02: O Desejo Proibido e o Código de Acesso

2269 Palavras
O alarme tocou às quatro da manhã. Não era o som que me acordava; era o medo. O medo de falhar, de ser descoberta, de perder o Leo. Eu estava em um apartamento alugado no Queens, com o dinheiro que a Máfia adiantou. Nova Iorque era uma cidade de sonhos para a maioria, mas para mim, era apenas o palco da minha traição silenciosa. Eu tomei banho rapidamente, vesti o terno preto, o meu uniforme de mentira, e olhei para a minha imagem no espelho. O sorriso de máscara estava lá, pronto para ser ativado. Por dentro, eu era uma desabrigada moral. Senti a vergonha de estar ali, de ser a ferramenta da Máfia, de ter vendido a minha alma, mas o desejo de proteger o meu filho era o único valor que me restava, o meu escudo e a minha espada. O táxi me deixou na 57th Street. Karaman Global ocupava os andares mais altos de um arranha-céu imponente em Manhattan. A estrutura parecia um dedo de vidro apontando para o céu. Era a personificação do poder e da arrogância de Efe Karaman, um monólito frio de dinheiro e influência. Às seis da manhã, eu estava no 78º andar. Aquele andar era um santuário de silêncio e luxo. Eu me sentei na minha mesa, que ficava estrategicamente posicionada, protegendo a porta de madeira escura do escritório dele. A luz da manhã inundava a sala, revelando a vista esmagadora do Central Park. O cheiro de café expresso e couro fino era sufocante, o cheiro de um mundo que não era o meu. ( Monólogo Interno de Sanem - Foco no Medo e na Pressão ) { "Três semanas. Eu tenho três semanas para achar o Projeto X, o ficheiro que vale a vida do meu filho. Minha primeira missão: usar o malware que o Yusuf me enviou para clonar as credenciais do Efe. Ele vai me dar acesso limitado ao sistema hoje. Eu tenho que ignorar isso. Eu tenho que ir fundo, roubar a chave-mestra. A Máfia me disse que ele odiava a Máfia porque eles mataram a mãe dele. Eu estou usando a dor dele, a vingança dele, para a minha sobrevivência. O conflito moral é um peso no meu estômago, um caroço de culpa. Mas a imagem do Leo, sorrindo e seguro, é o meu único horizonte. Eu vou por ele. Eu sou a Máfia agora, se isso o mantiver vivo." } Efe Karaman chegou às 6h15. Impecável, frio, com a pressa de quem domina o tempo. O terno cinza, feito sob medida, parecia uma armadura. Ele nem olhou para mim. Ele era o centro do universo dele, e eu, um satélite irrelevante. "Café, Sra. Yıldırım. Não quero o de grão moído. Quero o da fazenda italiana que David Kaan importou, o single origin E sem açúcar." Ele ordenou, a voz grave e autoritária, sem um bom dia, sem um "por favor". "Sim, Sr. Karaman." Minha voz era profissional, a máscara não quebrava, o meu sorriso de plástico estava no lugar. O dia foi uma tortura organizada. Ele me sobrecarregou com exigências irracionais. Reuniões de última hora que precisavam de resumos instantâneos, documentos que deveriam ser traduzidos para três idiomas (o chinês foi o pior), chamadas de conferência com a Europa e a Ásia que começavam às quatro da manhã em Nova Iorque. Ele me testava a cada segundo, me observava, buscando a primeira fissura no meu profissionalismo, o primeiro sinal de que eu não era digna dos trinta mil que ele estava pagando. A proximidade era o maior problema. Eu passava a maior parte do tempo no escritório dele, organizando papéis na sua mesa, no seu espaço pessoal, sentindo o calor do corpo dele por perto, o cheiro inebriante do seu perfume caro. O desejo proibido era uma onda que vinha e voltava, misturado com a raiva. Ele era um alvo, um inimigo, o vilão que eu tinha que derrubar, mas a atração era inevitável, uma traição física que eu não podia controlar. Era como estar no alto de um prédio e querer pular. "Você está tensa, Sra. Yıldırım." Ele disse, de repente, me encarando enquanto eu organizava os dossiers de investimento dele. O olhar dele era uma agulha que perfurava a minha alma. "Não gosto de nervosismo no meu escritório. Isso me contamina. Me irrita." "É a pressão do primeiro dia, Sr. Karaman." Menti, segurando o olhar, minha determinação era a única coisa que me salvava de me ajoelhar e implorar para ele me deixar ir. "A pressão só