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1894 Palavras
Abril de 2024. Dias passaram, dias nublados na vida da menina de coração ferido. Camila não mais chorava, não mais pensava sobre o beijo que não ocorreu. Sentada a bordo de um trator, acelerava, trabalhando a terra para receber novas mudas. Na noite em que foi deixada em casa por Marcelo, entrou correndo, subiu as escadas com a agilidade de um raio. Não quis ver ninguém. Evaristo e Alda ficaram trancados fora do lugar que a menina considerava o seu refúgio. Camila chorou baixinho, abraçada ao travesseiro. Nunca experimentou essa dor, e agora que sentia o fel, prometeu para si mesma que seria a primeira e última vez; não queria saber mais de nada sobre gostar de alguém. Sem ter consciência de que alguém acompanhava o seu prantear, camila debulhava-se. O fractal, observava sua amada, chorar por outro. Mirava a moça, sentia espinhos por toda parte em seu corpo imaterial. Varuna sentou-se perto da jovem, que, por sua vez, começou a sentir um frio inexplicável, como se alguém tivesse ligado o ar condicionado. Buscando calor e aconchego, a sofrida moça encolheu seu corpo em posição fetal. Os soluços sufocados da jovem despertaram em Varuna um desconforto insuportável. O espectro tocou nas pontas dos fios de cabelo da menina, conseguiu sentir a maciez deles e deu um leve sorriso. Ele inclinou-se sobre o pequeno ser e sussurrou em seu ouvido: "Não chores, eu estou aqui. Estou aqui com você." Camila levantou-se de súbito, olhou para os lados e não viu ninguém. Ela tinha escutado uma voz falando bem baixinho, quase um sussurro. O fantasma observou o pequeno rosto da menina, vermelho pelo pranto, achou o nariz da garota o botão de rosa mais bonito que pousou seu olhar. A moça procurou em sua mente uma explicação plausível para o que tinha ocorrido há pouco. Sua mente possivelmente estava confundindo os sons do seu choro e do vento açoitando as folhas das árvores com acontecimentos estranhos. Varuna movimentou-se, seu espírito cortou o ar e o cheiro agradável do seu perfume favorito, odor que levava consigo quando faleceu, espalhou-se pelo quarto. Um aroma fino, requintado, produto de uma essência amadeirada e notas de frescor. Camila aspirou o cheiro, fechou seus olhos e aquele perfume carimbou o seu interior, marcando algo ininteligível. A cena deixou Varuna preso mais uma vez na beleza da moça, o quadro em sua totalidade tinha viço, frescor e melancolia. Amou-a mais, amou-a além do que seu corpo de outra dimensão permite. Percebeu-se querendo-a mais do que qualquer coisa que fosse possível. _ Que cheiro gostoso. - a garota proferiu abrindo os olhos. - É você, fantasma? Dizem que me segue, que está sempre por perto. Era você hoje? - perguntou com seus olhos atentos a qualquer manifestação de que ele, o possível espírito, estivesse no mesmo local que ela. Varuna parou ao ouvir sua indagação. Algo resplandeceu dentro dele, fazendo-o flutuar. Contudo, não respondeu, teve receio de que Camila tivesse a mesma reação de mais cedo. _ Que espírito o quê! Tudo invenção do Marcelo. Aquele e******o! - expressou-se, secando as lágrimas que ainda teimavam em deslizar por sua face. Aquela noite foi engolida pelo dia e assim a dança das trocas começou e assim a vida foi transcorrendo. Era a primeira semana de abril, um sábado comum, cheio de luz solar e céu de brigadeiro. Camila aproveitou para explorar a fazenda sozinha, levou consigo apenas uma garrafinha de água e a força de vontade de caminhar por horas. Na sua caminhada, acabou por encontrar um lago, andou em volta, observando a água e o seu reflexo, assustou-se ao ver outra silhueta além da sua. Gritou, desequilibrando-se, e foi