" Se você ficar parado as sombras te engolem, se você andar elas te perseguem, então dance com elas e aproveite a sua companhia."
POR: Sophia.
Saio do táxi e olho para enorme fachada que resguarda a família Grecco Romani.
Estou aqui, mais uma vez. Olho para a imponente mansão.
Caminho até a guarita. Um homem enorme cheio de músculos entra em minha frente.
_ parla ragazza?- emite e eu apenas miro o seu rosto de semblante fechado.
_ É a amiga da senhora Larissa. Pode deixá-la entrar.- Um senhor surge e me livra da muralha de pernas. O mesmo senhor que liberou minha passagem da última vez.
O segurança se afasta e eu sigo.
_ sembra una fattucchiera! Cruci!- ele dispara e o olho por cima do meu ombro. Dou um esgar de canto de boca e o cara percebe.
Os olhos dele me fitam intrigados.
_ Para de besteira, italiano! A menina perdeu os pais há pouco, por isso veste preto, está de luto.- profere e eu o olho - Oh, perdão, menina, mas o segurança do senhor Vittorio é assim mesmo, cismado com todos.- o vigilante me explica e eu apenas anuo - a senhorita já conhece o caminho, pode seguir.- completa abrindo o portão.
Meu vestido de mangas compridas e cheio de botões na parte da frente, me confere um ar funesto. Gosto dele, gosto do modo como a saia cai pesada por cima das minhas botas de saltos finos. Gosto de como o cinto fino marca a minha cintura.
Sigo andando, sentindo o vento frio soprar o meu rosto. Tiro um tempo para fitar o céu cinzento, do modo como eu gosto. Fecho meus olhos captando o cheiro de terra molhada vindo de longe, muito longe.
Em alguma parte chove os elementos água e terra se misturando.
Então, sinto que sou observada. Abro meus olhos e miro acima da construção de onde vem a energia vibratória da pessoa.
Ergo um pouco minha cabeça e fixo na silhueta perto do guarda-corpo. O homem está vestido de preto e o sobretudo sacode com o vento. Começa ali, a batalha de olhares. Nenhum dos dois desvia, nenhum dos dois piscam, nenhum dos dois se move. Uma tensão se estabelece e começo a enxergar além dele, vejo aqueles que o acompanham. Mas a conexão é interrompida, quando alguém se aproxima e ele se vira para falar com a pessoa.
Aproveito para continuar o meu caminho.
Coloco a mão no meu cordão por cima da roupa.
Subo os degraus e aperto a campainha da porta. Fico surpresa, quando quem abre é a dona Luzia.
_ Sofi, minha menina!- sou puxada para uma abraço, onde ela chora em meu ombro e eu permaneço estática olhando para o homem que acaba de parecer na sala e me fita com extrema curiosidade e argúcia. - Eu quis ir ao enterro, mas não me dou bem com cemitérios.- diz, aos soluços.
_ Tudo bem, tia. Não precisa ficar assim. - digo, quando ela me solta.
A mulher olha para o meu rosto e toca em minha face.
_ Não está nada bem, você está com o rosto entristecido, minha filha. E no mais, com quem vai viver? Seus pais não tinham ninguém. - profere e abaixo a minha cabeça pensativa.
_ Posso ver a Lari, ela me convidou para vir almoçar. - digo, sendo alvo certeiro da visão do homem que mais parece um soldado do inferno.
_ Claro, sua amiga me chamou especialmente para cozinhar o que você mais ama. Lasanha de berinjela. - fala sorrindo - Minha filha está no quarto, sabe onde fica?- pergunta.
_ Não, mas espero pela senhora para me levar até ela.- minto, não querendo sair me aventurando pelo espaço de ninguém.
_ Então, sente-se. Vou dar uma olhadinha na cozinha, nas panelas, e venho buscar você. - diz me fitando com carinho.
_ Sim.- respondo e fico de pé no meio da enorme sala.
