Cassie Diaz
A música invade cada canto de La Nuit Rouge como um feitiço.
As luzes dançam em tons de vermelho e dourado, refletindo nos cristais suspensos que giram lentamente no teto. O cheiro é uma mistura de perfume caro, uísque importado e desejo. As pessoas falam baixo, riem com disfarce e se tocam como se cada segundo ali fosse uma confissão de pecado.
Eu já conheço cada um desses sons, desses olhares, desses gestos.
Sou parte deles.
Sou a própria tentação pintada em pele.
Meus cabelos estão soltos, caindo como seda pelas costas nuas. O vestido negrö que uso é feito de renda e transparência, colado ao corpo, como se tivesse sido costurado diretamente na minha pele. As joias que adornam meus pulsos são presentes de clientes antigos. Homens que me chamam de “minha perdição” e, ainda assim, nunca tiveram coragem de me ter por completo.
Hoje é uma noite de festa. Uma das grandes.
Os corredores brilham mais, as dançarinas usam peças novas e as garçonetes distribuem champanhe sem parar. É o tipo de noite em que o dinheiro corre fácil e os segredos escorrem por debaixo das mesas.
Mas algo no ar está diferente.
É esse novo cliente.
Ouvi os comentários sem parar. Homens cochichando o nome dele, mulheres se preparando como se fosse uma guerra. Cada uma querendo ser a escolhida.
O nome que corre entre as bocas é Rocco Narcici.
Bilionário. Magnata das joias e dos investimentos. Um homem que compra e vende empresas como quem muda de terno.
Dizem que ele não sorri.
Dizem que ele é o tipo que olha e o mundo inteiro se cala.
E é ele quem está aqui, hoje, sentado em uma das mesas principais do salão, com dois seguranças enormes ao lado.
Enquanto caminho entre as mesas, com uma taça de champanhe na mão, sinto o peso dos olhares me seguindo. É normal. A cada passo, ouço alguém sussurrar meu nome. “Cassie está linda”, “Cassie vai dançar outra vez?”, “Cassie é a rainha da noite”.
Mas o único olhar que eu quero, não me vê.
Rocco está lá, imponente, trajando um terno preto perfeitamente alinhado, o colarinho branco impecável, o relógio que brilha mais que o lustre.
Ele parece de mármore. E ainda assim, vivo.
Ele tem um rosto desenhado, másculo e uma postura de ferro. Barba bem preenchida e perfeita. Sobrancelhas grossas, mãos grandes e com veias marcadas. Vi até uma tatuagem quando ele levou o copo à boca.
Ele é literalmente a performance de um homem feito e perigodo.
Sento-me próxima a uma das colunas, observando-o.
Espero o momento certo.
Ele bebe devagar, sem pressa, os olhos fixos nas dançarinas no palco central.
Não demonstra nada. Nenhum interesse, nenhum desvio. O olhar é... neutro.
É como se eu fosse invisível aqui. Nenhum desvio de olhar sequer.
Inspiro fundo. Não estou acostumada a isso.
Homem nenhum jamais me ignorou.
Homem nenhum ousou me olhar e não me desejar.
Dou alguns passos pelo salão, passando perto o bastante para que ele sinta meu perfume: notas de pecado.
Mas nada.
Ele não desvia o olhar.
— Está mirando alto hoje, não é? — Uma voz sussurra atrás de mim.
É uma das meninas novas, rindo com o copo na mão.
Eu apenas sorrio de canto, sem responder.
Ela não entenderia. Não é sobre dinheiro. Nem sobre vaidade. É sobre poder.
E eu quero o olhar dele.
Continuo andando, mudando de posição, cruzando o caminho dele uma, duas, três vezes. Cada movimento meu é calculado, estudado. O vestido sobe só o suficiente quando me inclino, o olhar se cruza com o dele por segundos, mas ele me ultrapassa como se fosse ar.
Ele está bebendo a melhor garrafa da casa.
Um uísque que custa mais do que uma das suítes de luxo.
E o mais curioso?
Ele divide com seus seguranças, como se eles fossem irmãos de sangue.
Eu o observo com mais atenção. O modo como segura o copo, o olhar firme, a postura. Nada naquele homem é comum.
Ele parece observar o mundo, e não fazer parte dele. E ainda, sim, tem um olhar de controle.
Quando percebo, a irritação já está subindo.
Pego outra taça, bebo um gole rápido e deixo o líquido gelado queimar a garganta.