parar dentro do imenso lago. A água amorteceu a queda, mas molhou a moça por inteiro. Camila nadou até a margem oposta, subiu e olhou assustada para a outra ponta. O vestido simples, feito de chitão e cheio de girassóis, aderiu-se ao corpo, o cabelo colou-se nas laterais do rosto. Camila ficou furiosa, raiva saindo por todos os poros. _ Se quer aparecer, aparece! Quer reza, missa, vela, oração ou que eu desenterre algo, me mostre, mas não me dê sustos! - gritou, apertando a barra da roupa para retirar o excesso do líquido. Varuna estava bem perto dela, sereno, calmo e com um sorriso no rosto. _ Não peça o que você não pode suportar. - falou entrando em conexão com a amada. Camila arregalou os olhos ao ouvir a voz masculina, forte e grave. Olhou em sua volta e não viu ninguém. _ Deus amado! - exclamou, trêmula. _ Vai correr? - perguntou o espectro indo para mais longe da garota assustada. _ E... e... eu! Eu estou doida! - Camila bradou para si mesma, atordoada com toda a situação. Varuna mirou a sua amada, silenciou, não queria espantar a pequena, queria construir uma aproximação. _ Você ainda está aí? - a menina perguntou, retirando os sapatos encharcados dos pés. _ Sim. - respondeu o espectro. _ O que quer? Vela, missa, or... _ O que quero está além disso. - o espírito retalhou a frase que a moça dizia. _ Pai amado! É um fantasma mesmo! - exclamou a moça, levando as mãos à boca como se fosse orar. Doeu no fractal micaélico ouvir essa nomenclatura que soava depreciativa para ele. Camila não quis falar ou ouvir mais nada, saiu em disparada deixando os sapatos para trás, a garrafinha de água perdeu-se no lago, seu coração estava aos pulos, sentia que lhe faltava o sangue nas veias. A fazenda da sua família tinha uma assombração, uma pavorosa assombração. A moça corria com tanto afinco que sentia o calcanhar bater nas suas nádegas. A pobre chegou em casa esbaforida, não conseguia dizer nada, além de lhe faltar o ar lhe faltavam as palavras. Camila travou, tremendo feito um bambu verde, seus pais tentavam acalmar a filha que tinha os olhos arregalados de pavor. _ Fan...fan, fan, fan, fan.....- era o que saía da sua boca. O casal Esteves não sabia a razão para a moça estar com suas vestes molhadas e pior, como se tivesse visto um monstro com sete cabeças e dez pares de chifres. _ Calma, filha! Respira! - disse os pais, sentando a garota numa cadeira. Alda saiu apressada, logo retornou trazendo um copo de água com açúcar. Camila não conseguiu segurar o cilindro, suas mãos tremiam tanto que sequer tinha força para manter o objeto em linha reta. Evaristo deu o líquido na boca da filha. Camila bebeu longos goles. _ Onde você estava, menina! Olha a sua situação? Molhada, descalça e amedrontada! - sua progenitora ralhou, mesmo estando preocupada. _ Deixe as broncas para depois, querida, primeiro precisamos saber o que houve - o patriarca proferiu calmo. Naquela situação meio tensa, alguém precisava manter a passividade e Evaristo sabia, como ainda sabe, fazer uso dessa balança. Camila apertou as mãos em punhos e respirou fundo. _ Um fantasma falou comigo! - proferiu a menina, apertando os olhos. Alda e Evaristo se entreolharam, os dois estarrecidos. _ Como? - perguntaram em uníssono. _ Falou, falou! - disse a menina, gesticulando avidamente. Evaristo riu e cruzou os braços, com seu olhar paternal caindo sobre a sua pequena. _ Conte-nos tudo, Camila, para que possamos entender - pediu o pai. A moça respirou mais um pouco, adquirindo uma fração de calma para narrar os fatos. Os pais prestaram atenção em cada palavra proferida, em cada detalhe. _ Você disse que perto daquela pequena floresta tem um lago, onde você caiu e logo depois alguém falou contigo?!