Hospitais sempre são lugares horríveis para se estar
Ainda mais pro William, porque agora, ele já não era tão temido quanto antes, os riscos de alguém o reconhecer e chamar a polícia eram altíssimos. Mas ele não parecia se importar com nada disso
Thiago ficou em casa com a namorada, e Tião tomava conta dos dois. Enquanto isso, eu e William estávamos lá, esperando qualquer notícia que o médico pudesse dar sobre o bebê
A última frase dita pelo médico não parava de ecoar na minha cabeça
"Se a levarmos para a sala de operações, ainda podemos salvar a criança"
Ela se foi, ainda no caminho pra cá, os aparelhos dela pararam de dar sinal
William não parou de chorar desde então
Eu queria muito poder dizer que ela ficou bem, que criou a filha junto com a gente, e que o William foi um ótimo pai, Deus, como eu queria dizer isso...
Mas essa não é a verdade...
William não parava de chorar, por mais que eu tentasse confortá-lo, ele ficava ali, olhando pro chão, com os olhos vermelhos e inchados
Geralmente, no interior, as pessoas não vão até o hospital, o trajeto é longo demais pra percorrer, e a vítima sempre morre no caminho
Mas mesmo assim ele tentou, uma última esperança desesperada
O médico que nos atendeu vem em nossa direção com muita pressa, ele ajeita o óculos e a prancheta em sua mão, nos levantamos rapidamente assim que ele para na nossa frente
- O bebê está bem - ele anuncia -
Solto o ar que prendi sem perceber, fechando os olhos de alívio, William me abraça forte, suas lágrimas eram de alegria agora, mas ele logo me solta
- Cadê minha filha, doutor? Eu posso ver a minha filha? Eu quero muito pegar ela - ele diz ansioso e apressado -
- Fique calmo, você não pode segurar ela
- Mas porque não, você disse que ela tá bem né?
- Ela está, mas nasceu muito prematura, ela pode passar bastante tempo aqui até que esteja pronta
- Eu posso ver a minha filha, doutor?
- Bem... Vai ter que ser através do vidro da encubadora, mas pode sim...
O médico nos guiou até lá, a neném estava dentro de uma espécie de máquina de vidro com tubos, é a primeira vez que eu vejo uma encubadora
William chegou perto, seus olhos cheios de lágrimas, seu sorriso estava largo e as mãos tremiam
- Olha só, amor, que coisinha mais linda do mundo - Disse, fazendo meu rosto arder - A minha princesa é muito linda
Olhei para o médico, parecia também estar emocionado
- Olha esse narizinho, puxou de mim, e as orelhas também, essa pele n***a linda, deve ser da vovó, os olhos ainda não dá pra ver, mas a boquinha com certeza é da mamãe...
Ele ficou sério repentinamente, olhando para o médico e secando as lágrimas
- Cadê a Katianne, doutor?
...
O médico nos deu alguns minutos para nos despedir da Katianne, William ficou ali, parado, olhando pra ela, se despedindo mentalmente de alguma forma que eu não sabia
- Oi... - Thiago entrou, acompanhado de Tião e Aline -
- Quando vieram pra cá? - Perguntei -
- Um pouco depois da hora que vocês saíram
Nos aproximamos dela, a velando em silêncio, por vários minutos, ninguém ali sentiu qualquer outra necessidade, só a de homenagear Katianne da forma que podíamos
Do nada, William sai da roda, indo até um canto da sala e apoiando o braço na parede
- Aquele desgraçado...
Vou até ele, e o abraço por trás
- O que vamos fazer? - Pergunto -
- Eu não vou deixar ele me tirar mais nada, eu não vou deixar ele se aproximar de você ou da minha filha
- Então, vamos matar ele - Sugere Thiago, de cabeça baixa, chamando a atenção de todos -
- Eu não vou meter vocês nisso - William rebateu -
- Vai sim - digo -
- Augusto...
- Aquela menina não vai crescer sem o pai, é isso que vai acontecer se você for sozinho
- É muito arriscado
- Então a gente corre esse risco juntos! - Rebato, pondo a mão em seu peito -
William me abraça, o que considero como um sim
- Eu também vou, posso não ser grande coisa mas eu quero ajudar - Disse Aline dando um passo a frente - Se você me ajudar, Thiago!
Ele a abraçou e beijou sua testa
- Eu também, vocês vão precisar de pessoal, e eu conheço gente boa de briga que tá louca pra um trem bão desses - Anunciou Tião, arrancando risadas de todos -
- A Katianne morreu por causa daquele desgraçado. Temos que fazer isso direito, por ela!
- Nós vamos, meu amor, nós vamos...
Quando chegamos em casa, Tião foi pra dele, e ninguém se sentia cansado ou necessitado de qualquer outra coisa, o tempo era curto, e o plano precisava ser perfeito e muito bem pensado
William nos deixou na sala, e logo voltou, trazendo consigo uma folha de papel e um lápis, pondo sobre a mesa apressadamente
- O que você vai fazer? - Thiago perguntou-
A concentração de William estava toda no papel, ele desenhava algo, com muita precisão, era até bonito olhar de certa forma, e isso fazia com que não conseguíamos tirar o olhar daquela mesa
- Pronto! - Ele anunciou, apenas um talvez dois minutos depois de começar -
- O que é isso? - Thiago voltou a perguntar -
- É a planta da minha casa lá no morro
- Como conseguiu se lembrar de tudo? - Pergunto, observando que ele fez até o sistema de tubulação -
- Moro naquele lugar desde os 17 anos, conheço melhor que a palma da minha mão
Era impressionante
- Então, qual é o plano? - Perguntou Aline -
Ficamos todos em silêncio ao escutar o som de um carro se aproximando da estrada, os cachorros já latiam, e a pessoa estava entrando no terreno sem nem chamar por alguém na porteira
William pegou a pistola em cima da mesinha, e foi correndo pra fora
Era um carro de luxo, parecia novo. Me esforcei para ver quem estava lá, mas não dava, o vidro era muito escuro
O veículo parou
- Quem é? Sai agora do carro, agora!
