Conselhos .( Larissa)

1984 Palavras
" O amor é uma tempestade na alma que nunca se acalma. Será que por amarmos demais a infelicidade é nosso castigo?" Por: Larissa. Apesar de tudo, eu sentia a falta dele, do som da sua voz. Por vezes, imaginei como seria o timbre de sua gargalhada. Queria poder ver seus olhos refletindo alegria, assim como vi naquela fotografia. Pietro nunca me deu um esboço de um sorriso, às vezes um esgar de canto de boca. Seu semblante é sempre tão carregado, frio, duro, é como se ele estivesse sempre preparado para uma briga, ou até mesmo para uma guerra. No entanto, o homem que conheci se parece tão diferente daquele rapaz que tinha uma expressão suave e leve, eternizada naquele pedaço de papel. Como pode isso? Como pode uma pessoa mudar tanto? E o que levou a ser assim? _Mais uma pessoal vez, repitam comigo! - a professora pede, e sua voz potente me tira dos meus pensamentos. Estávamos no último tempo de aula. Discretamente, olho para meu relógio. Falta pouco mais de dez minutos para encerrar o dia letivo. _ My hair is blue. My shirt is green. Everyone repeat.- pede a professora, batendo com o piloto preso entre seus dedos na lousa branca. Quando o tempo termina, organizo as minhas coisas e saio apressada, sem dar chances para Daniel tentar flertar comigo. Atitudes que ele vem intensificando a cada dia que se passa. Desço as escadas apressada. Quando piso na calçada, vejo meu pai com o carro estacionado. Ao mesmo tempo que sorrio para ele, fico com um peso enorme na consciência por estar escondendo algo tão importante. Tenho medo de perder seu carinho e esse olhar doce do qual sou alvo neste momento. _ Vamos, minha princesa, que ainda tenho que passar no mercado. Sua mãe me deu uma listinha, mas pode comprar algumas guloseimas que eu sei que gosta.- diz ele, conforme vou entrando no veículo. _ Obrigada, pai! - falo, dando-lhe um beijo na bochecha. - Como foi seu dia? - pergunto, depositando a minha bolsa em meu colo. _ Intenso. O Pietro quer implantar uma nova raça na fazenda, e estou tendo que checar de perto tudo. Sabe como é, são animais de características semelhantes, mas com suas peculiaridades, suas doenças e até elas se adaptarem, vou ter de ficar bem atento. Quando meu pai menciona o nome do homem, um arrepio quente me invade. Sinto meu ombro latejar, exatamente no local onde ele mordeu. Naquela noite, parecia que o italiano queria retirar um pedaço da minha carne. A intensidade de certas coisas vindas dele me assusta muito, assim como ser ameaçada com uma lâmina cortante no meu pescoço. _Quer fazer um lanche antes de irmos às compras? - pergunta o senhor Fernando, virando em uma rua. _ Não, pai, quero apenas uma garrafinha de água.- falo, sentindo minha garganta seca. _ Sério? Tudo bem então. Lari, eu vou ter que ir na casa dos Greccos, o senhor Gerardo quer falar comigo. Acho que vai ser um assunto rápido. Quero que me espere. Como hoje é folga da sua mãe, ela foi na fazenda visitar dona Clésia e certamente ainda não retornou. Engulo em seco, tudo que eu não queria era pôr os pés onde o Pietro está. _ Não precisa se preocupar, eu posso ir andando e o senhor vai "ver" o que seu patrão deseja. - falo, buscando uma forma de escapulir dessa situação. _ Mas, nem pensar! Da última vez que inventou de fazer o percurso até em casa de noite e sozinha, chegou machucada. _ Pai, estava sem iluminação na garagem dos seus patrões, eu não conseguia nem enxergar onde estava pisando. Me assustei com o crocitar da mãe da lua e... _ Por isso mesmo! Vai me esperar, mocinha! - diz estacionando o carro ao lado do mercado. Sem alternativa, sento uma rajada de vento varrer meu interior. _ Eu não vou ter que