- o pai saiu agrupando as informações em sua cabeça, montando o quebra-cabeças. _ Sim! Foi isso mesmo! - disse espavorida. _ Filha, como você é boba! Foi alguém que estava escondido no meio das árvores que lhe viu sozinha e resolveu fazer uma troça. Porém, isso é perigoso, Camila, se fosse um tarado, nossa, não quero nem pensar... - a mãe ergueu os olhos para o teto da casa, sibilou algumas palavras de agradecimento. Com a mente mais branda, Camila refletiu e percebeu que o raciocínio do seu pai era muito lógico, mesmo ignorando a silhueta extra que viu refletida no espelho d'água. Respirou aliviada, sem querer, acabou descobrindo naquele dia que tinha medo de fantasmas. Relembrou das palavras de Marcelo, ergueu o olhar para Evaristo e mordeu o canto interno da boca. _ Pai, o senhor acredita que espíritos possam ficar seguindo os vivos, sabe, ficar perto deles? - perguntou de forma embaralhada, sem saber expressar-se de modo correto e claro. O progenitor abaixou-se na frente da filha. _ Acredito que quando finda uma existência, tudo se apaga. As almas são de Deus e Ele recolhe cada uma delas, com o ponto final sendo colocado em cada história. Não fique impressionada por causa de um parvo que tripudiou de ti. Vá, suba, tome um banho e troque essa roupa, ou poderá pegar uma gripe. - conversou manso e terno, querendo eliminar os medos e temores da flor do seu jardim. _ Obrigada, pai. Eu irei imediatamente. - redarguiu a menina, erguendo-se da cadeira. _ Camila, por favor, não fale nada sobre o ocorrido para seus irmãos, especialmente o Júnior, sabe como ele se impressiona fácil. - Alda pediu, olhando com súplica para a filha. _ Nem me fale, fiquei mais de duas semanas acordando todo quebrado porque o seu irmão pulava para nossa cama todas as noites. Acredita que teve uma noite em que eu o trouxe para beber água e ele cismou que viu um homem sentado no sofá, mas era apenas as roupas que sua mãe recolheu da corda - revelou, coçando a testa. Mas o que o patriarca não sabia é que realmente o filho viu Varuna sentado no sofá, não eram apenas as roupas que estavam ocupando o espaço do móvel. _ Não falarei nada. Prometo. - disse a menina. Camila subiu para o seu quarto sem ter conhecimento de que o fantasma estava à sua espera. Varuna ficou atormentado com o rompante de pavor que dominou a menina. Sentiu-se desprezado, teve pena de si e amargou a tristeza de ver o seu amor fugir de sua manifestação de existência. De olhos fixos na jovem, teve ódio dela, ódio pela forma como fora negligenciado, ele não praticaria nenhum gesto maquiavélico contra a pequena criatura. Camila abriu o guarda-roupas e retirou uma calça de moletom uma regata e o casaco que foi do fractal. Colocou todos na cama, retirou as vestes molhadas, Varuna paralisou, era a primeira vez que via sua dama descoberta. Sentiu as lágrimas virem, sentiu formigamentos, sentiu desejo e a necessidade de tocar em cada pequeno pedaço do corpo carnal da fêmea que revelou-se uma linda, extremamente linda mulher. Deu um passo à frente, observou as curvas do seu quadril, o formato dos s***s e os pelos que formavam o doce triângulo no meio de suas pernas. "Você é perfeita, minha flor", sussurrou mais uma vez. Camila sentiu o chiado no ouvido e fez uma rápida careta. Sem demoras, a menina foi para o banho levando a roupa consigo. Varuna resguardou a imagem açucarada nos confins do seu âmago. Ele retirou-se para longe. Naquela noite, tinha de ir atormentar os seus algozes, carrascos que o condenaram e lhe roubaram muito. Lhe afanaram a oportunidade de estar entre os vivos e seguindo com sua existência maldita ou bendita.
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