A surpresa era instantânea, era como se estivéssemos diante de um morto vivo, e pra falar a verdade, eu já cansei de gente morta que aparece viva na minha vida
Gustavo, muito bem vestido, em um carro de luxo, bem na nossa frente
- Eai, cara? - Ele sorriu para meu marido, abrindo os braços -
William não exitou em correr até ele, lhe dando um forte abraço
- Você tá vivo! - Ele gritou -
- Quem é esse cara? - Perguntou Aline -
...
- Todos aqui já trabalharam ou conviveram com o Medo, sabemos como aquele i****a funciona
- O que vamos fazer, chefe?
- Vamos deixar ele atacar primeiro, sabemos como ele é, ele é escandaloso, gosta de uma entrada triunfal
- Mas, senhor, alguns de nós não vai...meio que morrer nessa entrada dele? E vamos deixar?
Pedro riu debochado
- É aí que se enganam, naquela bosta de casamento, a palavra do Augusto é sempre a última, e essa vez não vai ser uma excessão. O Augusto vai sugerir que eles entrem de maneira silenciosa, e passem por todos vocês sem fazer grande escândalo, mas vamos estar prontos pra receber esse bando de viado, e acabar com essa merda de uma vez por todas
- Meu filho! - Uma voz se destaca na multidão, Angela, sua mãe, chamava por ele -
- O que você quer?
Ela vem correndo, passando assustada por entre aqueles homens armados, ao chegar próxima do filho ela se lançou sobre ele, o abraçando
- Meu filho, por favor, pare com isso, já chega, você tá criando uma guerra que não vai vencer
- Como é que é?
- Meu filho, recebi as notícias agora, a Katianne não sobreviveu, ela perdeu a criança!!
O impacto foi visível em seu rosto apenas por um segundo
- Pois é muito bem feito, ela me traiu, mereceu o que teve
Angela estava em choque com a reação do filho
- Vai pro seu quarto, Angela
Ela desfez o abraço, subindo as escadas de bom grado
- Quer saber de uma coisa, filho? Está criando uma guerra que eu espero muito que você não vença
Ela foi para o quarto e se trancou. Para Pedro, a opinião de ninguém importava, ele só precisava matar William
...
A história de como Gustavo sobreviveu era de fato muito impressionante, passamos tanto tempo conversando com ele que chegamos a nos esquecer dos problemas por um momento
- Como encontrou a gente? - Perguntou Aline, enquanto William servindo uma cerveja para seu amigo -
- Ele sabia desse lugar - William respondeu -
- Pois é, eu só não acreditei que o William viria pra cá, pensei na casa de praia, ou em qualquer outra casa dele, mas aqui definitivamente não
- Como estão as coisas no morro da gangola?
- Muito ruins, o Pedro tomou conta de tudo, a maioria ficou impressionada por ele conseguir matar o Cobra, e se juntou a ele
- Droga, agora ele tem o pessoal da gangola também! - William resmungou -
- Eu consegui reunir algumas pessoas pra acabar com ele, é por isso que tô aqui
- Quantos são do seu lado?
- Uns 20
William caminhou até a janela e se escorou ali, olhando para a vista, claramente raciocinando
- Estamos em menor número, mesmo com a ajuda do Tião
- Eai, o que você vai fazer? - perguntei -
- Eu não vou fugir dele, eu vou matar ele, nem que eu esteja sozinho, essa é a luta da minha vida, acabando com ele toda essa merda acaba
- E se não der certo?
- Então que se f**a, mas pessoas morreram, eu não vou seguir a minha vida sem vingar a Katianne, e mais do que tudo, eu não vou deixar ele chegar perto da minha filha
Todos nos olhamos, inspirados, mas ainda temerosos
Gustavo se levanta em sinal de apoio
- Vamos precisar treinar então...
- Temos uma noite pra treinar, quero todo mundo com a mira perfeita, então vamos lá. Thiago!
O garoto atirou, acertando o gargalo da garrafa
- Aline!
Ela atirou, ainda com aquele medo de segurar uma arma pela primeira vez, e por muita sorte, acertou
- Muito bom, mas isso foi sorte, precisa se acalmar ou a pessoa vai atirar bem antes de você - Pontuou Gustavo -
Atiro, antes mesmo da ordem, errando o disparo, William veio até mim, me abraçando por trás
- O que foi?
- Não dá, eu não consigo parar de pensar nela...
Ele me vira pra ele e beija minha testa
- Thiago, você que já tem uma noção melhor, ajuda a Aline, eu preciso conversar com o Ag
Entramos na casa, enquanto os outros treinavam com as garrafas
William desfez nosso abraço, indo até o guarda-roupa e pegando uma sacola preta, uma que ele usava pra ir pra academia
- William...
- Não posso te meter nisso, é sério
- O que?
Ele me entrega um bolo de dinheiro, junto com um papel de caderno comum, todo amassado
- Pra quê isso?
- Pega a Aline, e vai embora daqui, aí no papel tá escrito o endereço de uma mulher, seu nome é Neusa, mostra a nossa certidão de casamento pra ela, vai ficar bem
- Isso está fora de cogitação, William
- Eu não tô pedindo
- Ah é? E quando eu te vejo de novo? - Pergunto sarcástico -
- Se eu sobreviver, volto pra te buscar logo
- Você tá maluco
Ele agarrou meu braço com força
- William, tá me machucando...
- Eu não tô pedindo, você vai, e ponto final
- Me obriga....
...