aumenta, Sanem. O meu trabalho exige perfeição. E eu não pago trinta mil para a perfeição ser negociável. Eu pago pela excelência. Mostre-me a sua excelência, não o seu medo." O momento de agir tinha que ser perfeito. Eu precisava de um lapso de segurança. Eu estava com o malware pronto, mas o Efe não piscava. Às dez da manhã, Efe recebeu uma ligação urgente do David Kaan, o seu braço direito. Algo sobre um problema com uma offshore no Chipre. Efe levantou-se da mesa, furioso, jogando o celular na madeira. O som foi um trovão no silêncio do escritório. "Sra. Yıldırım, eu vou até a sala de conferências do 80º andar. Eles vão me ver de lá. Não me interrompa por nada. E não toque no meu terminal." Ele saiu, e a porta de correr do escritório fechou com um clique suave. Ele deixou o terminal dele desbloqueado, com a tela acesa, esperando o meu toque. Era uma falha de segurança amadora, totalmente fora do padrão do Efe Karaman, um homem que confiava menos nas pessoas do que em cofres de titânio. Eu senti o medo. "Era um teste?" Ele sabia que eu estava sob pressão? Ou ele estava me dando a chance de ser descoberta, de provar que eu era uma traidora? Não importava. A vida do Leo dependia disso. A janela de oportunidade era de, no máximo, dez minutos, talvez menos. A Máfia me disse que dez minutos era tudo que eu precisava. Eu sentei na cadeira de couro de Efe, o couro ainda quente do corpo dele. O cheiro de seu perfume era forte ali, intoxicante. Abri o meu e-mail pessoal no meu celular barato, onde o malware da Máfia estava aninhado. O programa era sofisticado: ele se disfarçava de atualização de sistema enquanto copiava as chaves de acesso digitais do Efe (senhas, biometria digital e códigos de emergência). Ele era a chave para o seu reino digital. Conflito Moral e Execução do Hack "Eu sou uma criminosa. Eu estou invadindo a privacidade de um homem que, apesar de arrogante, me deu o dinheiro para proteger o meu filho. Mas ele é o inimigo da Máfia que está me forçando. Se eu não fizer isso, o Leo morre. Se eu fizer e for pega, eu morro. Que escolha é essa? Eu sou uma moeda de troca entre dois demônios." Eu cliquei no anexo. O programa começou a rodar em modo furtivo. A barra de progresso era lenta, arrastada. Cada segundo parecia uma eternidade, o ar ficando mais denso, mais difícil de respirar. Eu podia ouvir o meu coração batendo no meu peito, o único som além do zumbido do ar condicionado. Eu olhei para o relógio. Quatro minutos se passaram. A clonagem estava em 50%. Quatro minutos para terminar a minha vida. De repente, a luz vermelha da entrada do escritório piscou. Alguém estava vindo. Eu não tive tempo de fechar o programa. Eu me levantei da cadeira de Efe e me dirigi para a minha mesa, pegando um dossier aleatório, fingindo estar focada no meu trabalho. A adrenalina me inundava, meu corpo virando gelo e fogo. A porta abriu. Era o Efe Karaman. Ele não estava na sala de conferências do 80º andar; ele estava na cozinha, pegando água. Ele me olhou, os olhos estreitos, um sorriso quase imperceptível nos lábios. "Problemas, Sra. Yıldırım?" Ele perguntou, a voz calma, mas perigosa, como um animal que está prestes a atacar. Ele estava me testando. Eu forcei o meu melhor sorriso de máscara. "Não, Sr. Karaman. Estou apenas organizando o relatório de ativos da offshore no Chipre, como o senhor havia me pedido. Eu estava checando se os dados estavam atualizados." Ele não respondeu. Ele apenas me encarou por um longo, longo segundo. Eu senti o desejo de que ele não tivesse descoberto, mas a certeza de que ele estava me testando. O meu corpo estava tenso. O medo era palpável, mas eu não desviei o olhar. Ele voltou para a cozinha, de costas para a mesa dele. Eu olhei para a tela dele: 95% concluído. No segundo em que ele saiu da minha vista, eu voltei para a mesa dele e finalizei a clonagem. O malware se apagou sem deixar rastros. O laptop parecia intocado, a tela de trabalho dele no lugar. A chave de acesso do Efe Karaman estava no meu server pessoal criptografado, a bomba-relógio que eu tinha que detonar. A missão tinha sido cumprida. Efe voltou para o escritório, carregando a água gelada. Ele se sentou na mesa, ignorando-me