entrar na casa deles, né? _ Não, filha, me espere na varanda. Desci do carro, respirando mais calma. Pietro não teria conhecimento de que eu estarei bem perto dele. Depois de fazermos as compras, seguimos para a Caravaggio. Meu pai canta uma música MPB que toca no rádio do carro. A canção me faz lembrar do italiano, seguro as lágrimas nos cantos dos olhos. " Como podemos amar alguém tão rápido? Como pode o nosso coração receber um desconhecido sem reservas?" - indago, sufocando com todos os meus sentimentos. Num ímpeto de querer me livrar da brasa viva que arde em meu peito, mudo a canção para outra mais agitada. Meu pai me olha, estranhando minha atitude. _ Por que fez isso, filha? Eu estava ouvindo. _ É uma canção triste - falo a primeira coisa que me vem à mente. _ Não, é uma música com melodia romântica. Coisa linda de se ouvir, ainda mais quando estamos amando. - diz, e por muito pouco não deixo meu pranto rolar frouxo. O que meu pai não sabe é que estou amando muito e com todas as forças que tenho em mim. Só que esse sentimento, ao mesmo tempo que me acolhe, me esmaga com tanta brusquidão que me esmaga em pedaços. A equação é simples, o meu coração se apaixonou e a dor aguda em meu peito quem sente sou eu. Sento minhas mãos ficarem geladas quando a caminhonete cruza o portão que nos leva ao espaço residencial dos Greccos. Meus joelhos falharam quando pisei no gramado e escorei meu copo na lataria do veículo. Tudo é perturbador demais: meus anseios, minhas vontades de mulher, meus medos e tudo mais que vem junto com isso. _ Vamos, Lari. - meu pai me chama, andando em direção à rampa que dá acesso à casa. Olho para a imensa mansão e meu coração erra um batimento. _ Estou indo. - falo, sentindo vontade de ficar e esperar dentro do carro. No entanto, meu progenitor estranharia o fato de eu perder a oportunidade de andar pelo jardim colossal dos Greccos. Assim que pisamos na varanda de trás, somos recebidos por Carmem. _ Boa noite! Tem algum problema a menina me esperar aqui fora? _ De forma alguma, senhor Fernando - a mulher responde, fazendo um gesto com a mão. - Vamos, que o levarei até os patrões, o senhor Gerardo e o filho dele estão lhe aguardando no escritório. Inclusive, quando o vi chegar, já anunciei ao senhor Gerardo. - fala enquanto se dirige para dentro do ambiente familiar. Eu pego minha pasta e a deixo em cima do tampo de uma das mesas que tem espalhadas pelo amplo espaço. A noite já está presente, no entanto, a iluminação dos pequenos postes deixa a área de composição paisagística com uma beleza diferente, misteriosa. Me esgueiro por entre as folhagens até chegar a um cacho lindo de flores azuis. Pego meu celular para tirar uma selfie. Não sei a espécie à qual essa trepadeira pertence, muito menos o seu nome, mas é magnífico o modo como suas ramas cheias de folhagem cobrem o pergolado. No momento em que consigo captar minha imagem com o aparelho, sou puxada para dentro do enorme quadrado de madeira. Meu coração salta com o susto que levo ao vê-lo ali, de pé, parado em minha frente. Um misto de alegria com pavor corre por minhas veias. Ao mesmo tempo que quero beijá-lo, tenho vontade de correr para longe. A pouca iluminação não me permite ver muito, porém quando o italiano começa a falar, seu tom de voz evidencia o quanto está insatisfeito com a minha atitude de impor uma distância entre nós. Mas ele queria o quê, caramba? Fiquei em pânico diante da possibilidade de ser degolada por ele. A situação não melhora muito depois que tento sair da presença dele. Pietro me encurrala e um beijo acontece. Mais uma vez, uma guerra fria se inicia dentro de mim. Estou dividida entre empurrá-lo ou saborear o mel