Pousada

1483 Palavras
Capítulo-XI. Pousada “O homem é uma corda estendida entre o animal e o além-do-homem — uma corda sobre um abismo.”( Nietzsche) Liliana Minutos atrás eu me preparava para o pouso, agora meus pés pisam em solo escocês. Ando ao lado de Ragnar, ele com sua postura imbatível; Hunter segue junto a ele. Os dois parecem deuses inatingíveis. Puxo a minha mala sem vontade alguma, não sei o que será da minha vida daqui para frente — se é que terei alguma. Estou distraída no momento em que Ragnar me pega pelo braço e me faz acompanhar a rota que está seguindo. — Preste atenção ou ficará perdida — fala baixo, sem direcionar os olhos para mim. Sorrio sem humor. — Estou em suas mãos, de certa forma já me encontro perdida. Ele não responde. Continua a andar, obrigando meus pés a acompanharem o seu ritmo. Hunter e Ragnar começam a conversar usando um dialeto que não compreendo. Sinceramente, acho bom, porque não me interessa o que estão falando. Seguimos na direção de um carro estacionado próximo aos portões de entrada e saída do aeroporto. Pessoas vão e vêm, muitas delas. — Onde estamos? — pergunto, perdida e s*******o alguma. — Glasgow. — Ragnar olha para mim, seus olhos brilhando feito os de animais noturnos. — Capital do seu país? — Não, Edimburgo é a capital. Este é o aeroporto mais próximo das Highlands (Terras Altas). — Ah... — calo-me, não tenho mais nada a perguntar. Um homem alto e magro se aproxima dos escoceses e fala algo que não compreendo. Ragnar olha na minha direção e depois troca mais algumas palavras com o comprido de pernas finas. O magrelo abre a porta do carro e faz uma breve mesura para mim. Paraliso. Nunca antes alguém agiu comigo dessa forma, como se eu fosse importante. — Entre no carro, donzela. Olho para Ragnar, detestando esse modo como fala, parece querer me deixar confusa. — Tenho nome, por favor, use-o — peço com certa aspereza. Adentro o veículo, deslizando pelo banco de couro. Estou trêmula, muito nervosa, minha barriga dói horrores. Assusto-me ao ver Ragnar entrar e sentar-se ao meu lado. Meu coração, antes célere, parece que virou um foguete. O motorista assume o volante e o carro desliza pelas ruas de Glasgow. — Seu irmão? — Hunter irá em outro veículo. — Assusto-me ainda mais quando Ragnar vira o pescoço lentamente em minha direção e crava os olhos perturbadores em minha face. Desvio o olhar rapidamente. — Repousaremos em um hotel. Encontrar-nos-emos às duas e trinta da madrugada. A donzela, em sua fragilidade, clama por um merecido descanso. Que o sono a envolva em suaves mantos de serenidade, proporcionando-lhe alívio das fadigas que a jornada impõe. Dessa vez sou eu quem o olho de forma medonha. — Em que século acha que estamos? Ragnar não disfarça a surpresa. — Não compreendo, senhorita. — Muito menos eu. Ragnar, você fala como se estivéssemos na era vitoriana ou medieval. O homem apenas me fita, nenhum músculo de sua face se move, ele não pisca, até que o canto direito de seus lábios ergue-se em um sorriso carregado de ironia. Ragnar volta a olhar para frente, ajustando a postura altiva que, pelo que percebo, é uma marca registrada dele. Ele é belíssimo; negar seria mentir para mim mesma. Seus cabelos são como chamas dançantes, brilham na penumbra que domina o interior do veículo, causando um contraste com a pele salpicada de sardas, provocando um efeito hipnótico difícil de desviar os olhos. A simetria de seu rosto parece esculpida pelas mãos de um artesão sem igual. As maçãs de seu rosto são altas, o queixo firme e os lábios ligeiramente curvados, quase imperceptíveis, deixando apenas a sombra de um sorriso enigmático transparecer. Mas o que se mostra surreal é a cor azul de seus olhos. O efeito deles em mim é perturbador e, ao mesmo tempo, cativante. O azul presente nos olhos de Ragnar lembra as profundezas do oceano, cercado por correntes invisíveis. Um azul que é tormenta, e que parece guardar segredos e um peso invisível; às vezes traz melancolia, que logo desaparece, dando lugar à frieza de dois belos pares de olhos azuis, vazios. Tudo isso, como se não bastasse, está atrelado a um magnetismo ferrenho e a uma áurea que atrai como se ele fosse uma lâmpada misteriosa provocando as mariposas. “Quem é você, Ragnar?”, sussurro