" Sensações são perturbadoras ainda mais quando ela te alerta que é a saudade chegando forte dentro de ti"
Por: Pietro.
Uma semana vivendo em uma maldita guerra, uma semana em que as coisas estão indo de m*l a pior. Desde que pisei aqui na Calábria, quando não estou torturando alguém em um dos nossos galpões ou no porão da casa de Vittorio, estou empunhando uma arma e trocando tiros com integrantes da máfia rival.
_ p**a que pariu, essa desgraça engasgou outra vez! Cazzo! Cazzo! - exclamo irritado, uma vez que meu fuzil me deixou na mão. - Me dá cobertura, Vincenzo! - berro, ouvindo os assovios das balas cortando o ar bem acima de nossas cabeças. Estamos imersos na vegetação, tentando chegar às ruínas de uma construção para nos refugiar.
Olho ao redor vendo os pontos de iluminação bem espaçados, as lâmpadas fracas quase não surtem efeito no meio desse mar trevoso, parecem mais luzes emitidas por vagalumes, insuficientes.
_ Cugino giusto! - diz Vicenzo.
_ O que houve Pietro? - escuto através do ponto eletrônico em meu ouvido o berro que Vittorio dá.
_ O fuzil está apresentando problemas o projétil encravou-se outra vez! - pego a bandoleira do AK- 47 e jogo o corpo da arma para as minhas costas. Puxo duas pistolas dos coldres presos em cada uma das minhas coxas.
_ Ora de encendiar essa p***a! Vou meter balas nesses malditos!- berro para meu primo.- corro rumo às ruinas enquanto aciono os gatilhos, tendo Vicenzo colado em minhas costas.
_ Toma cuidado Pietro, não faz merda, Cazzo!- Vittorio berra mais uma vez, fico tentado a arrancar aquela merda do ouvido e deixar o Don se danar.
Estamos na Puglia, precisamente em Bari. O tiro comendo solto numa construção há muito abandonada, uma masseria, que fica na zona rual entre Malfata e Bisceglie. Ao mesmo tempo que o escuro que permeia o que um dia foi uma fazenda, nos protege também nos prejudica.
Os óculos de visão noturna que me ajudam a localizar nossos inimigos, não têm a mesma funcionalidade para que eu possa destravar o maldito fuzil que, por enquanto, é um peso morto pendurado em meu corpo.
Vincenzo e eu adentramos em um dos cômodos do que um dia foi uma grande casa.
Ando até a janela e observo o movimento do lado de fora, miro na cabeça de um dos integrantes da máfia rival e disparo. O silenciador corta o estampido que a bala faz ao ser expelida pelo cano da arma. Vincenzo me olha, faço um sinal de que vou sair pela lateral oposta à qual entramos. Meu primo anui e continua na posição de ataque, pronto para receber qualquer um que se atreva a entrar.
Salto a janela e sigo abaixado perto da parede. Chego ao corpo do infeliz, que parece uma torneira humana de onde jorra um jato potente de sangue de sua cabeça. Pego seu fuzil IMBEL M964 FAL, comumente usado no Brasil, e retiro o pente da arma, jogando-o longe, para impedir que qualquer outro faça uso do armamento. Corro pelo meio das árvores para os fundos da construção. Estamos aqui para capturar o sobrinho de Lorenzo, chefe da Sacra Corona Unita. Fiz uma investigação e descobri que o moleque gosta de dar algumas festinhas escondidas do tio por aqui, um bacanal que faz com as prostitutas dos bordéis que gerencia. No entanto, não contávamos com mais de dez seguranças armados até os dentes para nos receber.
Viemos em cinco: Vicenzo, Gianne, Leonardo, Matteo e eu. Nós nos separamos assim que pisamos no perímetro. Furamos os pneus dos carros dos malditos para que eles não possam empreender em fuga. No entanto, um dos seguranças do moleque viu o momento em que Gianne passava perto de uma luz bruxuleante, e o plano muito bem esquematizado foi por água abaixo. Eu darei um soco bem dado na cara do meu primo de segundo grau por cometer essa falha de principiante. Cazzo!
Vejo um dos homens da máfia rival escondido atrás do tronco de uma árvore frondosa, o filho da p**a se diferencia de um dos meus soldados por fazer uso de um boné. Sigo até ele, puxo minha adaga de fibra de carbono. Quando estou perto de pegar o infeliz desprevenido pelas costas, o maledeto tem uma percepção rápida e se vira, me recebendo com um soco que pega de raspão em meu rosto, mas acerta os óculos de visão noturna, que cai no chão.
Sem esse equipamento, tudo fica mais difícil para mim. Recebo outro soco, que acerta na região das costelas. No entanto, o colete que uso corta um pouco do impacto. Cambaleio para trás.
_ Vamos seu pezzo di merda, me mostre do que é capaz ou está com medinho seu bastardo!- o farabutto exprime enquanto me afasto em silêncio.