por um instante, folheando um papel. Eu respirei, aliviada, meu corpo começando a relaxar depois do susto. "Seus reflexos são bons, Sra. Yıldırım." Ele disse, de repente, sem olhar para mim, a voz cortando o silêncio. "Você foi rápida em sair da minha cadeira. Mas não o suficiente." Eu gelei. Meu coração começou a bater de novo, forte, descompassado. "Não sei do que o senhor está falando." Minha voz era estável, um milagre. Ele virou a cadeira para me encarar. O sorriso dele era puramente cínico, desprovido de qualquer calor. "Seu computador está configurado para o meu sistema. A senha é a data do meu aniversário. É um acesso limitado e supervisionado. O que eu quero saber é: você usou o acesso que eu dei, ou você tentou ir além? Eu deixei a porta entreaberta, Sanem. Eu queria ver se você era curiosa." A pressão era insuportável. Ele estava me testando, e eu tinha falhado no teste de confiança, mas passado no teste de inteligência. Ele não sabia o que eu tinha feito, apenas que eu tinha tentado. "Eu não fiz nada além do meu trabalho, Sr. Karaman. Eu me levantei para pegar o relatório de compliance do Chipre." A mentira saiu suave, a prática de anos me servindo bem. "É uma pena." Ele se reclinou na cadeira. "Eu esperava mais ambição de você. Mas tudo bem. Você começou bem. Você não teve medo de me encarar. A maioria das pessoas aqui treme quando eu as olho. Você, não. Você me devolve o olhar, e isso é raro." Ele não tinha prova. Ele estava apenas jogando com a minha mente, me desestabilizando. Eu senti a raiva pela manipulação, e o desejo de revidar. Ele era um alvo fácil para a minha fúria, mas a minha fúria não podia me custar o Leo. O celular barato que a Máfia me deu vibrou na minha bolsa, um zumbido estridente. Eu ignorei, com medo de olhar. "Você tem uma mensagem." Efe notou. Ele notava tudo. Eu peguei o celular e abri a mensagem de texto no banheiro. Yusuf: Yusuf: Sucesso. As credenciais estão seguras. Agora, vá para o próximo nível. O Projeto X não é um ficheiro. É uma rede de ativos da Máfia que Karaman Global usa para lavar dinheiro. Você não está hackeando Efe Karaman. Você está hackeando o Aziz Selim. Efe Karaman é o banqueiro dele. Ele é o chefe das operações da Máfia em Nova Iorque. Eu senti um frio na espinha, um calafrio que percorreu cada osso do meu corpo. Aziz Selim. O chefe da Máfia. Eu estava no ninho da cobra, e a cobra era o Efe Karaman. A Máfia estava me forçando a roubar a Máfia, usando Efe Karaman como intermediário. Ele não era a vítima; ele era o cúmplice. O dinheiro dele, a fortuna dele, era a fortuna da Máfia. E ele estava ciente do risco, e jogando com ele. Eu olhei para Efe Karaman, sentado ali, arrogante e intocável, o sol batendo no seu rosto, revelando a frieza dos seus olhos. A mãe dele tinha sido morta pela Máfia, mas ele estava negociando com eles. A vingança dele era uma fachada, uma cortina de fumaça. Ele era apenas mais um criminoso poderoso, um gangster de terno. O conflito moral se tornou mais claro. Se eu destruísse Efe Karaman, eu destruiria uma parte da Máfia. Eu não estava apenas roubando; eu estava lutando contra eles, mesmo que fosse sob as ordens do braço direito deles. A vida do meu filho estava ligada à destruição do império de Efe. Eu saí do escritório, a cabeça girando, a náusea subindo. Eu precisava de ar. "Sra. Yıldırım!" Efe me chamou de volta, a voz seca. Eu voltei, tentando parecer neutra, a máscara quase rachando. "Você está tensa, Sanem. Eu não gosto disso. Vá para o telhado. Respire o ar de Nova Iorque. O ar aqui é caro, use-o. E volte em quinze minutos. Eu não pago trinta mil para a minha secretária ter crises de pânico. Sua agenda está lotada." Eu fui para o telhado, sentindo a humilhação e a raiva. O vento frio de Manhattan me atingiu, mas o ar não era suficiente para limpar a sujeira da minha alma. Eu estava presa. Presa ao Efe Karaman. Presa ao meu desejo inegável por ele, um homem que era o meu inimigo e um criminoso. Presa à Máfia. O verdadeiro Projeto X não era um ficheiro. Era eu, a chave de acesso, a traidora. E Efe Karaman, de alguma forma, parecia saber disso desde o início.
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