Ninguém nunca me fez sentir invisível.
E eu odeio essa sensação.
Caminho até o bar, onde Liora está, vestindo um vestido vermelho de veludo, longo, o cabelo preso e o olhar afiado de quem já viu o infernö e voltou com lucros. Eu acho impressionante como ela é uma mulher linda. Nem parece a idade que tem. Sempre elegante, soube bem escolher onde fazer seus procedimentos e ela vive bem para nunca ter que precisar fazer o que faço.
Mas, ela ama essa casa!
— O que aconteceu, minha joia? — Ela pergunta assim que me vê.
— O homem da noite não me olha. — Respondo, seca, pegando uma bebida qualquer.
— Qual homem?
— Aquele que me mostrou. O novo... Narcici. — Digo o nome como se fosse um desafio. — Tentei. Ele não me olhou nem uma vez. Eu fiz de tudo e nada.
Liora ergue as sobrancelhas, surpresa.
— Não olhou você? — Repete, como se fosse impossível.
— Não! — Dou um gole. — Nem quando passei por ele, nem quando dancei perto. Nada.
Ela pensa por um instante, olhando na direção dele.
Rocco está lá, exatamente igual. Imóvel.
— Estranho... — Ela murmura. — Homens assim não vêm aqui só para beber.
— Então, o que ele veio fazer? Qual o seu conselho? — Pergunto, mais para mim mesma.
— Descobrir. — Liora responde. — E, talvez..., o escolher.
Ficamos em silêncio por um tempo.
Depois, Liora decide.
— Vamos até ele.
Viro para ela, surpresa.
— Agora?
— Agora!
Respiro fundo, ajeito o vestido, e a sigo.
Ela caminha na frente, como uma rainha, e eu logo atrás, com passos leves, sentindo o coração acelerar de pura expectativa. Eu quero conhecer esse homem que se destaca dos demais.
Quando chegamos à mesa, os olhos de todos nos acompanham.
Liora sorri com elegância e faz um leve aceno inclinado.
— Boa noite, senhor Narcici! Seja bem-vindo ao La Nuit Rouge. — Ela abre os braços e fala com um toque de veludo.
Ele levanta os olhos devagar, sem expressão.
— Boa noite! — Sua voz é grave, firme.
Deu até um arrepio aqui.
— É uma honra ter um homem tão poderoso em minha casa. E, claro, o senhor tem o direito e o dever de provar o melhor que temos.
Ela faz um gesto discreto e eu dou um passo à frente.
Meu olhar encontra o dele, e por um instante, algo corta o ar.
Ele me encara.
Mas não como os outros.
Não há luxúria, nem curiosidade.
Apenas... reconhecimento?
Antes que eu entenda o que é, ele desvia o olhar.
Pega o copo, dá um gole no uísque e suspira forte.
— Estou satisfeito apenas com a bebida. Se eu precisar de algo, aviso.
O mundo parece parar.
Minha garganta seca.
Sinto o sangue subir ao rosto, mas mantenho o sorriso.
Liora, sem graça, dá um leve aceno.
— Claro, senhor. Boa noite.
Nos viramos e saímos, o som das risadas e da música se misturando à fúria que lateja dentro de mim.
Quando chegamos ao corredor, Liora segura minha mão.
— Eu... nunca vi isso antes. — Ela diz, chocada.
— Nem eu! — Respondo, quase cuspindo as palavras. — Homem nenhum nunca me recusou. Nunca. E quem vem aqui só para beber?
Liora suspira, passando a mão no meu queixo.
— Talvez ele só esteja... conhecendo a casa. Alguns observam antes de escolher. Dê tempo. Talvez, na próxima, ele pense diferente.
Eu aceno, tentando engolir o orgulho ferido.
Ela me olha com ternura.
— Isso não te faz menos linda, Cassie. E muito menos fora do desejo. Se ele não quer hoje, outros querem. E pagarão o dobro. — Ela sorrir. — Viu quem está aqui hoje?
Forço um sorriso.
— É, você tem razão.
Respiro fundo, ajeito o cabelo, retoco o batom no espelho do corredor e volto ao salão.
Não vou deixar um homem qualquer abalar o que construí.
Em poucos passos, já sinto novamente os olhares sobre mim.
Homens me chamam, me bajulam, um deles segura a minha mão e beija o dorso com devoção.
Sou Cassie outra vez. A mulher que todos querem.