_ Vai al diavolo! Figlio di puttana!- brado, partindo para cima do infeliz, desfiro um golpe em seu nariz que o atorda , aproveito para terminar o serviço.
Eu corto o pescoço do stronzo de um canto a outro. O cheiro metálico do sangue inunda as minhas narinas. Deixo o corpo do faccia di culo sofrendo os últimos espasmos no chão e rumo para a construção que fica mais ao fundo da propriedade, onde o moleque está abrigado com os seus "convidados". Me esgueiro pelo muro, prestando atenção aos sons ao meu redor. Puxo a balaclava do meu rosto para que o tecido não prejudique a minha percepção auditiva.
_ Che sculo! - xingo tateando o muro e dando passos cautelosos, segurando firme a adaga em minha mão esquerda.
Me aproximo de um vão na parede. Seguro minha respiração por um tempo e me escoro perto da a******a, não captando nenhum barulho vindo de dentro. Me escondo no "buraco".
Fico observando a precária construção de longe, a iluminação escapando pelas frestas das janelas de madeira. Ouço o som de disparos sendo efetuados ao longe.
_ Pietro, como está a situação? - Vittorio me pergunta.
_ Estou observando o local onde o moleque está. - informo.
De repente ouço passos apressados se aproximando de onde estou. Recosto-me na parede, preparo-me para o ataque e assim faço, pegando de surpresa o infeliz. Dirijo um golpe em sua direção.
_ Cazzo!!- exprime com a entonação aguda de dor uma voz que bem conheço.
_ Droga!!! Matteo!!Che palle!!!- berro entre dentes.
_ Que está acontecendo ai, Pietro?- meu irmão berra através do ponto em meu ouvido.
Agora ele tinha boca para falar, por que não avisou para mim que Matteo se aproximava, uma vez que ele está nos monitorando pelo rastreador?
_ Que foi que te deu, c****e, a p***a da cocaína está derrentendo seu cérebro, c*****o! Você me acertou, porca miseria!
_ Não foi intencional, perdi meus óculos de visão noturna, estou me guiando pelos sentidos, p***a!- explico, ciente que o meu parceiro deve estar sangrando muito.
_ Pietro! p***a! Fala comigo!- o Don grita fora de si.
_ Acabei de ferir o Matteo, c****e! - revelo.
_ Cazzo! Como isso aconteceu, merda?-pergunta bufando.
_ Vou invadir o local!- falo movimentando- me.
_ Você não pode fazer isso sozinho é arriscado, espere pelo Gianne e pelo Leonardo, estou vendo aqui no localizador, eles estão chegando até você.
_ Tarde demais para me avisar, fratello !- falo correndo até a porta e colidindo com a folha de madeira.
_ Seu filho da p**a, eu sou seu Don e você me deve obediência!- Vittorio berra audivelmente contrariado.
A velha porta fragilizada cai juntamente com o meu corpo. Ainda estou sob os efeitos do impacto da queda quando escuto, por cima dos gritos histéricos de algumas mulheres, o clique do cão de uma arma ao ser acionado.
Levo alguns segundos para que eu me acostumem com a iluminação do lugar, aperto os meus olhos que sofrem pela sensibilidade, até que sinto o incômodo ir diminuindo gradativamente.
_ Ora, ora, olha quem temos por aqui, como vai vossa alteza da Calábria, ao que devemos a honra de ter em nossa humilde confraternização o príncipe da ndrangheta? - a voz escarnecedora faz-me tentar olhar para quem fala, no entanto recebo um chute no estômago que me arranca o fôlego.
_ "Passa" esse babaca de uma vez, Manolo!- ouço uma voz determinar.
_ Calma, Mattia, seu tio com certeza vai gostar se levármos para ele um presentinho. Talvez possamos assistir à prazerosa cena do calabrês sendo escalpelado vivo - responde ao moleque infeliz o qual a minha equipe veio sequestrar - O que acha, vossa alteza? Será que seu irmão vai gostar de receber alguns pedaços seus? Sei lá, ele pode empalhar a sua cabeça e pendurar no escritório para conversar quando se sentir entediado. Hum, não, pensando bem, acho que Fausto é que vai querer fazer isso. Tenho a intuição de que ele vai gostar de adicionar mais uma abóboda craniana em sua coleção sinistra. - profere, dando um risinho escarnecedor.
_ Zitto! Leccaculo!Vaffanculo!- falo com dificuldade sendo alvo de novos chutes. Alguns são tão fortes que chego a cuspir sangue pela boca.
_ Eu disse para acabar com esse maledeto! - escuto os passos do tal Mattia se aproximando, olho de esguelha e vejo o fedelho empunhando uma submetralhadora 9mm uzi em minha direção.
Gargalho alucinado, vendo o meu fim se aproximar. Sinto o gosto ferruginoso na minha boca.
