Capítulo-III. Proposta
“A moralidade é apenas a interpretação de certos fenômenos, mais do que a explicação deles.” ( Nietzsche)
Ragnar
Meu olhar desvia-se brevemente para a parede de vidro, contemplando a vista: o céu azul e o sol a pino. Permaneço algum tempo absorto naquele tom de azul, enquanto minhas mãos, protegidas por luvas de couro escuro, contrastam com minha pele pálida. Retorno meu olhar para o homem que, neste momento, treme mais do que muitos que já estiveram sob o peso da minha espada. Edgar não consegue ocultar a aflição e a ansiedade em relação à minha proposta; talvez ele acredite em uma benevolência que não existe em mim, e o encaro implacavelmente por mais um instante. Sua respiração é irregular e seus olhos, repletos de apreensão.
O homem, que se assemelha a um rato imundo, engole em seco. Faço um movimento sutil com a mão, sinalizando a Hunter para que o informe sobre a proposta.
— A oferta é simples: você cederá sua irmã, por tempo indeterminado, à casa dos Murdoch — a voz de Hunter é baixa e carregada de frieza.
— Como? Não posso ter ouvido corretamente — Edgar responde, esboçando um sorriso nervoso.
Vincos se formam em sua testa, e leva alguns segundos para que ele perceba que não há confusão; a proposta é, de fato, aquilo que ouviu claramente e compreendeu. — Não! Foi isso que entendi?! vocês não...
Edgar levanta-se, visivelmente agitado, e os pés de sua cadeira raspam o piso, produzindo um ruído agudo e profundamente desagradável. Ele nos observa com incredulidade.
Edgar aponta o dedo indicador em nossa direção, agitando a mão de forma descontrolada. Sua descompensação é evidente.
Um riso cínico escapa de mim; é claro que ele se importa com a irmã. Pretendo fazê-lo sofrer intensamente, sangrar, sem, no entanto, causar o derramento de uma única gota de sangue de suas veias.
— Os indivíduos em questão são homens marcados por comportamentos imorais, promíscuos e de natureza duvidosa, que estabelecem um harém para satisfazer seus desejos, utilizando jovens inocentes como escravas sexuais. Conheço muitos que pertencem a essa mesma categoria, onde o matrimônio se configura como uma mera fachada e a vida libertina se desenrola sem restrições.
Edgar demonstra um certo descontentamento, evidenciado por sua expressão exaltada, ao interpretar de maneira implícita a minha proposta.
— Necessito de um filho, um herdeiro. — O seu semblante contorce-se em cólera ao compreender finalmente a situação.
— Bando de desgraçados! — rosna entre os dentes, desferindo um tapa em um recipiente que contém canetas, fazendo com que o objeto caia ao chão e espalhe todo o seu conteúdo. Não me deixo afetar, apenas o encaro com frieza. Edgar dirige-se ao carrinho de bebidas, apanha o copo que havia deixado de lado e consome o líquido âmbar de uma só vez. O infeliz balança a cabeça em negação.
— Isso não pode ser uma piada de mau gosto. — sussurra antes de servir mais uma dose de bebida.
— Desprezo piadas; não há a menor sombra de humor em meu rosto. Sua irmã me dará o meu herdeiro — deixo claro — É isso ou a prisão. A escolha é sua. O tempo para uma resposta começa — olho para o relógio em meu pulso — agora.
Meus olhos fixam-se no infeliz como se fossem estacas de madeira.
O homem arremessa o copo contra a parede dos fundos, grunhindo em desespero. Edgar nos lança um olhar repleto de ódio.
— Ela é apenas uma menina! Uma menina! Viveu tantos traumas, nossos pais e...
— Ela possui um útero e ovários; isso é o que me importa. — minha voz é baixa e incisiva.
Edgar passa as mãos pelos cabelos, puxando-os, enquanto o sangue circula rapidamente por suas veias.
— Que tipo de seres perversos são vocês?
Hunter movimenta lentamente o pescoço.
— Antes de proferir qualquer julgamento, dirijo-me ao senhor, que é o único responsável por estar nesta delicada situação e por submeter sua parente a tal aflição. Não se toca de maneira nenhuma nos Murdoch.
A voz de Hunter é metálica, baixa e letal.
— Estamos falando de uma menina. Ela acaba de completar 18 anos, faz apenas dois dias... pode ter a mulher que desejar, possui condições para isso. O senhor deve ter o dobro da idade da minha irmã...
A cena é patética; o infeliz fala com a voz embargada, lágrimas nos olhos e os lábios trêmulos.
Não sinto pena; há muito deixei de experimentar esse e outros sentimentos.
— Pensou que seu ato vil não teria consequências? Creio que não. Se não aceitar entregar a garota aos Murdoch, poderá enfrentar o peso da lei. — Hunter utiliza a persuasão, enfatizando a palavra consequência. Edgar vira-se de costas para nós, com os ombros caídos.