Dona Luzia sai apressada. Sigo até um sofá na intenção de me sentar. Quando estou prestes a fazê-lo, uma voz rompe a barreira do silêncio.
_ Não sente!- a ordem é seca, dura e cortante.
Miro o dono da voz e o homem move-se ao meu encontro como uma sombra ágil.
Nossos olhares se cruzam, dessa vez mais perto, com mais conexão e a tensão é tanta que posso cortá-la com a faca.
Ele me olha da cabeça aos pés.
_ Não quero você perto da minha cunhada ou dos meus sobrinhos. - solta de uma vez.
_ Por que?- pergunto com um leve sussurrar.
_ Você me incomoda, não gosto de ti, do seu jeito. E isso é motivo suficiente. Seja uma garota inteligente e se afasta, alguns arranhões não tem cura, menininha. Seja prudente para o seu próprio bem.- profere taciturno e vira as costas, sumindo por um corredor enorme, cuja a iluminação é parca.
Respiro fundo, olho para as veias da minhas mãos que começam a querer aparecer de tão irritada que estou. Mordo o interior da minha bochecha.
Saio de onde estou, rumo na direção da porta de saída, quando a voz da dona Luzia me faz parar.
_ Sofi, desculpas querida, mas precisei ajustar o molho e demorei. Bom, vamos, Lari, vai ficar muito feliz em lhe ver. Acredita que ela encomendou macarrons, só por sua causa. Larissa sabe dos gostos de cada uma de vocês. No entanto, por você, ela cultiva um sentimento mais sólido. - revela a mãe da minha amiga.
_ Eu, também gosto muito da Lari.- sou verdadeira.
Desisto da idéia de ir embora e sigo atrás da dona Luzia. Quando chegamos no quarto da Lari, ela está de pé colocando a bebê para arrotar e o Renzo está nos seus pés chorando, querendo colo, os gêmeos brigam por causa de um brinquedo.
O caus está instalado, minha amiga está com os olhos marejados, o seu nervosismo aflorando.
_ Céus, filha, que houve aqui? Mudou tudo num minuto?- Luzia diz indo até os gêmeos que estão fazendo um cabo-de-guerra com o brinquedo.
_ Eu vou surtar, quando Pietro tiver que viajar a trabalho. Como vou dar conta de tudo sozinha? Como?- Lari diz mirando o filho agarrado na barra do seu vestido.
_ Oi.- falo adentrando ao cômodo.
_ Oi, Sofi, desculpa, eu não te vi. - ela diz e olha para o filho- Renzo, mamãe não pode te pegar, amor, a irmã ainda não arrotou.- fala olhando para o pequeno que tem o rostinho vermelho de tanto chorar.
_ Cóio, mamãe, cóio!- o mrnino pede.
Me aproximo e me abaixo perto do pequeno.
_ A tia dá colo, você quer?- pergunto baixinho.
Ele me olha e coça o olhinho, vejo que a pobre criança tem sono, por isso este estado de nervoso.
Ele balança a cabecinha em afirmação.
Pego o menininho e me ergo.
_ Coitado do meu filho, cheio de sono.- Larissa diz com a voz trêmula.
Balanço levemete meu corpo, com uma mão amparo o corpo pequeno e com a outra faço um cafuné. Canto baixinho uma canção e em pouco tempo o pequeno dorme.
Larissa coloca à Vitória no berço e depois vem até mim, ela pega o pequeno e sibila um obrigada.
Olho para a avó que conversa com os gêmeos e lhes explica que não podem brigar, que irmãos devem ser unidos.
Os pequenos prestam atenção, mas duvido muito que se lembrem disso daquia há cinco minutos.
Minha amiga, acomoda o seu menino na cama de casal.
_ Os dois desçam com a vovó Luzia e peçam para a vovó Violeta levar vocês no jardim.- Larissa fala com os filhos.