_ Vamos seus bastardos acabem logo com isso! - berro.
Mattia levanta o dedo ao gatilho, e eu espero pela queimação que a perfuração das balas causa em contato com a carne. Espero pela morte, para que ela me livre da sensação agoniante que sinto desde o dia em que deixei a fazenda Caravaggio. No entanto, ela não chega.
Ouço disparos sendo feitos, o som de gritos e de corpos caindo num baque surdo no chão áspero de cimento.
_ Levanta ele, Leonardo!- escuto a voz de Vittorio reverberando pelo espaço que um dia foi um armazém.
Sinto meu corpo sendo erguido, as dores permeando cada pedaço de fibra muscular que foi alvejado pelos golpes duros.
_ c*****o, você está bem? - Leo me pergunta, apoiando meu corpo no seu. Sou arrastado até um banco velho e colocado sentado.
_ Vou ficar, só me dá alguns minutos.- peço, tomando uma lufada de ar.
Observo meu irmão e seus homens circularem pelo lugar, berrando para que os amiguinhos do fedelho atrevidos se sentem no chão com as pernas cruzadas e com as mãos para frente.
Vanyo, chefe dos soldados, arrasta Mattia até os pés do Don. O moleque deixa um rastro de sangue pelo curto percurso. Sua blusa branca está manchada de sangue na altura do ombro e sua calça jeans tem outra mancha na altura do joelho. Ele recebeu dois tiros, um de alerta e outro paralisante.
Olho para o tal Manolo e vejo seus miolos jazendo no chão, com uma enorme poça de sangue se formando uma pequena lagoa.
Vittorio me lança um olhar carregado de raiva e caminha até mim com passos calmos.
_ Ragazzo stupido! Que p***a aconteceu no Brasil para você retornar pior do que antes, hã? Eu te dei uma ordem, stronzo, a p***a de uma ordem! Aqui, nesta merda, eu sou teu chefe e não o teu irmão, c*****o! Virou o quê, a p***a de um louco suicida! - diz entre dentes, enquanto evito focar em seu rosto.
_ O que faremos com eles, chefe? - Vanyo pergunta.
_ Vamos deixar o Pietro resolver esse problema, afinal, ele resolveu se mostrar para todos. - responde. - Sem rastros, limpo e rápido. Entendeu, fratello? Já temos bagunça demais para limpar.
Claro que eu entendia, um golpe certeiro na altura do coração.
_ Todos deitados de costas no chão! - berrei, puxando minha adaga da bainha de proteção. - A tremedeira em minha mão não passa despercebida por Vittorio, que atravessa o meu caminho.
_ Que p***a é essa, Pietro? - pergunta fitando a minha mão que eu me forço para tentar controla-lá - Olhe para mim, c*****o! - diz, fitando-me nos olhos. - Diabos, você está drogado, c****e! Está usando entorpecentes de novo! - interpela, rascante, em um tom de voz baixo.
Dou um riso frio para o meu irmão.
_ Virou minha babá agora? Sou a p***a de um homem e não te devo satisfação do que uso ou deixo de usar!- falo, passando por ele.
_ Vanyo, um tiro para cada um e depois faça conforme ordenei, siga à risca tudo, não quero a polícia metida nisso. Pietro, venha comigo. Leonardo, traga o fedelho e leve-o para a clínica da organização, preciso dele vivo.
Paro meus passos ao ouvir as ordens do Don e sigo para fora no encalço de Vittorio.
Entramos dentro da SUV, com mais três seguranças.
Meu irmão me lança um olhar analítico.
_ Você mentiu para mim. Perguntei todas as vezes que mantive contato contigo se estava usando essas merdas enquanto estava no Brasil e sempre me afirmou que não. - fala cortante.
_ Não menti, realmente me mantive limpo. - falo, jogando minha cabeça para trás e fechando meus olhos.
A imagem dela se forma outra vez em minha mente, me deixando insano.
_ Então o que houve, p***a! Para você retornar para o fundo do poço, c*****o! - berra, voando em cima de mim e pegando pela gola da minha camisa, sacudindo meu corpo.
_ Não te interessa! Me solta, c****e! - falo raivoso.
_ Me interessa quando isso interfere no bom andamento dos negócios, quando põem em risco a p***a da dinastia dentro da ndrangheta. Entenda que se por acaso eu faltar, aquela cadeira é sua.- diz me olhando com interesse.
Gargalho sem humor.
_ Acabou para os Greccos, fratello, ou preciso desenhar para você entender. A nossa linhagem será extinta.- falo, sentindo um gosto amargo na boca.
_ Pode seguir, Gaspare!- ordena ao soldado que está sentado ao volante. Vittorio não retruca sabendo que a razão está comigo.
O destino é c***l com todos, não importa o que você seja ou quem você seja, muitos pagam um preço alto por estar aqui na Terra, eu já nasci pagando esse preço e pago até os dias de hoje.