pensava no trabalho que teria para deixar tudo limpo e organizado. Evaristo veio sozinho para São Paulo, quando foi para assinar a escritura da propriedade e acertar o pagamento. Ele não se atentou há pequenos detalhes como o fato de os antigos donos não conseguirem vendê-la ou o fato de se destituirem de uma bela fazenda. Os três irmãos desceram, Camila foi à última. _ Bella Flor...- falou baixo, seu pai ouviu e virou-se para a menina- bonito nome.- completou com seus olhos castanhos escuros fixos na madeira que carregava o nome entalhado; madeira esta que ficava pendurada acima da porteira, porteira não, um portão todo fechado, portão de madeira por fora, mas que continha uma chapa de aço reforçada por dentro. _ Bem hilário, isso sim! Bella Flor, num lugar que produz flor. Sem criatividade ou imaginação, uma patacoada.- Junior expôs, um menino de doze anos que gostava, e gosta, de colocar suas opiniões ao conhecimento dos seus convivas. _ Eu não vou morar no nome, então se fosse coco seco, nem ligo! Quero o quarto que fique de frente para a rua, quero ver o movimento. - Tábata proferiu, mexendo no celular, o aparelho parecia ser parte da moça que não desgrudava da tecnologia. A família adentrou a fazenda, quando o veículo cruzou o limiar que delimitava à via pública da propriedade particular, um arrepio tomou conta da pequena Camila. Abateu-se em seu franzino corpo uma sessão de calafrios. A garota encolheu-se no banco, abraçando-se, no entanto assim como chegou, a sensação esquisita partiu, abandonando-a. A residência foi construida um pouco afastada, localizada, precisamente, bem no meio da área social, mais uma vez todos saíram do veículo. Os membros da família Esteves, olhavam abismados, tudo estava jogado, e aparentava ter anos de descuido. _ Isso parece cenário de filme pós apocalipse! Olha a piscina, nem quero saber o que tem dentro dessa água podre, o negócio tá mais verde do que os próprios matos!- Tábata falou, sua voz indignada ecoando pelo espaço. _ Realmente, fazia um bom tempo que ninguém morava aqui, só que agora, isso é nosso e vamos cuidar, limpar e consertar o que precisar.- o patriarca proferiu, olhando para os seus. _ Vamos cuidar de limpar alguns cômodos da casa, logo chega a noite e eu não quero dormir na poeira.- Alda manifestou-se - Espero que a casa esteja em melhor condições que o resto, porque se não, onde ficaremos?- completou, indo até o carro para buscar produtos de limpeza e aspirador de pó. _ A casa está boa, querida, eu lhe falei.- Evaristo tratou de exclarecer a esposa, sabia do gênio difícil de Alda. _ É, mas não falou que todo o resto está em péssimas condições. Não entendo a razão para os antigos donos deixarem o lugar ficar nesse declínio ! Quem tem não dá valor, isso é a mais pura verdade. Esse lugar em seus melhores dias, deveria ser lindo.- falou, batendo a porta do carro; balde pano e uma sacola com alguns produtos estavam em suas mãos, o aspirador no chão. _ Veja pelo melhor lado, mamãe, eles cortaram o mato. Já imaginou nós sendo recebidos pelas cobras?- a indagação de Júnior, fez Alda olhar para os arredores, caçando as possíveis víboras. _ Nem brinca com um negócio desses, muleque! Tenho pavor desses bichos!- Tábata gritou, apavorada dando saltinhos miudos como se os répteis fossem brotar do chão . Todos resmugaram, reclamaram, todos menos Camila, e isso chamou a atenção do pai que aproximou-se da filha. _ Não vai dizer nada, Camila?- perguntou olhando para o horizonte. A menina sorriu e mirou o rosto com alguns sulcos do progenitor. _ É lindo! Gostei, papai! Posso amarrar minhas orquídeas no tronco daquela árvore? - perguntou apontando com o seu dedo a direção, indicando a qual árvore fazia referência. _ Aquela é uma Flamboiã. Sim, você pode.- respondeu. Camila deu uma boa olhada no espaço, não escondia a satisfação. No fundo, Evaristo sabia que uma pontada de tristeza andava com a sua garotinha, deixará para trás os amigos, alguns da época dos anos iniciais da escola. No entanto, tudo era novo para todos, um novo recomeço, uma oportunidade de viver sem ter de aprender a conviver com o medo de sair pela porta sem saber se irá retornar com vida ou se uma bala sem direção ou com direção vai achar seu corpo desprotegido. _ Vamos, Camila! Está dormindo em pé? Anda que a mãe disse que lá dentro está só o pó!- Tábata gritou da varanda da frente. Alda estava em posse das chaves, tinha entrado no imóvel e por muito pouco não jogou tudo pelos ares e saiu de baixo. A casa estava em ótimo estado de conservação, no entanto, parecia que o pó do mundo inteiro foi todo retido dentro do imóvel. Camila correu apressada em direção a casa, o céu de Holambra , naquele dia ,não estava dos melhores, uma chuva ameaçava desabar. Chuviscos, começaram a despencar, finos e constantes. Evaristo achou que era um sinal de boa sorte. O homem se encontrava feliz, esperançoso e cheio de planos. Olhava para aquelas terras e espelhava o seu futuro, um belo e próspero futuro.
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