de seus lábios. Sinto-me aquecer, meu corpo pede a presença do dele, mesmo que neste momento minhas condições femininas não me permitam algo mais íntimo. Diante do pedido do homem para nos vermos mais tarde, acabo por revelar que estou menstruada e para ele isso soou como algo sem importância. Contudo, eu não faria sexo estando naqueles dias, sequer imagino algo do tipo. Apavorada e com medo de meu pai sair e dar por minha falta, depois de ouvir Pietro arquitetar mais um encontro que ocorrerá quando eu estiver pronta para recebê-lo, salto para fora do pergolado e sinto meu corpo mais gelado do que o espaço concretado que há pouco eu pisava. Carmen está na varanda e ao me ver, lança-me um olhar aflito que piora depois que o corpo do italiano, saído do mesmo lugar por onde eu surgi, choca-se com o meu. "Céus, fomos descobertos!" - falo mentalmente, ficando verde como os demais vegetais multicelulares, eucariontes, que estão plantados no solo que sustenta meus pés. Pietro olha para a mulher como se ela fosse uma parede, segue reto com seu andar aristocrático e cheio de altivez. Os olhos da senhora o acompanham, como se não pudesse acreditar no que lhe é nítido. Nós dois estamos tendo um caso. Carmem anda apressada até onde estou. _ Santo Deus, garota, seu pai te procurando e você junto com...O que está acontecendo, Larissa? Não quero acreditar que você está fazendo uma coisa dessas, menina! Não vê que para homens feitos, como o senhor Pietro, você é só uma aventura? - fala baixo, com tom de repreensão. Suas palavras me ferem. _ Eu gosto dele, Carmem. - é só o que consigo falar. _ Com tantos rapazes bons por aí, você cai nas garras de um homem de trinta e dois anos, filha? Lari, você é tão novinha, uma massinha de modelar nas mãos habilidosas desse italiano que já viveu tanta coisa. Não se deixe enganar, menina, cai fora enquanto esse caldo não entorna e te deixe sem saída. - avisa, abrindo seus braços e me acolhendo neles. _ Por favor, não conte para meus pais. - peço, querendo chorar, com a voz embargada. _ Não vou me meter na vida de vocês dois, mas te peço, pense nos meus conselhos. Você é uma jovem tão ingênua, meu bem, e esse crápula está se aproveitando disso, se valendo desse sentimento puro que brotou dentro de ti, minha filha. Você é muito boa para ele, meu anjo. - diz, desfazendo o laço carinhoso que nos unia. _ Eu... Engulo minhas palavras ao ouvir a voz do meu pai me chamando. Nós duas olhamos na direção de onde parte o som e vemos o homem surgir. _ Onde você estava? Caramba, filha, fui atrás de você lá no carro, achando que tinha ido até lá e nada. - diz nervoso. Olho para Carmem, suplicando com meu olhar para que não delate. _ Ela estava atrás do pergolado tirando umas fotos, na Beaucarnea recurvata, a pata-de-elefante. A planta está lindíssima. - fala, pegando em minha mão e dando um aperto. Meu pai coloca as mãos em sua cintura e solta um suspiro. _ Não sei o quê Larissa vai fazer com a quantidade demasiada de fotos que tira. Ela posta tantas que as redes sociais dela encrencaram esses dias.- fala diretamente para Carmem. _ Foram hackeadas, pai, não consigo entrar nelas. Nada tem a ver com a quantidade de fotos que posto. - explico, sem entender qual pessoa se interessaria por contas que só têm fotos minhas em meio aos "matos". _ Bom, filha, vamos, sua mãe já me ligou preocupada. Faz algum tempo que ela chegou em casa e está estranhando nossa demora. - diz, gesticulando com a mão. Dou uma última olhada para a mulher que me fita com o sentimento de pena transbordando no olhar. Sigo para a varanda, pego a minha pasta e deixo para trás a casa dos Greccos.
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