— Ela é excessivamente jovem para você! — Sua voz treme. — Por favor, vamos discutir uma alternativa, um outro acordo. Qualquer coisa que não envolva a Liliana... — Sorrio de forma irônica. — Sua irmã ou o frio chão de uma cela. Meu tom de voz é calmo, mas gélido. Edgar começa a chorar, e o som irritante preenche o ambiente.
— Peça qualquer outra coisa, menos ela, menos a minha Lili... eu... eu só a tenho... — Não há nada que você possa oferecer que desperte meu interesse, exceto sua irmã. Ela está saudável; desde os dez anos, esteve em um internato, após o falecimento de seus pais...
Edgar se volta em minha direção, seu rosto exibindo uma expressão de desdém.
— Miserável! Você a estudou! — Seu olhar em minha direção é repleto de desprezo.
— Não adquiro um produto sem antes verificar a procedência ou a qualidade; é o mínimo, considerando que ela está me custando um preço bastante elevado.
Edgar avança em minha direção com o punho cerrado, preparado para desferir um golpe. Meu sorriso é de zombaria; permito que ele se aproxime. Quando está bem próximo, empurro-o, e o homem cai ao chão, atordoado.
Edgar me observa com uma expressão de severa confusão.
O homem acaba de perder o último vestígio de paciência que eu até então mantinha . Olho-o com desprezo.
Hunter levanta-se lentamente, fixando os olhos em Edgar, que me observa com uma mistura de raiva e temor. O homem tenta compreender como foi ao chão tão rapidamente. Desvio meu olhar para Hunter, que parece entender que não deve intervir, pois essa "questão" é de minha total responsabilidade.
—Não basta me prejudicar de maneira vil, abusando da minha confiança e tentando usar da força contra mim. O que se passa em sua mente, Edgar? Acredita que está lidando com um ser de igual estatura ao seu? - estreito o olhar na direção do homem, sentindo um impulso de arrancar-lhe a cabeça e transformá-la em um belo cálice.
—Acredito que ele não possui consideração por seus superiores; talvez uma disciplina mais rigorosa seja necessária. Poderíamos entregá-lo a nossos homens e permitir que sua existência se extinga junto com seu corpo. Nunca considerei a opção de confiná-lo em uma cela; problemas devem ser resolvidos, não tratados com soluções paliativas. O que me diz, Ragnar? - Hunter pronuncia essas palavras de maneira sombria, demonstrando sua intolerância em permanecer na presença de humanos. Ele se acostumou a ser o que nos foi imposto.
—Acredito que para esse indivíduo, as celas seriam mais do que um castigo severo; entre em contato com a polícia. - solicito, exausto desse jogo de gato e rato.
—Não! Por favor, tudo menos isso!
Aproximo-me do sujeito fraco e covarde, que literalmente coloca a irmã em risco para se salvar. Homens como ele não são verdadeiros homens; são piores do que vermes que se alimentam de carne putrefata.
—Meu tudo já deixei claro: sua irmã.
—Você a terá... a terá... - ele chora como uma mulher desamparada - "Ela nunca vai me perdoar, nunca! Meu Deus, perdoa-me, perdoa-me.
Edgar clama como se esperasse ser ouvido, como se seu Deus estivesse prestes a rasgar os céus e estender a mão para ajudá-lo. Ele não me ajudou quando clamei, quando orei com lágrimas de sangue escorrendo de meus olhos; não me ouviu quando pedi um milagre em meio à extrema agonia.
—Gritei mais alto. Tenho certeza de que seu Deus não te ouviu.
Edgar fixa o olhar em meus olhos, seu rosto está vermelho e seus olhos, esgazeados. Dou-lhe as costas e caminho em direção à poltrona onde estava sentado.
Edgar levanta-se do chão, subjugado, seu orgulho sendo despedaçado por mim.
— Você vai levá-la? Ou ficará por aqui? Quero ter contato com minha irmã. Eu só tenho Lili como família, é o legado dos meus pais e...
—Não gosto de seus pais. Ela irá me acompanhar. Enquanto sua irmã estiver ao meu lado, será vetada qualquer convivência sua ou de qualquer outra pessoa com ela. Mas, como sou justo, deixarei claro que a menina será minha esposa. Anseio por um herdeiro legítimo, concebido por meios naturais.
—Como? - pergunta, incredulidade na voz, um r***o rompendo o silêncio.
—Vou tomá-la como minha. - meu tom é soturno, embora em meus olhos brilhe um olhar de zombaria e minha expressão revele puro deleite. A palidez no rosto do homem se torna predominante, o rubor já não é mais a cor que o caracteriza.
— Inicialmente, considerei a possibilidade de que fosse realizar uma fertilização, algo nesse sentido. Contudo, isso é absolutamente repulsivo!
— Como posso me abster de usufruir e desfrutar de algo pelo qual indiretamente paguei um valor exorbitante?– indago dirigindo-me à mesa do infeliz, apanho os relatórios, os balanços autênticos e as cópias dos gastos exorbitantes desse indivíduo maldito — Você, Edgar, amplamente do meu dinheiro, viveu como um rei. –Lanço as folhas em seu rosto, que permanece inerte. Os papéis caem aos pés do sujeito, um a um.
