O silêncio daquela sala era ensurdecedor. Só o zumbido sutil dos monitores e o bater ritmado do meu próprio coração preenchiam o ambiente enquanto eu me mantinha imóvel, braços cruzados, olhos fixos na tela. Observava. Cada movimento. Cada suspiro. Cada microexpressão dela.
Catarina.
Ela estava ali, sentada na poltrona, tão bela quanto feroz. Os pulsos presos com aquelas cintas que mais pareciam ornamentos do que restrições. E, mesmo assim, havia algo de profundamente inquietante naquela imagem. Ela parecia... calma. Mas eu a conhecia bem demais. Aquilo não era calma. Era estratégia. Era a tempestade prestes a se formar no horizonte.
O garoto — jovem, ansioso e visivelmente desconfortável — entrou na sala onde ela estava. Nas mãos, o tablet. Não disse uma palavra. Apenas caminhou até uma mesinha lateral e deixou o aparelho ali, como quem entrega uma bomba prestes a explodir.
A tela acendeu sozinha.
O vídeo começou.
Adam.
O bastardo estava amarrado, respirando com dificuldade, a cabeça caída para frente, o rosto deformado por hematomas, cortes e sangue seco. Sua boca se movia, arfante, tentando puxar ar, tentando entender quanto tempo mais conseguiria aguentar.
Mas eu não estava olhando pra ele.
Não. Meu olhar estava cravado nela. Só nela.
Catarina não reagiu de imediato. Ficou absolutamente imóvel, como se seu corpo precisasse de alguns segundos para processar o que via. Depois, vi. O movimento quase imperceptível. Os punhos dela se fecharam. Fortes. Brancos. A tensão percorreu dos ombros até os dedos.
Me aproximei mais da tela, inclinando o corpo. O olhar dela... Deus, aquele olhar. Queimava. Ardente. Uma mistura perigosa de fúria, desespero contido e... dor. Mas nem uma lágrima caiu. Nem uma.
Então, minha mandíbula trincou quando percebi seus lábios se moverem. Sem som. Apenas um sussurro que, mesmo sem áudio, eu consegui ler.
"Aguenta, Adam... Vou te tirar daí. Seja onde for."
Um soco no estômago teria doído menos.
O jovem pegou o tablet de volta sem dizer nada. Catarina permaneceu do mesmo jeito. Dura. Firme. Como se sua única missão fosse não ceder. Não desmoronar. Não me dar o prazer de vê-la quebrar.
A porta se fechou novamente. E eu continuei ali. Imóvel. Observando-a. Medindo cada milímetro daquele comportamento.
Ela não chorou. Não implorou. Não gritou. Não desmoronou.
Mas aquele sussurro...
Aquela simples frase...
Foi suficiente para uma sombra se arrastar pela minha mente.
Será que ela... ainda me amava?
Será que algum dia... realmente me amou?
Ou... estaria agora apaixonada por ele?
Minha garganta secou. Um gosto metálico subiu pela boca.
E então uma nova ideia se formou. Perigosa. Obsessiva. Insana. Mas, diabos... eu não sobrevivi no topo desse mundo por ser um homem equilibrado.
A porta se abriu de novo. O garoto voltou.
— Don... — A voz dele parecia insegura. — Tem... mais alguma coisa que eu possa fazer?
Virei-me lentamente. Cruzei os braços nas costas. O tom da minha voz desceu várias oitavas, tão grave quanto um trovão antes da tempestade.
— Sim. Entre em contato com o cativeiro. — Pausei, deixando que ele absorvesse cada sílaba. — Quero informações novas.
Ele franziu a testa, confuso.
— Que tipo de informações?
Inclinei a cabeça, observando-o como um predador observa a presa que não sabe que já está morta.
— Quero saber... — minhas palavras saíram lentas, cortantes — se Catarina e Adam... planejavam algo. Formar uma família. Fugirem juntos. — Me aproximei. — Se ela propôs isso a ele. Se existe qualquer rastro dessa possibilidade.
O rapaz piscou, hesitou.
— Don... — pigarreou — Pelo que já extraímos... não há essa possibilidade. Adam não mencionou nada.
Apertei os olhos. O músculo da mandíbula latejava.
— Não é suficiente. — Minha voz cortou o ar. — Eu preciso ter certeza.
Ele se remexeu, desconfortável.
— Don... — tentou argumentar — Adam já está... bem machucado.
Inclinei-me para ele. Sorri. Um sorriso c***l. Gelado. O tipo de sorriso que deveria ser crime em qualquer lugar civilizado.
— Melhor ainda. — Dei dois passos, ficando cara a cara com ele. — Assim não vai oferecer muita resistência.
Ele engoliu em seco.
Sem dizer mais nada, girou nos calcanhares, puxou o telefone e começou a discar.
Eu me virei lentamente para o monitor que exibia Adam. E, como se o universo obedecesse minha vontade, a cena ganhou vida segundos depois.
Dois homens entraram na sala.
Adam ergueu a cabeça, os olhos arregalados, instintivamente tentando recuar, mesmo preso à cadeira. As correntes rangeram.
— O que vocês querem... — arfou, a voz falha, desesperada. — O que agora...?
Os homens não responderam. Não era necessário.
Um deles puxou uma cadeira, sentou-se à frente dele. O outro permaneceu em pé, às costas de Adam, como uma sombra sinistra.
O da frente abriu uma pasta. Dentro, fotos. Documentos. Prints de conversas. Nenhuma delas reais — ainda —, mas isso... ele não precisava saber.
— Vamos lá, Adam... — O homem começou, voz arrastada, calma, meticulosamente c***l. — Só precisamos esclarecer umas coisinhas.
— Eu... eu já disse tudo... — Adam balbuciou, cuspindo sangue. — Não... não sei de nada mais...
O homem riu baixo. Um som seco, assustador.
— Não é o que parece, amigo. — Ele deslizou uma foto falsa de uma ultrassonografia pela mesa. — Veja bem... estamos curiosos. — A ponta do dedo dele bateu contra a imagem. — Isso aqui... foi ideia sua? Ou dela?
Adam arregalou ainda mais os olhos.
— O quê...? — arfou, puxando o pouco de ar que restava. — Isso é mentira... Isso...
O homem ignorou.
— Você e Catarina... — cruzou os braços. — Estavam planejando... sei lá... fugir? Começar uma vida juntos? Ela te prometeu isso, Adam?
— N-não... — Ele balançou a cabeça, desesperado. — Não... não é... não é assim... não!
O segundo homem, atrás, puxou Adam pelos cabelos, forçando-o a olhar diretamente para a mesa.
— Olha bem. — A voz era puro gelo. — E pensa bem na resposta. Você quer falar a verdade... ou prefere perder os dois joelhos, ein?
Adam começou a chorar. Desmoronando. Tremendo.
E eu... do outro lado da tela... observei.
Cada lágrima.
Cada tremor.
Cada pedaço dele que se quebrava.
Mas, ainda assim, a pergunta martelava na minha mente com mais força do que qualquer grito vindo daquela sala:
Por que, Catarina? Por que... aquele sussurro? Por que aquele olhar? Por que aquele maldito "aguenta, Adam"?
O nó na minha garganta apertava.
E, naquele exato instante, percebi uma coisa.
Talvez... não era Adam que estava prestes a quebrar.
Talvez... fosse eu.