O governador, um velho conhecido, me chama com um aceno e um sorriso cheio de segundas intenções. Me aproximo, deslizando os dedos sobre o braço dele, acendo o seu charuto com cuidado e o olho nos olhos, provocando.
Ele me observa como se fosse um prêmio. Um brilho de desejo nos olhos.
É assim que deve ser.
{ . . . }
Aqui, de quatro na cama, eu sou fodidä com vontade enquanto sinto um calor de aperto na nuca. Meu governador nunca deixa a desejar e confesso que ele sabe bem o que faz.
— Que bundä perfeita, minha Cassie...
— Meu governador... — Isso sempre o instiga.
Ele me puxa mais perto, agarra os meus peitös e lambe o meu pescoço como se eu fosse um doce viciante. Depois, ele me empurra contra a cama, afundando o meu rosto no travesseiro e o impacto vem bem maior.
— Putä gostosa do caralhö...
— Isso! Mais… me xinga mais, vai. Quero tudo!
O sorriso cresce, principalmente ao saber o que vem depois dessa transä. Sinto os tapas firmes, ecoando no quarto e ele mete com brutalidade e não para por nada. O governador sempre me procura. Ele sabe um pouco de mim e o motivo para isso é que ele foi o meu primeiro.
Ele me viu algumas vezes como eu era e sabe a Cassie que matëi.
Com o tempo, eu fui me transformando e ele gostando cada vez mais de quem eu sou hoje. Ele paga bem, ele domina ao mesmo tempo que me dá prazer e nós dois temos o que queremos. Mas, preciso confessar: quando ele não vem, as chances de eu ter que fingir são imensas.
Já sei dominar esse ponto, mas não deixa de ser chato e frustrante.
— Isso... porrä, Cassie... vem, vem! — Ele me solta e rapidamente, eu me ajoelho.
Eu mesmo finalizo e abro bem a boca enquanto olho para ele. O gozö vem firme, enchendo a minha boca e o vejo mais do que satisfeito ao me ver lambuzada pela sua porrä.
Um governador feliz, me faz feliz!
— Perfeita como sempre... — Ele alisa o meu rosto. — Gostosa do caralhö!
— Faço de tudo pelo meu governador... — Arranho o seu peitö levemente e o vejo pleno.
Sempre vale a pena vir com ele e o que recebo me faz ficar radiante.
{ . . . }
Depois de um banho, perfume e uma nova maquiagem, eu me sinto leve e satisfeita. Ganhei um bom valor como sempre e não tenho o que reclamar.
Eu guardo bem o meu dinheiro. Aprendi a juntar, a deixar na conta pra qualquer necessidade. Nunca vejo, mas pelo menos tenho. Loira que me ensinou isso. Ela também sempre tem a sua reserva.
Eu nunca fui de ficar muito doente, nunca me acidentei e tenho tudo aqui. Então, não gasto.
Agora, eu volto ao salão principal e tudo continua num belo andamento. Música, bebidas e mais clientes disponíveis como sempre para preencher o resto da noite. Já começo a pensar o que pode vir para mim ainda hoje. Ainda dá tempo de mais coisas rolarem. Penso se danço outra vez, se instigo mais algum cliente diferente.
Estou penando.
Mas, quando volto o olhar para aquela parte do salão, o ar me escapa.
Rocco Narcici está de pé.
Aquele homem frio, que me ignorou, está atravessando o salão com passos lentos e firmes.
E não está sozinho.
Uma das garotas o acompanha. Thaís.
Sinto o estômago revirar.
Ela sorri, encantada, seguindo-o até o corredor lateral.
O mesmo corredor onde as portas das outras suítes esperam.
Minha raiva ferve.
Quase posso ouvir o som do meu próprio orgulho se partindo.
Olho para o bar e Liora também viu. Ela me encara e faz um leve sinal com a cabeça, pedindo calma.
Calma?
Mas não há calma dentro de mim.
Há fogo.
Orgulho.
E um nome queimando entre os meus pensamentos.
Rocco Narcici.
Como ele pode me recusar pra escolher ela? Como isso é possível? Ela não chega aos meus pés! Não faz sentido nenhum isso.
O primeiro homem que me recusou. Literalmente o primeiro. Jamais passei por isso, jamais fui vista dessa forma, como se eu fosse uma qualquer aqui dentro. Sinto a carne tremer, nunca perdi! Nunca mesmo!
E, por isso mesmo, ele será o primeiro que eu vou fazer implorar.