O relógio da parede marcava 02h37.
O tique-taque parecia zombar do meu cansaço preciso, insistente, como se medisse o tempo que me restava até o próximo desastre.
O hospital à noite tem um som próprio. Não é o silêncio, mas o eco dele. Os monitores piscam como corações artificiais, a respiração das máquinas se mistura ao sussurro das enfermeiras, e o ar... o ar sempre cheira a metal, choro e sangue.
Passei a mão pelo rosto, tentando afastar o peso das últimas horas. Quatro cirurgias, duas mortes, uma promessa quebrada.A cada plantão, uma parte de mim ficava ali, no chão estéril da emergência.
Olhei o reflexo no vidro da sala de repouso olheiras fundas, jaleco manchado, o olhar que aprendi a não encarar por muito tempo. Eu conhecia bem aquele homem: frio, funcional, necessário. O tipo de médico que salva corpos, mas não pessoas.
A chuva começou a bater contra as janelas, e por um momento, desejei que a cidade dormisse que o mundo me desse uma hora de paz. Mas a paz é um luxo que não pertence a quem vive do sofrimento alheio.
Foi então que o som do interfone cortou o ar.
“Dr. FrankWood, emergência. Vítima de disparo de arma de fogo, mulher, vinte e sete anos, estado crítico.”
Meu coração, que há muito tempo eu julgava adormecido, acelerou por instinto.Mais uma vida à beira do abismo. Mais um rosto que eu teria que esquecer.
Ou pelo menos era o que eu acreditava.