— Isso é horrendo! — expressa, com uma repulsa evidente em seu semblante.
— E o seu ato de apropriar-se do que não lhe pertence, não se configura como horrendo? Atos desonestos são, por definição, horrendos, Edgar; não importa a magnitude, são sempre depreciáveis.
Afasto-me, fazendo um gesto discreto com a cabeça em direção a Hunter; era o momento de partirmos, pois a sede me consumia rapidamente.
— Não fuja e nem tente escondê-la de mim; se o fizer, será pior para ambos. Tenho conhecimento de todos os seus passos.
Assim que ela der à luz, o casamento será dissolvido. Sua irmã retornará ao calor do seu abraço familiar. Irei proteger-me, e ela assinará um contrato que deixará claro que não terá acesso ao meu filho, não receberá qualquer quantia em dinheiro e não terá direito a nada. Tudo será realizado com o mais absoluto sigilo; se algo vazar dessas paredes para os meios de comunicação, será o adeus ao ar poluído que ambos respiram.
— O senhor não possui coração, senhor Murdoch?
Paraliso diante da indagação, enquanto Hunter se aproximava de mim, segurando a maçaneta da porta, pronto para abri-la.
Olho por cima do ombro.
— Faz muito tempo que não tenho um. Sabe qual é o problema daqueles que se consideram inteligentes? Subestimar o passado daqueles que ousam tocar.
— Para quando? — pergunta, com a voz hesitante.
— O mais breve possível — respondo, com a boca seca, fazendo minha garganta arder, como se fossem brasas vivas.
— Preciso prepará-la; conceda-me ao menos um mês.
— Uma semana.
Deixo a sala do infeliz, ciente de que ele está tentando arquitetar algo.
Caminho rapidamente pelo corredor, com os seguranças nos seguindo.
— Ele está planejando algo; isso é típico deles. Acreditam que sempre podem encontrar uma maneira de escapar. - Hunter comenta aos sussurros.
— De fato, há coisas que não mudam, meu caro; em nosso tempo de sangue quente, havia os seus ratos.
Hunter esboça um sorriso cínico.
Mais uma vez, várias cabeças se voltam para nós, acompanhando nossa passagem; mais uma vez, os sussurros dominam o ambiente.
Chegamos exatamente quando o elevador abre suas portas; minha impaciência para deixar o local é tamanha que não interrompo meus passos. As portas metálicas se abrem, e um volume de pessoas solicita passagem, desviando do meu corpo ao saírem da grande caixa de metal.
Entretanto, sinto quando um corpo macio, morno e exalando um aroma delicado colide contra o meu. Num reflexo rápido, minhas mãos envolvem a pequena cintura, mantendo-a firme. Mãos pequenas e quentes seguram meus braços. Meu corpo estremece; o odor adocicado que emana de seus poros desperta em mim o desejo de rasgar o fino pescoço e provar do elixir que corre em suas veias.
Meu corpo masculino se agita, expandindo-se em novas dimensões.
— Desculpa... - a voz suave dela me atinge como um golpe interno. Inclino a cabeça, buscando o rosto de quem fala, enquanto um movimento lento de sua cabecinha faz nossos olhares se cruzarem. É algo instintivo; aperto seu corpo delicado contra o meu, e seus olhos não se desviam dos meus, enquanto suas mãos seguram firmemente as mangas do meu sobretudo. A menina de rosto pequeno entreabre os lábios reluzentes, e eu os contorno com meu olhar, observando cada pequena fissura. Uma sensação de apreciação me envolve, é isso que acontece. Perco-me em seu rosto, sendo transportado para um passado distante, aqueles olhos verdes que um dia me imergiram em tanto amor estão ali, diante de mim.
" É ela! É... "
— Liliana! - a voz de Edgar ecoa pelo corredor, fazendo com que os olhos dela se afastem dos meus.
Edgar se aproxima e arranca a garota dos meus braços. O infeliz a coloca atrás de si, demonstrando um instinto protetor, e me lança um olhar carregado de descontentamento e raiva, com os olhos transbordando de fúria.
Direciono meu olhar para a menina, que me observa com curiosidade. Com a visão periférica, vejo Hunter passar ao meu lado, acompanhado pelos seguranças, e todos entram no elevador. Dou um passo e me junto a eles na caixa metálica. Viro-me para Edgar, encarando o rato imundo.
— Uma semana, Edgar — repito, para que essa mensagem fique bem gravada em sua memória.
Liliana, com os olhos fixos em mim, dá um passo para o lado, saindo da proteção das costas do irmão. Meu olhar se detém em seu corpo pequeno, vestido com uma calça jeans clara, uma blusa de moletom azul e sapatos brancos. Edgar percebe para onde meu olhar se dirige e rapidamente envolve a irmã pelos ombros, tirando-a do meu campo de visão. Então, as portas do elevador se fecham e o objeto começa a descer, enquanto as lembranças do meu passado invadem minha mente.