em pensamento. Desvio o olhar, acompanhando a paisagem que passa. Depois de alguns minutos de curvas e trocas de vias, o carro para em frente a um prédio com um letreiro enorme na fachada. Observo através do vidro. A noite é fria, e, apesar de estar usando calças compridas e blusa de frio, sinto-me congelar. O motorista retira nossas malas. Ragnar fala algo ao senhor magrelo que não consigo entender, creio que em sua língua local. Pego a minha mala e, quando estou prestes a retornar, trombo com o corpo de Ragnar. A sensação foi como se tivesse batido contra uma parede robusta, tanto que dou dois passos para trás com o impacto. — Por Deus, você não está me vendo? — falo irritada. — Eu poderia ter caído e me machucado! O olhar de Ragnar muda completamente. Ele se aproxima, retorcendo o rosto em uma carranca. Quanto mais ele se aproxima, mais tento me afastar, andando de costas, até sentir a lataria do carro contra mim. Olho de um lado para o outro e não vejo fuga. — Nunca mais repita essa palavra, está ouvindo? Olho sem entender o que disse de errado. Ragnar vira as costas, puxando sua mala, e me deixa sozinha para trás. Respiro trêmula, ainda mais do que antes, e agora não apenas pelo frio. Engulo seco, tentando entender que palavra usei que o enfureceu tanto. Das outras vezes que o xinguei, seu rosto não se retorceu em raiva impura como agora. Corro para alcançá-lo. Segundos depois de ele atravessar a porta do hotel, aproximo-me. Quando se dirige ao balcão, a atendente o recebe com um sorriso enorme. Ele fala com altivez, e então ela lhe entrega um cartão. Ragnar olha em minha direção, estende-me a mão, mas paraliso. O certo seriam dois cartões. Não vou dormir com esse homem de forma alguma. Balanço a cabeça em negação. Ragnar se aproxima, um pouco impaciente. — Precisas repousar. Brevemente faremos longa jornada. Por que te negas? — Você pegou um cartão, eu vi. Isso significa que será um quarto apenas! Eu não vou me deitar com você, não vou dormir no mesmo ambiente que você! Ele crava os olhos em mim, como se tivesse uma força inumana. — Em breves dias tomar-te-ei por legítima esposa, e não escaparás aos meus toques varonis. Contudo, não tenciono consumar tal feito nesta madrugada. Irás às bodas casta e pura, e então ceifarei tua pureza, que me será de direito e posse. Cumpre-te compreender, não me podes renegar. Eu serei teu marido. Engulo seco com a direta que me lança. — Pode escolher alguém da sua terra, alguém que possua uma linhagem idêntica à sua. — És-me de direito, donzela. A criança é o pagamento do ato vil de vosso irmão. Ragnar coloca a mão em minhas costas, um pedido silencioso para que eu siga em frente. Assim faço, mesmo que aos tropeços. Meus pés pesam toneladas. Adentramos ao elevador mudos, e, sob o silêncio sepulcral, chegamos ao corredor em que se localiza o quarto. As paredes parecem se mover, causando-me a sensação de estar sendo sufocada. Eu não possuo claustrofobia, mas a sensação que me domina é a mesma: não consigo respirar. — Não é o corredor da morte, não ainda — diz Ragnar, ao parar diante da porta e abri-la. Aproximo-me, ouvindo somente as rodinhas da minha mala rolando pelo piso. Entro no ambiente e me deparo com duas camas, uma ao lado da outra, separadas apenas por uma mesinha pequena. Estremeço de alívio, muito embora ainda com o peso de ter que aturar a presença do homem. — Escolha alguma das camas, fique à vontade. Ragnar retira o sobretudo, o cachecol e, em seguida, o paletó. Suas roupas são todas escuras, com exceção da gravata cinza-chumbo e do colete, que possui detalhes bordados na mesma tonalidade. Meus olhos cravam nos bíceps que marcam o tecido da camisa. São enormes. Meu rosto esquenta horrores quando ele me flagra em pleno delito. Viro-me, constrangida. — Fome? — indaga, andando pelo quarto. Ragnar liga a televisão, deslizando os dedos longos pelos botões do controle remoto. — Não... — quase não tenho voz para responder. Ragnar move-se como um caçador. Segue até a mala e retira dela algumas peças de roupa. No momento em que segue em direção a uma porta, que por dedução creio pertencer ao banheiro, sento-me na borda da cama e respiro. “E agora? O que eu farei?”
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