DR. FRANKWOOD

Capítulo 3. Não foi acidente?

A madrugada avançava, e o hospital se tornava um organismo vivo, respirando, gemendo, sussurrando segredos por entre as paredes frias.

Eu estava de volta à sala de descanso, o jaleco pendurado na cadeira, a cabeça apoiada nas mãos.O café da máquina já havia esfriado, o gosto metálico se misturando ao cheiro de antisséptico e à lembrança de sangue seco.

A chuva diminuíra, mas o som das gotas ainda ecoava nas janelas, ritmado como um coração irregular.Fechei os olhos por um momento, tentando apagar da mente o rosto dela.Mas, Clarice voltava sempre voltava.O tom exato dos cabelos ruivos sob a luz do centro cirúrgico, o traço familiar do sorriso inconsciente, as sardas que eu poderia jurar já ter beijado antes.

— Está obcecado, FrankWood — murmurei para mim mesmo, num sussurro cansado. — Só mais uma paciente. É isso. É isso. Só isso.

Tentei acreditar.

Foi então que as vozes começaram.Duas enfermeiras no corredor, conversando em tom baixo, mas não o suficiente para escapar dos meus ouvidos treinados.

— ...disseram que não foi um assalto. — uma delas sussurrou.

— Eu ouvi o mesmo. A perícia achou estranho o ângulo do tiro... muito próximo, quase sem distância. — respondeu a outra.

— E o namorado dela, achei tão estranho—

— Não o vi derramar uma lágrima sequer, uma moça tão linda. Sei lá.

Meu corpo ficou imóvel.O som do relógio voltou a preencher o silêncio entre as frases.O tiro não foi acidental.Aquelas palavras ecoaram como uma descarga elétrica.

Abri os olhos devagar, sentindo o ar pesado.Se o tiro não foi um erro... então alguém quis que Clarice morresse.E por algum motivo que eu ainda não entendia, a simples ideia de alguém tentar apagá-la do mundo despertou em mim algo primal um impulso que não tinha nada a ver com medicina.Levantei devagar.Lá fora, o corredor se estendia como um túnel branco e infinito.Eu sabia que não deveria me envolver, mas algo em mim já estava decidido, mesmo antes de eu perceber.

Clarice Beck havia sobrevivido por minhas mãos.E por minhas mãos ela assim permaneceria.