_ Eu levarei eles filha, Dona Violeta saiu com o senhor Gerardo.- Luzia, diz para a filha.
_ Obrigada, mãe. Quero conversar com a Sophia e não vou poder levá-los. Eu tinha prometido o passeio no meio das plantas, eles amam.- emite olhando para os pequenos que são cópias idênticas do pai.
As crianças deixam felizes o quarto. Larissa senta à mesa, me convida para fazer o mesmo.
Me sento e ela me olha.
_ Como você está, Sofi, de verdade?- pergunta.
_ Um caco. Sinto falta deles, a casa ficou muito vazia sem os dois. Ainda não consegui doar os pertences de ambos e preciso fazer isso, preciso me desprender, mas está tão dificil. Lari.- me abro com a única pessoa que sabe um pouco sobre mim.
_ Vai fazer o quê? Procurar seus tios?- me pergunta e sua indagação faz minha alma gelar.
_ Jamais! Não tenho família, você se lembra? Eramos meus pais e eu, agora é somente eu e mais ninguém. - falo fitando o tampo da mesa.
_ Que raios aconteceu para você ter horror a família do seu pai? Pelo que me contou são pessoas riquíssimas, poderiam te ajudar nesse momento difícil não só com o financeiro, mas com apoio emocional.- inquiri e eu a fito.
_ Não quero falar sobre isso. Eu decidi ir embora daqui, vou vender a casa dos meus pais e irei para outro estado, longe o bastante para dar início à uma nova vida.- confesso.
Larissa me olha com duas íris arregaladas.
_ Sozinha, pelo mundo?! Isso é loucura, Sophia! - diz me olhando com apreensão.
Poderia até ser, mas é necessário. Sem meus pais vivos é questão de tempo para eles colocarem as mãos em mim. Não quero ter que conviver com os parentes do meu pai.
_ Estou decidida, Larissa. - aviso e a minha amiga abaixa o olhar pensativa.
_ Quer trabalhar para mim, Sophia? Não aqui, na Itália?- pergunta e eu franzo o meu cenho.
_ Como?
_ Isso mesmo, trabalhar para mim. Vai me ajudar com as crianças, estou precisando mesmo de uma babá e não confio no pessoal de lá. Por tanto, penso que seria unir o útil ao agradável, você sairá não só daqui, como do Brasil. Vai ganhar em euro. E eu vou me sentir mais segura e terei uma amiga para conversar e quando Pietro viajar me fará companhia.- fala eufórica.
Penso nas palavras do tal Vittorio.
"É malvadao, alguns arranhões não se curam, mas o que você não sabe é que eu sei arranhar de várias formas."- penso.
_ Seu marido sabe disso, dessa sua decisão e desse convite que me fez? - pergunto querendo saber se isso surgiu agora ou é algo há muito pensado.
_ Ele sabe, não se preocupe. - olho dentro dos olhos dela e vejo que mente.
_ Não sei, Larissa. Outro pais, outra cultura. - digo, me erguendo.
_ Vai ser bom, e eu estarei lá com você. Vai ser bem diferente de quando fui sozinha. Me sentia perdida.- fala e sorrir - Vamos, Sofi, aceita, preciso da sua ajuda, de você comigo. Se não gostar, te trago de volta. - completa e me olha em espectativa.
_ Posso levar, alguns itens pessoais? - pergunto.
A menina amplia o sorriso.
_ Tudo o que quiser, eu pago pelo embarque, apenas separe e me informe.
_ Aceito, como faremos com a documentação. Eu tenho passaporte, mas não sei como funciona esse negócio de visto. - sou sincera.
_ Eu cuido dessa burocracia. No mais tardar, dentro de duas semanas, iremos retornar para à Itália. Comece os preparativos. - avisa e se por um lado sinto alívio, por outro lado fico apreensiva em como será minha vida na Europa.
É isso, se inicia uma nova etapa.